De Olho no Mundo, por Ana Prestes

A especialista em Relações Internacionais Ana Prestes destaca, nesta terça-feira (12), o Dia Internacional da Enfermagem. Ela discorre também sobre recentes declarações do ex-presidente dos EUA, Barack Obama, a respeito de Trump e a pandemia em seu país. Confira abaixo:

O dia 12 de maio é de comemoração do Dia Internacional da Enfermagem. A data é dedicada ao dia do aniversário de uma enfermeira britânica, Florence Nightingale, considerada a “mãe da enfermagem moderna”. Ela nasceu em 12 de maio de 1820, há 200 anos hoje. Apesar de vir de uma família abastada, ela foi voluntária nos hospitais de Londres em uma época de preconceitos com esse trabalho e implementou medidas sanitárias que revolucionaram o mundo dos cuidados com doentes e feridos. O Reino Unido estava envolvido na Guerra da Crimeia na época em que ela ganhou destaque. Foi muito ativa, escrevendo livros e artigos, fundando cursos de enfermagem e modernizando as enfermarias dos hospitais britânicos. Tinha uma formação matemática, que possibilitou o uso da estatística para demonstrar suas hipóteses de controle de infecções através da higiene. Nestes tempos de pandemia pelo novo coronavírus, toda nossa reverência a essa profissão que salva vidas todos os dias.

Uma nota importante do final de semana e que me esqueci de comentar por aqui foi a da crítica feita por Obama à condução de Trump do país no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus. Os comentários de Obama foram feitos durante uma teleconferência na sexta (8) com cerca de 3 mil membros do Obama Alumni Association, que congrega pessoas que participaram ou apoiaram seu governo. Nas palavras de Obama, “teria sido ruim mesmo com os melhores governos, tem sido um desastre caótico absoluto quando essa mentalidade do ‘o que eu ganho com isso’ e do ‘que se danem todos os outros’ é operacionalizada em nosso governo”. Na mesma semana, um diretor do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA) da época de Obama, Tom Frieden, disse no congresso americano que a luta contra o coronavírus ainda será “longa e difícil”. Segundo o ex-diretor, “até que tenhamos uma vacina eficaz, a menos que algo inesperado aconteça, nosso inimigo viral estará conosco por muitos meses, ou anos”. O infectologista da Casa Branca, Anthony Fauci, falaria em um painel semelhante ao que falou Frieden, na Câmara de Representantes, mas foi impedido por Trump. As palavras mais duras de Obama e o contraponto entre seus colaboradores e os atuais colaboradores de Trump revelam que agora começa pra valer a disputa deste ano pela Casa Branca nos EUA.

Outro tema importante da última semana, os 75 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, merece registro pela particularidade da comemoração da data neste ano pandêmico. O presidente russo, Vladimir Putin, planejava uma grandiosa parada militar na Praça Vermelha no dia 9 de maio (sábado). Entre seus convidados estavam Trump, Xi Jinping, Merkel, Macron e outros. O coronavírus, no entanto, não permitiu a festa pelo Dia da Vitória e a comemoração se resumiu a um discurso à nação feito por Putin direto do Kremlin. O mesmo se passou no Reino Unido, na França e nos EUA, países onde a data é fortemente comemorada e este ano ficou restrita ao ambiente doméstico dos familiares de vítimas do conflito e aos eventos virtuais. O Conselho de Segurança da ONU também realizou uma reunião informal para tratar dos 75 anos do fim da guerra e dela participou o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, cujo discurso descrevo na próxima nota.

