Quem um conto conta, conta outro

Nessa terça-feira, 17/3, recebi pelo zap uma piadinha do coronavírus que logo tratei de repassar aos amigos, amigas e inimigos disfarçados: “Até que não está tão chato ficar em casa. O que me espanta é que um pacote de arroz venha com 8.976 grãos e o outro com 9.044”.

Casa da mãe do Newton, onde ele ficou de quarentena e criou quatro teorias seminais

É mesmo duro dar tratos à bola para passar dias e mais dias em quarentena. Ainda bem que os jornais não se cansam de publicar listas de livros para você ler durante o isolamento, e as redes de televisão mudam a programação com maratonas de filmes, documentários, especiais da pandemia etc.

É hora de reler o Proust perdido e tirar da última prateleira o Banco Imobiliário e a Batalha Naval, né!

Vai aqui uma confissão imoral: eu baixei no celular o jogo Plague, cujo objetivo é infectar o mundo inteiro com alguma das pestes do cardápio. A porra do jogo ficaria bem mais fácil se a atualização incluísse um Bolsonaro e um Guedes pra complicar as defesas do planeta.

Vai, corona! 

Outra diversão favorita nesses dias de aflição é comparar a crise atual com outras desgraceiras históricas. No âmbito da economia, parece que este coronavírus está fazendo estragos semelhantes à depressão de 1929. Mas em termos de saúde ainda estamos longe da devastação da gripe espanhola de 1918, que matou o presidente reeleito Rodrigues Alves antes dele tomar posse. Estou dizendo aos impacientes: deixem o Covid-19 trabalhar! Talvez ele faça alguma justiça parecida nos próximos dias…

Depois dessas divagações, eu queria dizer que durante a quarentena nem tudo é passividade, havendo amplo espaço-tempo para o florescimento da criatividade.

A gente pode imaginar, por exemplo, como já imaginou uma gozadora do zap, um coronaboom daqui a nove meses, com o nascimento da chamada Geração Coronials.

Talvez apareçam também excelentes romances comparáveis à Peste do Albert Camus, e tremendos livros de poemas a parear com o Eu do Augusto dos Anjos. Tipo assim:

É uma trágica festa emocionante!
A bacteriologia inventariante
Toma conta do corpo que apodrece…
E até os membros da família engulham,
Vendo as larvas malignas que se embrulham
No cadáver malsão, fazendo um s.

Shakespirro

Vocês duvidam da criação em meio ao caos? Há precedentes históricos. O Shakespeare, por exemplo, concluiu três de suas melhores peças, Rei Lear, Macbeth e Antônio e Cleopatra, em 1606, a partir de julho, quando teve de ficar em quarentena com o teatro The Globe fechado por causa da peste bubônica que tomou conta de Londres.

Seu biógrafo James Shapiro diz não ter ideia do que o Bardo estava sentindo quando escrevia ao longo do quarto de século antes do ano referido. Em compensação, diz ele, “sabemos muito mais como a visita dos roedores em 1606 alterou os contornos da vida profissional de Shakespeare, transformou e revigorou a sua companhia de teatro, prejudicou a concorrência, mudou a composição do público para quem ele iria escrever (e ainda o tipo de peça que ele podia escrever) e permitiu que ele colaborasse com músicos e dramaturgos talentosos – um surto da peste que chegou perto de matá-lo”.

Binômio de Newton 

Sessenta anos depois, um novo surto da peste (que matou um quarto da população de Londres entre 1665 e 1666) iria isolar em quarentena outro grande criador, o físico Isaac Newton, na casa de sua mãe, Woolsthorpe Manor, em Woolsthorpe-by-Colsterworth, cerca de 60 milhas a noroeste de Cambridge. Do esforço realizado durante a reclusão resultaram quatro de suas obras mais relevantes: a teoria do binômio, o cálculo, a lei da gravitação universal e a natureza das cores. Na época Newton era estudante do Trinity College em Cambridge e tinha apenas 23 anos.

A quarentena, como se vê, não precisa ser aborrecida de jeito nenhum! Jogos, livros, filmes e fuque-fuque devem preencher as mentes de todos nós nesses dias de distanciamento social, quando nada, para afastar o pânico. Não custa repetir: mente vazia, oficina do Diabo.

Uma informação que pode lhes servir em caso de emergência: aprendi no filme basco Errementari – O Ferreiro e o Diabo (tem na Netflix) um truque para distrair o Demo: basta jogar-lhe um punhado de grãos de bico – não sei se arroz funciona. Ele vai ficar paralisado um tempão, pois é portador do transtorno obsessivo compulsivo (TOC) de contar!

Fonte: Brasiliários

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