Publicado 21/06/2019 18:41
Ela inicia o texto lembrando que é pelo estreito de Ormuz que cerca de 30% do petróleo exportado por via marítima navega em direção aos vários países que o compram. Foi neste lugar mais que sensível que, nesta quinta-feira (20), o Irã fez explodir um drone norte-americano. Trump ia retaliar mas, mesmo em cima da linha vermelha, recuou – e diz que o fez porque iam morrer 150 pessoas no ataque.
Mas o que é que o fez mesmo recuar? Ainda vai dar tempo para retaliar? Tem medo ou está apenas cumprindo mais uma promessa de campanha – não se envolver em guerras? Na Casa Branca, os generais consideraram a atitude do presidente uma demonstração de fraqueza. Será que o Irã também?
Desenhado
Os aviões estavam no ar e os navios nas posições definidas, mas nenhum míssil haveria de ser lançado. O presidente norte-americano recebera a informação tardia (dez ou quinze minutos antes do ataque, segundo se sabe) de que possivelmente seriam atingidas 150 pessoas nesse ataque planejado para atingir as posições militares do Irã e voltou atrás na sua decisão.
O ataque estava desenhado para mostrar aos generais da república islâmica que os norte-americanos não iam simplesmente ver o seu material de guerra – drones, neste caso – explodir e não fazer nada em relação a isso.
Mas naquela noite, a desta quinta-feira, não haveria nenhum ataque para evitar a centena e meia de mortes. Foi assim que aconteceu, pelo menos a se acreditar na versão dos acontecimentos, por enquanto ainda não desmentida, dada pelo próprio Donald Trump.
No Twitter, escreveu assim: “Estávamos preparados para retaliar quinta-feira à noite em três lugares diferentes [do Irã] e quando perguntei quantos iam morrer, '150 pessoas, senhor', foi a resposta de um general. Dez minutos antes do ataque, parei-o”.
O que não quer dizer que a retaliação tenha sido engavetada. Richard Nephew, especialista em Política Internacional da Universidade Columbia especializado em conflito energético, considera precisamente o contrário: “Nada disto muda a probabilidade muito real de um conflito militar com o Irã, no futuro. A reação de Trump simplesmente atrasa essa possibilidade. As origens das tensões, ou seja, as sanções norte-americanas e o programa nuclear do Irã que agora está em expansão, tal como a sua posição regional, não estão resolvidas”, diz ao Expresso numa entrevista por e-mail.
Opinião diferente tem Germano Almeida, analista de política internacional, e sustenta-a não só com base nas declarações de Trump durante o seu discurso de candidatura às eleições presidenciais na Florida (“as grandes nações não se envolvem em guerras intermináveis”, afirmou o presidente norte-americano) mas também nas notícias recentes de que Trump terá enviado uma mensagem ao governo iraniano no sentido de estabelecer um diálogo. “Não vejo como é que poderia haver uma guerra. O Irã não é o Iraque ou o Afeganistão ou a Síria. Os EUA nunca iriam meter-se nisso.”
Destruição
Além disso, diz o analista ao Expresso, há “vários sinais de que querem negociar com os iranianos”. “É verdade que a diabolização do Irã, típica em Trump, tem aqui o seu ponto mais grave e arriscado, mas acho que nesta altura é importante focarmo-nos nas frases que hoje talvez fossem fáceis de esquecer, frases em que o presidente fala de entendimento, diálogo e pacificação.”
E se tem havido ameaças de destruição, isso não é mais do que uma “estratégia”, a estratégia, aliás. “Parece-me haver aqui uma fase ‘fire and fury’. Trump também prometeu ‘fogo e fúria’ a Pyongyang e depois quis negociar”, diz Germano Almeida, para quem o mais provável é que os EUA retaliem a explosão do drone através de um ataque militar à base de onde este teria sido lançado, tal como foi feito em resposta aos ataques com armas químicas por parte do governo sírio, liderado por Bashar al-Assad.
O anúncio de Trump de que o ataque tinha sido cancelado é demasiado autocentrado e de quem espera, quase implora, por um elogio à escala nacional. Também sobram dúvidas a respeito do “timing” do anúncio de cancelamento e sobre quais as motivações de Trump além da óbvia – evitar mortes.
Germano Almeida fala em muito “amadorismo”, mas também prudência. “Trump tinha praticamente toda a gente a favor do ataque, tinha o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, e tinha o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, a dizer ‘avança’. Uma retaliação era relativamente normal, mas ainda assim ele considerou que a resposta não seria proporcional à explosão do drone.”
