Testagem em massa é base para qualquer medida de combate à covid-19

A testagem em massa poderia garantir quarentenas seguras, prever regiões onde o contágio seria maior e prepará-las com infraestrutura. A testagem também possibilita prever cenários e manter a população consciente da gravidade da doença.

Desde o início da pandemia, Unicamp atua no desenvolvimento de testes e realização de pesquisas sobre a covid-19

Diante do cenário de pandemia crescente, o coordenador da frente de diagnósticos da Força Tarefa Unicamp contra a Covid-19, Alessandro Farias, defende que ações de testagem em massa da população são fundamentais não apenas para a contenção da doença, mas também para o planejamento de estratégias de auxílio a regiões mais comprometidas pelo coronavírus, e, ainda, dentro das possibilidades epidemiológicas. 

Apesar de mostrar o cenário da pandemia em um determinado momento, a aplicação em massa de testes auxilia as autoridades de saúde a prever como ela deverá se comportar no futuro próximo. Isso porque, ao apontar o número de pessoas com o vírus, é possível definir se a disseminação será mais ou menos intensa em diferentes cidades ou regiões.

“O teste é a base para qualquer coisa que você quiser fazer. Se a gente estivesse testando bastante, aí sim você poderia dizer ‘esse lugar dá para abrir’, e você continua testando. O R-zero [quantas pessoas podem ser infectadas por um indivíduo contaminado] só funciona se você está testando. O Brasil começou a pandemia com R em cerca de quatro, ou até mais, porque não se testou como deveria”, explica Farias. Quando o índice de R é menor que 1, a transmissão é baixa e a doença tende a desaparecer. No entanto, quanto mais elevado o índice, maior é a transmissão e a tendência de a pandemia aumentar. 

De acordo com Farias, as experiências mais positivas de enfrentamento ao novo coronavírus ocorreram em países que investiram na testagem em massa de suas populações. Ele cita o exemplo da Alemanha, que também se destacou pela antecipação ao surgimento de casos no país. “A Alemanha, em 17 de janeiro, tinha o teste pronto. Eles não tinham ainda nenhum caso e já tinham o teste pronto. Eles chegaram a testar 500 mil pessoas por dia”, relatou.

Assim, a Alemanha monitorou o R-zero continuamente e, quando o índice ficou mais baixo que 1, eles começaram a abrir. Na primeira vez que isso foi feito, o R subiu para cerca de 1,3, 1,4, exigindo nova quarentena. Ele argumenta que, com a testagem contínua, é possível saber o que aconteceu com o índice de contágio após a reabertura.

Por serem as principais portas de entrada de estrangeiros no país e por terem grandes densidades populacionais, era previsível que São Paulo e Rio de Janeiro concentrassem um grande número de casos. No entanto, o professor argumenta que uma estratégia de testagem em massa tornaria possível detectar com antecedência a escalada no número de casos ocorrida em Manaus, por exemplo.

“Nesse caso, seria possível ao Ministério da Saúde coordenar estratégias de antecipação que levassem a esses locais infraestrutura e profissionais de saúde, além de implementar medidas de maior isolamento social para contenção da doença”. 

RT-PCR: teste ideal para o momento

Atualmente, dois tipos de testes são aplicados no trabalho de prevenção à pandemia e tratamento da covid-19: o chamado RT-PCR, ideal para o momento, que identifica a presença do vírus no organismo das pessoas, feito a partir de amostras retiradas do nariz e da garganta, e o sorológico, para depois das flexibilizações, para detecção dos anticorpos que combatem o vírus, feito com amostras de sangue.

Farias explica que, no estágio atual da pandemia no país, ações que promovam a testagem da população devem utilizar o teste RT-PCR. Segundo o professor, ele deve ser aplicado tanto em pessoas que apresentam os sintomas da covid-19, quanto em indivíduos assintomáticos, já que estes também podem transmitir o coronavírus e, justamente por não manifestarem sintomas, têm um grande potencial de transmissão. 

“O teste sorológico será importante para identificar as pessoas que tiveram a doença, ou que tiveram contato com quem teve a doença. Nesse caso, o teste sorológico identifica a capacidade de resposta ao vírus daquela população”, esclarece o professor. Ele demonstra preocupação com cidades e regiões ao Norte que têm utilizado testes sorológicos para diagnóstico da doença, o que aponta ser uma medida equivocada. 

