Paulo Paim: Os que andam contra o vento

Vivemos num mundo louco. Em minutos, a vida das pessoas se torna números e se perde na liquidez da modernidade. Um mundo onde tudo é questionado, mas nada é afiançado. O bem-viver não mais irradia do sol, mas declina como um astro no horizonte, ao ocaso.

Paulo Paim

Ora, vamos nos indignar contra a desesperança e os domínios do desamor e das injustiças, deixando os fantasmas do passado nas sombras. Vamos em frente, abrindo caminhos de resistência com a têmpera da solidariedade e da fraternidade. Adiante, seguindo com a finesa da alma, criando para mudar e, assim, construindo um futuro digno.

Neste 1º de maio – Dia do Trabalhador e do Trabalho –, nos ajuntemos todos com a única certeza de que, tão somente as nossas vozes, em um único canto coletivo, é que farão a diferença. Os problemas do Brasil só serão resolvidos a partir da unidade das forças progressistas, populares e humanitárias.

Os movimentos sindical e social, do campo e da cidade, têm a sua contribuição a dar no exemplo, na razão, na ação coletiva, como sempre fizeram, durante décadas, quando a história exigiu no mais alto grau de responsabilidade e discernimento. É daí que surgem as primaveras e os trigais.

Emile Zola, no século 19, descreveu a luta do povo trabalhador, dos carvoeiros, em Germinal. “Homens brotavam lentamente nos sulcos da terra, crescendo para as colheitas do futuro, cuja germinação não tardaria em fazer rebentar a própria terra.“

O sofrimento daquela época continua nos dias atuais no mundo. Ainda sentimos as dores de uma reforma trabalhista e de uma reforma previdenciária. Elas fragilizaram a situação de milhões de trabalhadores, aposentados e jovens, desconstruindo avanços sociais, que foram alcançados a duras penas. E o pior é que não geraram um emprego sequer, conforme argumentavam. Os pobres ficaram mais pobres e a concentração de renda aumentou.

Recentemente, a MP 905, do Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, caducou e foi arquivada graças à unidade e a força dos movimentos sindical e social e da sociedade. Se ela fosse à sanção da Presidência da República, com certeza, o país estaria legalizando o trabalho escravo e sepultando direitos legais, como férias e 13º, entre outros.

Mas é preciso muita atenção. Eles pretendem mandar outra medida provisória com o mesmo teor ou até mais radical. E isso nós não vamos aceitar de jeito nenhum. E ainda estamos de olho nas MPs 927 e 936. Necessitamos, neste momento, é de medidas de inclusão social e de equilíbrio nas relações do mundo do trabalho.

Com a pandemia do coronavírus, o país se viu embretado em uma precária estrutura de saúde e de manutenção e geração de empregos e renda. Com a participação dos movimentos sindical e social, apresentamos várias propostas e emendas para resolver esses problemas, como a suspensão dos empréstimos consignados, a ampliação do seguro-desemprego até o final do ano e a obrigatoriedade de EPIs.

Apresentamos também medidas para garantir a sobrevivência das micro e pequenas empresas, que geram 60% dos empregos e representam 25% do PIB nacional. Por isso que a solidariedade e os esforços de todos, neste momento, é importantíssimo. É isso que faz a diferença. E aqui eu falo dos mais de 4 mil empresários do Movimento Não Demita, que se comprometeram a preservar mais de 2 milhões de empregos.

Não é exagero algum dizer que as perspectivas para o país são aterrorizantes. Especialistas já falam em mais de 20 milhões de desempregados, que iram se somar aos 40 milhões de trabalhadores informais e aos 50 milhões de pobres. A comunidade negra e os povos indígenas, por serem os mais vulneráveis, serão os mais atingidos. Conforme a Central Única das Favelas (Cufa), existem 13,6 milhões de pessoas nessas comunidades. É obvio que a miséria e a fome irão aumentar. Temos que pensar na taxação das grandes fortunas, na flexibilização da EC 95, para investir principalmente no SUS, no SUAS, nos CRAS e na geração de empregos e renda.

O que importa é a saúde e a felicidade das pessoas. E, para buscá-las, não precisamos perder a nossa essência e nem o nosso jeito de andejar. Neste 1º maio, não temos nada a comemorar, mas temos sim a certeza – e ela faz povoado em nossos corações -, de que é preciso buscar os nossos sonhos, que não estão perdidos, mas apenas esperando o nosso grito de indignação.

Os Omahas são um povo indígena das planícies norte-americanas, ligados aos Sioux. Assim como eles, somos persistentes e lutamos por dignidade, mesmo que queiram calar as nossas vozes. Pensamos e desafiamos o presente e o futuro. “Ceux qui marchent contra le vent”. Somos como eles, “Os que andam contra o vento”.

Paulo Paim é senador da República (PT/RS). Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado.

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Fonte: Jornal do Brasil

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