Campanhas buscam suprir necessidades básicas da periferia de Curitiba

Com diminuição da renda do trabalho informal e fechamento dos serviços básicos, famílias vivem alta vulnerabilidade diante da pandemia da covid-19

Conjunto de ocupações da CIC reúne mais de 1400 famílias (Foto: Giorgia Prates)

As vulnerabilidades presentes nas realidades de comunidades periféricas de Curitiba (PR) e Região Metropolitana da capital têm sido acentuadas nas últimas semanas.

Neste período, em que o isolamento social é necessário como principal medida de contenção da Covid-19, como defende a Organização Mundial da Saúde (OMS), o cotidiano de milhares de famílias nas comunidades urbanas da capital tem sido o de um diálogo perverso entre as dificuldades estruturais das áreas, a diminuição de renda das famílias neste período e o abandono por parte do Estado

Com alta densidade populacional, casas muito próximas, falta de saneamento e de oferta de água regularizada, e menos providas de demais serviços públicos – condições essenciais para proteção ao coronavírus – as comunidades não têm encontrado no Estado a atenção que já não recebiam antes.

“Na primeira semana que surgiu medo do vírus chegar na comunidade, a gente procurou o Centro de Referência de Assistência Social na CIC, a Defensoria Pública e o Ministério Público. Na época eles ainda não tinham o que falar e esperavam respostas pra dar para a gente”, relembra a coordenadora da Ocupação Dona Cida, Edna Elaine.

À frente da ocupação surgida em 2016 na Cidade Industrial de Curitiba (CIC) e ocupada por mais de 500 famílias, segundo levantamento feito pela comunidade, Edna relata que o abandono da comunidade pela gestão pública se fez presente nestes quatro anos de ocupação e, mesmo nesta grave crise epidemiológica, não há sinais até o momento de mudança de postura pelo poder público.

“É um descaso. A gente já está acostumado com isso, a sofrer o desprezo do poder público”, relata Edna. Ela complementa que as demais comunidades que integram o conjunto de ocupações da CIC – 29 de Março, Tiradentes, Nova Primavera – assim como a Dona Cida, não receberam, ao menos, informações sobre como proceder diante do fechamento do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), espaço de atendimento assistencial às famílias mais vulneráveis da região. Juntas, as quatro ocupações reúnem por volta de 1400 famílias.

“O contexto da pandemia só intensifica uma vulnerabilidade já presente nas comunidades”, destaca a coordenadora do Instituto Democracia Popular (IDP), Mariana Auler. Poucas semanas antes no início da quarentena, as comunidades ficaram sem água por quatro dias, por exemplo. O não fornecimento de água só foi revertido por incidência das comunidades e Defensoria Pública do Paraná junto à Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar). Empresa de economia mista, a Companhia se comprometeu a não faltar água nos próximos dias. As Comunidades da CIC relatam, no entanto, que o abastecimento não é integral, ou seja, não chega em todas as casas.

Ações insuficientes

As gestões públicas da capital e estado adotaram medidas recentes voltadas à população de baixa renda e em contexto de vulnerabilidade, como a distribuição de cestas básicas para famílias com filhos na rede pública de ensino fundamental ou nos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) e a suspensão por 3 meses das tarifas de água e esgoto para famílias cadastradas no Tarifa Social, respectivamente. As medidas emergenciais no entanto, para Mariana, são insuficientes, considerando os grandes limites estruturais das comunidades e as diversas vulnerabilidades das famílias.

“Quando a gente fala de quarentena, a qualidade do isolamento na sua casa e o nível de conforto são questões fundamentais. Nas comunidades, há casas com coabitação gigantesca. A quarentena é uma situação absolutamente diferente para estas comunidades onde o acesso a serviços públicos é escasso”, sublinha Mariana. “É uma casa colada na outra, cheia de gente em espaço apertado. A gente vai estender uma roupa e já está na área do vizinho”, complementa Edna.