“Ele não serve para diagnóstico, mas para saber se o organismo da pessoa já respondeu contra o vírus. Não dá para saber se o anticorpo protetor é esse detectado, porque pode ser um anticorpo qualquer. Isso, pelo menos, indica se a pessoa já teve a doença e respondeu contra o vírus, mas não indica há quanto tempo foi a resposta, por isso não serve para diagnóstico”, explica. 

foto mostra profissionais de saúde, vestindo roupas de segurança, instalando um respirador artificial
Hospital no Pará instala novos respiradores. Avanço da pandemia na região poderia ter sido detectada com testagem em massa

Em maio deste ano, o Hospital Albert Einstein anunciou o desenvolvimento de um novo tipo de teste com a mesma finalidade do RT-PCR, no entanto utilizando tecnologia de Sequenciamento de Nova Geração, chamado NGS (Next Generation Sequencing). Com ela, é possível identificar pequenos fragmentos do RNA do Sars-Cov-2, o que amplia a capacidade de processamento para análise simultânea de 1.536 amostras, o que é uma importante evolução. 

Farias observa, porém, que sua aplicação esbarra na capacidade de coletar amostras para testagem. Segundo ele, muitos municípios não têm conseguido adquirir swabs, o coletor semelhante a um cotonete utilizado para retirar as amostras. Assim, essa tecnologia esbarra na dependência de outras condições para aplicação. 

O professor também comenta a respeito de estudos que vêm sendo realizados no país para o desenvolvimento de um teste que identifica o antígeno do vírus no organismo. “Também é um teste sorológico, mas identifica a proteína do vírus, não o anticorpo. Ele tem propósito parecido com o RT-PCR, mas terá uma janela imunológica maior, ou seja, quanto tempo demora para detectar a infecção”, explica. 

Trabalho da Força Tarefa e o papel da Unicamp

Com a pandemia declarada pela OMS em 11 de março, a Força Tarefa Unicamp foi estabelecida no dia 13. Durante esse período, a universidade saiu na frente na elaboração de um teste local e na habilitação do Hospital de Clínicas (HC) para realização dos diagnósticos. No dia primeiro de abril, saiu a habilitação para o teste e em 15 dias treinou-se todos para a tarefa. 

A universidade participou da validação de insumos nacionais para a realização dos testes. Segundo o professor, o trabalho foi necessário para que o diagnóstico não fosse inviabilizado pela falta de insumos ou pela dificuldade de aquisição do exterior.

“Começamos muito antes de todo mundo, e vamos deixar esse legado do que construímos de treinamento e de equipamentos. Mas queremos deixar um legado estratégico, no sentido de fazer exatamente o que a Alemanha fez, por exemplo”, avalia o coordenador da frente de diagnósticos. 

Novos exames, testes em comunidades e desafios

A frente de diagnósticos seguirá com pesquisas voltadas ao desenvolvimento de novos testes para a detecção do Sars-Cov-2 e ações que promovam a ampliação dos testes. Os estudos que buscam viabilizar o uso da saliva como amostra para testagem, podem trazer mais segurança aos profissionais de saúde, que não precisariam coletar as amostras, já que cada indivíduo poderia coletar sua própria amostra em casa. 

Outra ação pretendida pela frente de diagnósticos é a realização de testes em massa em bairros da periferia e comunidades de Campinas. Para isso, é necessária uma quantidade maior de swabs para coleta de amostras e também parcerias com empresas parceiras, para que os mutirões possam ser feitos com a estrutura e segurança necessárias para as equipes de saúde e para as próprias comunidades. 

Apesar da necessidade de mais swabs, o professor avalia que o acesso aos insumos já não é um fator que impede a realização dos testes diagnósticos. De acordo com ele, para as equipes de saúde, a dificuldade maior são os procedimentos burocráticos que limitam a realização em maior quantidade e agilidade.

“Ainda não aprendemos a lidar com pandemias, pois temos ainda várias burocracias no sistema para uma situação em que precisamos agir rápido e as regras precisam ser relaxadas”, avalia. 

Finalmente, a conscientização para as medidas de distanciamento social e higiene são as armas que sobram quando não há testagem massiva. “O maior entrave que existe hoje no país é a desinformação, que leva à negligência da gravidade da pandemia. Nesse cenário, seria preciso testar mais pessoas. Quanto mais informação a gente der, mais gente conseguimos informar e conscientizar de que a coisa é séria e de que estamos longe do fim”, adverte. 

Com informações da Unicamp

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