Dólar a R$ 6: especulação reflete falta de confiança e credibilidade
Nesta quinta (14), o dólar comercial voltou a bater recorde, chegando a R$ 5,96 na máxima do dia. Ontem, a divisa norte-americana fechou cotada a R$ 5,90.
Publicado 14/05/2020 17:31
A despeito de todos os esforços do Banco Central para conter a escalada do dólar – a autoridade monetária já queimou US$ 54 bilhões em leilões de swap cambial, que são contratos para compra de dólares no mercado futuro – a moeda norte-americana segue encostando em R$ 6 e pode ultrapassar a barreira em breve. Nesta quinta (14), o dólar comercial voltou a bater recorde, chegando a R$ 5,96 na máxima do dia. Ontem, a divisa norte-americana fechou cotada a R$ 5,90.
A escalada do câmbio tem sido associada às incertezas para a economia trazidas pela pandemia, mas a questão é bem mais complexa e muito mais ligada à política do que é mostrado no noticiário econômico. Na verdade, há uma corrida especulativa contra a taxa de câmbio, o que nunca é uma sinalização boa. Significa pouca confiança no governo, com efeitos ruins para a economia em geral.
A avaliação é de Paulo Kliass, doutor em Economia. Segundo ele, os leilões de swap cambial têm um alcance limitado porque partem do pressuposto de que o mercado de câmbio funciona segundo uma lógica simples de oferta e demanda. Segundo esse raciocínio, bastaria o BC ofertar contratos para aumentar a oferta de dólares no mercado e por conseguinte baixar os preços.
Mas não funciona assim porque, em situações de maior fragilidade do real, os investidores se lançam em uma aposta com o governo. “Não se pode tratar o mercado de câmbio como um mercado igual aos outros. Quem atua nele? São grandes, gigantescos conglomerados financeiros, por um lado e o governo, podendo intervir, por outro. A imensa maioria da população não atua. São grandes transações realizadas por poderosos conglomerados industriais e financeiros. E, por serem grandes, eles têm uma grande capacidade de especular. Eles ganham na alta e na baixa”, destaca Kliass.
O economista lembra que a escalada não começou com a pandemia. No fim de janeiro, o dólar já estava no patamar de R$ 4,28. Naquele mês, o Banco Central ofertou contratos de swap – e perdeu a aposta. Nesses contratos, o BC é perdedor quando o dólar sobe frente ao real e ganha com a valorização da moeda nacional. Até 10 de janeiro, houve perda de R$ 1,4 bilhão nessas operações.
Segundo Kliass, o cerne da questão é a credibilidade. Os agentes financeiros especulam quando é colocada em dúvida a capacidade de um governo de manter a moeda nacional estável e valorizada.
“Quando se começa a aproximar desses limites [de alta do dólar], começa a especulação. O cara diz que o governo não vai conseguir segurar o dólar. Faz compras futuras. Agora, as apostas estão todas na barreira dos R$ 6. Tem gente que acha que o governo não vai conseguir [segurar o dólar]. Tem gente que diz que o Paulo Guedes, o Campos Neto [presidente do BC] vão segurar, porque senão é impossível, o governo cai. E tem gente que compra por um e por outro. Só que essa escalada não tem nada a ver com a economia real. O que justifica aumentar de R$ 5 para R$ 6? Nada. Especulação pura”, afirma. No entanto, acaba por haver sim impacto na economia real.
“Você tem efeitos importantes para a dinâmica econômica em seu conjunto. O câmbio influencia exportações, importações e a inflação. O Brasil importa trigo, que é usado no pão. O que acontece quando o dólar está mais alto? O preço do pãozinho sobe. A gasolina é a mesma coisa, produtos que recebem insumos importados, como os eletroeletrônicos, entre outros. [A taxa de câmbio] é um preço de referência na economia. Por isso, em alguns momentos, o governo tem que ter uma postura de intervenção. Aí tem um problema sério, porque baixa o nível das nossas reservas [internacionais], que existem principalmente para esses momentos de insegurança” diz Kliass.
Os governos Lula e Dilma Rousseff acumularam US$ 359 bilhões em reservas internacionais, um “colchão de liquidez” que serve como garantia em épocas de crise. Em meio às trapalhadas do governo Bolsonaro, no entanto, essa garantia é consumida rapidamente. Paulo Kliass afirma que parece não existir saída em um horizonte próximo. “A solução é um governo que tenha credibilidade e forneça estabilidade para os agentes econômicos de uma forma geral”, diz.