Em seu discurso alusivo aos 75 anos do fim da Segunda Guerra Mundial em reunião informal do Conselho de Segurança da ONU, o chanceler brasileiro Ernesto Araújo disse que o Brasil teve “importante participação no esforço de guerra, enviando 25 mil soldados para lutar na Itália com os Aliados contra as forças nazistas”. Ao prosseguir com discurso, Araújo disse que apesar do fim da guerra significar a prevalência da liberdade e da democracia sobre o totalitarismo, outra forma de totalitarismo surgiu depois da guerra e “lançou sombra por muito tempo sobre metade da humanidade”, se referindo à União Soviética. Daí ele desfila seu rosário preferido, dizendo que “essa ideologia” (comunista) ao longo dos anos “sempre trabalhou com o mesmo princípio de sequestro e perversão” de conceitos nobres “como direitos humanos, justiça, proteção ambiental”. E cravou o que pensa sobre hoje: “não permitamos que a saúde seja mais uma vítima a ser sequestrada por essa ideologia e pervertida para servir a objetivos totalitários”. A sequência é uma tentativa de justificar por que o governo Bolsonaro tem problemas com a palavra “multilateralismo”. Segundo Araújo: “estamos comprometidos a trabalhar de maneira construtiva em fóruns internacionais. Mas creio que devemos evitar a palavra ‘multilateralismo’ ao falar de instituições internacionais ou de multilaterais. Palavras terminadas em ‘ismo’ normalmente designam ideologias: Fascismo, Nazismo e Comunismo. Não vamos fazer do ‘multilateralismo’ uma ideologia. O oposto de todas as ideologias não é outra ideologia. O oposto de todas as ideologias é a liberdade. Note que não dizemos ‘liberdadismo’. Dizemos liberdade. Portanto, não tornemos o multilateralismo outro sistema de pensamento que nega a realidade e que tenta impor-se à realidade. Vamos fazer das instituições multilaterais uma plataforma para trabalhar pela verdade e pela liberdade.” Quem quiser continuar se espantando e ler o resto: https://tinyurl.com/ycdd4hv6

A pandemia do novo coronavírus felizmente ainda não bateu forte na África e que continue assim. Matéria da BBC de hoje traz o dado de que enquanto a Europa já tem mais de 1,5 milhão de casos registrados de pessoas infectadas pelo vírus, os EUA passaram 1,3 milhão e a América Latina está perto dos 250 mil, o continente africano tem até agora apuradas 55 mil infecções. Até 8 de maio o número de mortes era de um pouco mais de 2 mil, enquanto a cidade de Nova Iorque, por exemplo, já passou dos 20 mil. Metade dos casos africanos estão na África do Sul (10.015), Egito (9400), Marrocos (6063) e Argélia (5723). Com exceção da África do Sul, são países que estão no norte da África, geograficamente próximos da Europa e com relação intensa com países europeus como Itália e França. Nos demais países o fluxo de voos internacionais, por exemplo, é bem menor. A forte subnotificação pode ser parte da explicação para o continente parecer menos atingido. Outra parte pode ser pela rápida reação de alguns países. Segundo a reportagem, Ruanda, por exemplo, quando tinha 20 casos, implementou o confinamento, fechou a fronteira e interrompeu os voos internacionais. Outro fator que não pode passar despercebido é que a África talvez seja o continente com maior experiência em epidemias. Já tendo enfrentado epidemias fortíssimas de malária, tuberculose, cólera, HIV e ebola. A epidemia por ebola, por exemplo, deixou um legado de distanciamento social, sem cumprimentos com as mãos, além de termômetros sem contato posicionados em vários pontos públicos. Outro dado importante é o demográfico. A idade média na África é de 19,7 anos, enquanto na Europa é de 40 anos. Nos últimos dias aumentou visivelmente a tensão entre Israel e Palestina como mencionei ontem aqui nas Notas. Ontem (11) foi a vez do Irã se pronunciar sobre a proposta de anexação de parte considerável da Cisjordânia. “Definitivamente, esta medida causará uma nova intifada (levantamento) ao largo dos territórios ocupados e da região e fará com que os Estados Unidos e os ocupantes da nobre Al-Quds (Jerusalém) se arrependam”, foram as palavras de Seyed Ebrahim Raisi, chefe do poder judiciário do Irã. Ele se refere à implementação do Plano do Século de Trump, Netanyahu e Gantz, apresentado em janeiro e que daria aos palestinos uma autonomia limitada dentro de um território descontinuado, deixando para Israel o Vale do Jordão e outras partes do território cada vez mais sequestrado. Some-se a isso a denúncia feita ontem (11) pela ONU sobre a “detenção continuada de crianças palestinas” por Israel. O coordenador humanitário da ONU para os territórios palestinos ocupados, Jamie McGoldrick, apelou: “a melhor maneira de defender os direitos das crianças detidas no meio de uma pandemia perigosa é libertá-las”. Somente no fim de março foram colocados quase 200 menores palestinos em prisões e centros de detenção de Israel. A maioria sem acusação por qualquer crime. As crianças não têm acesso às suas famílias e advogados e muitas vezes se declaram “culpadas” para serem libertadas.

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