Trabalho

Outro agravante que se coloca com força nas comunidades neste momento é a diminuição da renda familiar. Com a quarentena as famílias viram suas rendas providas pelo trabalho informal diminuir sensivelmente. São trabalhadoras domésticas, pedreiros, cabeleireiras, catadores de materiais recicláveis e de outros ofícios, que saem logo cedo para trazer à noite o provimento para aquele dia. Nas últimas semanas as e os trabalhadores foram dispensados ou tiveram uma forte diminuição do volume de trabalho. “As famílias começam a se desesperar com a falta de alimentos, coisas simples que já não tem mais na mesa”, manifesta Edna com preocupação.

A esperança está no auxílio emergencial a ser ainda regulamentado pelo governo federal. Neste ponto, a preocupação recai sobre forma de acesso ao recurso. “As pessoas que são beneficiadas pela Bolsa-Família estão num quadro melhor porque já estão acostumadas e sabem como proceder, mas pessoas que não estão cadastradas [em programas de transferência de renda] o desafio é a informação, e o poder público não tem feito esta orientação. As Unidades do CRAS, que são portas de entrada para informação e de orientação de como as pessoas devem proceder, estão fechadas”, enfatiza Mariana.

Reivindicação nacional

Organizações sociais e movimentos de luta pela moradia tem reivindicado a apresentação pelas diferentes esferas de governo de um plano de emergência em atendimento em periferias e favelas. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), vinculado ao Ministério Público Federal, solicitou informações sobre as ações do Ministério da Saúde para conter a pandemia nestas localidades. Na resposta emitida pela pasta no último dia 30 de março as ações específicas para contenção da pandemia – observando as realidades das comunidades – não foram detalhadas. A Procuradoria solicitou novas informações à saúde. O prazo para retorno formal da resposta se esgota na próxima segunda-feira (06).

“O cenário de pandemia atinge de forma muito mais grave as comunidades periféricas. No Brasil, 3,7 milhões de domicílios não têm acesso regular à água, o que afeta desde a produção de alimentação em casa até as medidas de higiene e limpeza essenciais para prevenção da transmissão da Covid-19. Isso demanda, portanto, medidas urgentes para acesso pelas comunidades aos serviços essenciais como água, luz, saneamento, bem como às políticas públicas”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Daisy Ribeiro.

Campanha

Para atendimento às necessidades imediatas, um conjunto de iniciativas de arrecadação de alimentos não-perecíveis, produtos de limpeza e higiene tem sido desenvolvido em Curitiba e região metropolitana. Reunidos em torno da Campanha Resistindo com Solidariedade, o IDP, Casa da Resistência, Projeto Propulsão, Sindicato do Bancários de Curitiba e Coletivo Mobiliza, em recente adesão à ação, tem buscado suprir os alimentos e produtos essenciais neste período de algumas comunidades. Os alimentos fundamentais da cesta básica, como arroz e feijão, são adquiridos de cooperativas de agricultores familiares vinculadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Outra parte dos produtos tem sido doada pelo Movimento.

Outro eixo de atuação da campanha é a produção de informações seguras para as comunidades. Como cerca de 85% dos usuários de internet das classes D e E acessam a rede exclusivamente pelo celular (Dados TIC Domicílios 2018), a campanha empenha esforços na produção e circulação de conteúdos para as comunidades pelas redes sociais. “O aspecto mais imediato é a preocupação com alimentação, mas outro aspecto de atenção da campanha é informacional”, relata Mariana, ao destacar que este papel antes era desempenhado pelo CRAS.

Informações para participar da Campanha

– Para quem quiser fazer uma doação, pode fazer uma transferência de qualquer valor para a conta do IDP na Caixa Econômica:

Banco: Caixa Econômica
Ag 0891 Op 003
Conta corrente 431-6
CNPJ 20.999.012/0001-89
Instituto Democracia Popular

– Doação de alimentos não perecíveis e produtos de limpeza:

Casa da Resistência (Rua Paula Gomes, 529 – bairro São Francisco), nas tardes de segunda, quarta e sexta.

Terra de Direitos

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