Isto mostra, continua o analista, que “entre as pessoas que mandam na administração norte-americana Trump já não é o mais irrequieto e irresponsável – e tomou uma decisão correta no momento mais crítico e arriscado da recente escalada de tensão entre os EUA e o Irã”.
Influenciado
Mas o “amadorismo” da administração acaba por ser o que mais salta à vista, diz Germano Almeida, que não se recorda de uma situação semelhante ocorrida nos últimos anos. Isso é visível tanto no número de “postos médios e altos, postos de segurança nacional, defesa e segurança externa que continuam por preencher” — sendo o caso mais “grave” o de Patrick Shanahan, que desistiu esta semana da nomeação para secretário da Defesa dos EUA após revelações sobre violência familiar — mas também de um ponto de vista “político e estratégico”.
“Houve uma inflexão negativa entre a primeira e a segunda fase da administração Trump, com a saída dos chamados adultos: Rex Tillerson, Jim Mattis e o general H. R. McMaster, ex-assessor de segurança nacional de Trump.” Eles saíram e os seus lugares “foram ocupados pelos ‘falcões’, que têm uma ideologia anti-Irã mais vincada”, diz o analista, sublinhando ainda que “os dois que mais aconselham Trump na questão do Irã são provavelmente os maiores iranofóbicos das forças de segurança americanas” – John Bolton e Mike Pompeo.
Que disso não se depreenda, contudo, que Trump está simplesmente a ser influenciado. “Ele é o responsável pelo ambiente atual entre os EUA e o Irã. A partir do momento em que decidiu renunciar ao acordo nuclear, abriu espaço para a radicalização do Irã e fragilização dos seus líderes mais moderados, excluindo quaisquer hipóteses de integração política, como previa o acordo. O mal começou aí.”
“Há dois problemas reais com a ameaça dele. Primeiro, é óbvio que Trump tem um complexo com querer ser visto como durão, punho de ferro. Entendeu que as histórias que surgiram na imprensa o fizeram parecer indeciso, o que, no seu entender, é sinónimo de fraco. Como o que mais quer é apagar esta linha de pensamento, recorre ao Twitter”, diz Richard Nephew.
Para quê? Para dizer que os Estados Unidos estão sempre prontos para o ataque e para lançar comentários com ameaças dentro como aquela que escreveu, também no Twitter, logo depois de o drone ter sido destruído: “O Irã cometeu um erro muito grave”, escreveu apenas.
Trunfo
Há sempre uma aura de perigo, de ameaça, que envolve tudo o que Trump diz no palco da política internacional, mas no fundo, continua o especialista da Columbia, “Trump sabe que dar início a uma crise com o Irã pode absorver toda a agenda que lhe resta para este primeiro mandato” e por isso vai ter cuidado para não colocar demasiado ênfase neste assunto. Até porque “a sua base eleitoral, que o sustenta, não quer mais guerras – e ele sabe isso -, só que também sabe que eles votaram num ‘homem duro’ – então ele está a tentar equilibrar as duas coisas”, diz Nephew.
O problema é que naquilo que Trump julga ser equilíbrio o Irã pode ver fraqueza. “O risco real é de que o Irã aprenda uma lição diferente: que Trump vai usar palavras duras mas que nunca vai agir”. A ameaça de que as pessoas podem morrer é um caso em particular que mostra como o que Trump diz pode ser lido de uma forma totalmente diferente em Teerã: “Claro que existiria sempre a possibilidade de haver mortos – e se Trump não teve isso em consideração então é louco. Os iranianos não acreditam que ele não tenha considerado a existência de mortos, então veem este recuo como uma cortina de fumaça para obscurecer a fraqueza real do próprio Trump”, explica ainda Nephew.
Para Trump não ficar com a trunfo de ser o único magnânimo nesta história, o Irã também informou esta sexta-feira que, se quisesse, podia ter abatido na quinta-feira outro aparelho militar norte-americano, um avião P-8 com 35 pessoas a bordo, que também violou nesse dia, em simultâneo com o drone derrubado, o espaço aéreo iraniano. "Poderíamos ter atingido também esse avião, mas abstivemo-nos de o fazer porque a nossa intenção era apenas enviar uma mensagem às forças terroristas norte-americanas na região", afirmou o comandante da força aérea dos Guardas da Revolução do Irã, Amir Ali Hayizadeh.