Há debate com quem não quer debater?

 

Evaldo Lima liberdade de cátedra

Sem sequer ir a discussão em plenário, projeto do vereador Evaldo Lima (PCdoB) que regulamentava a liberdade de cátedra de professores da rede pública foi retirado indefinidamente da pauta da Câmara Municipal na última quinta-feira. A suspensão da matéria foi pedida pelo próprio autor, em acordo com entidades de profissionais da educação, que lotavam as galerias e auditório do Legislativo. Pesou na decisão a pressão movida por vereadores da bancada evangélica da Casa, que acusavam a medida de tentar implementar o ensino de "ideologia de gênero" nas escolas de Fortaleza.

Não questiono a articulação nem a derrubada do projeto: é da natureza do parlamento o embate de ideias e discussão da pauta legislativa. O que é curioso é que todo o debate se fixou em torno de um ponto que sequer foi mencionado na proposta. A expressão "ideologia de gênero", que tanto repúdio e comoção motivou, não é citada uma única vez nos sete artigos do texto. Nas emendas ao projeto, também não há qualquer menção ao tema. O texto da proposta, aliás, é bem claro em tratar apenas da liberdade de expressão de professores.

O mais irônico é que quem tentou introduzir "ideologia de gênero" no texto foi o vereador Jorge Pinheiro (DC), um dos críticos da proposta, através de uma emenda proibindo a menção do tema em escolas. Alheia à intenção do projeto, a alteração acabou rejeitada, o que só fez aumentar a pressão de evangélicos contra a medida. Sessão que "sepultou" a tramitação da matéria foi acompanhada de perto por pastores evangélicos (que ganharam espaço privilegiado dentro do plenário, diga-se de passagem) e completou a esquisitice da coisa toda.

Obsessão

Em longo pronunciamento, Evaldo negou reiteradamente e com muita ênfase a completa inexistência da tal "ideologia de gênero" no projeto. Explicou, mostrou o texto que foi retirado de pauta, explicou de novo. Imediatamente depois, Jorge Pinheiro subiu à tribuna para, com a voz embargada, comemorar a "vitória". "Ninguém vai ensinar ideologia de gênero para as nossas crianças, essa Câmara é uma muralha contra isso", disse.

Repito: isso tudo literalmente segundos após o próprio autor da proposta provar que a tese não é verdadeira. Na sequência, Priscila Costa (PRTB) fez o mesmo, também comemorando a derrota da "ideologia de gênero" – desconsiderando a fala do colega. A impressão é que os vereadores subiram à tribuna para falar o que queriam falar, e tanto faz se os fatos claramente apontassem outra coisa. Sugerem ainda até a suposta existência de grupo de professores com uma agenda explícita de perverter crianças, o que não só é absurdo, como ofensivo.

Na sua justificativa de voto, Priscila chegou até a dizer que foi chamada de "fake news" por Evaldo ao denunciar a intenção oculta de implementação da "ideologia de gênero" da proposta. Reitero: nunca houve qualquer menção a isso no projeto. Quem diz o contrário está mentindo.