“Futuro brilhante” de Guedes não se baseia em dados, dizem economistas

O ministro da Economia disse acreditar em rápida retomada econômica para o país, mas não disse em que informações se respalda para a projeção. De forma contraditória, governo insiste em receituário de corte de gastos.

O ministro da Economia, Paulo Guedes - Foto: Adriano Machado

Economistas consideram sem respaldo na realidade a previsão do ministro da Economia, Paulo Guedes, que vê início da retomada econômica em novembro e um futuro “brilhante” para o Brasil. As declarações foram dadas em evento virtual do Instituto de Garantias Penais (IGP) nesta terça (16) e contrariam projeções de todas as instituições que têm se debruçado sobre a situação do país.

Uma das mais recentes, divulgada no mesmo dia das falas de Guedes, foi um levantamento do pesquisador Marcel Balassiano, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Cruzando previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do boletim Focus (pesquisa semanal do Banco Central junto a instituições financeiras), Balassiano estimou que nove em cada dez países devem atravessar a crise melhor do que o Brasil.

O boletim Focus desta segunda (15) reduziu pela 18ª vez a expectativa para o Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e riquezas produzidos pelo país em um ano), projetando um tombo de 6,51% da economia em 2020. As projeções de alguns analistas, no entanto, apontam queda de até 10%.

O economista Marco Rocha, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que as estimativas de queda da atividade econômica baseiam-se em indicadores de desempenho, como, por exemplo, a produção industrial, que teve tombo recorde de 18,8% em abril segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi o pior resultado em 18 anos. As previsões de Guedes, por outro lado, não foram respaldadas em qualquer dado.

O ministro da Economia de Jair Bolsonaro afirmou simplesmente que o motivo do otimismo é que, em sua avaliação, a situação não pode piorar. “Vejo um futuro brilhante porque é muito difícil a gente piorar, nosso viés cultural já nos botou em um buraco, então vamos ter que melhorar”.

Embasamento

“É meio aquela história de que cada um acredita no que quer. Não há o mínimo embasamento para o que ele está falando, em termos de indicadores de desempenho da economia nacional. A queda que já ocorreu se projeta ao longo do tempo e não tem como evitar esse tipo de coisa. E, por outro lado, o comportamento da economia internacional também não está dando sinal de recuperação da demanda pelo comércio internacional”, avalia Marco Rocha.

Para o economista, Guedes precisa explicar de onde virá a retomada. “Você tem uma quantidade de trabalhadores pendurados nesse programa de suspensão temporária de contrato [instituído pela Medida Provisória 936]. Daqui a três meses, vai chegar ao seu limite e não tem retomada da economia. Você já tem projeções de queda do comércio internacional, não tem o menor horizonte de recuperação da demanda pelas commodities brasileiras. O setor privado vai estar quebrado, a economia internacional em retração. Ele precisa dizer de onde vem essa recuperação”.

O economista Fernando de Aquino, coordenador da Comissão de Política Econômica do Conselho Federal de Economia (Cofecon), destaca que Guedes está cumprindo o papel que se espera dele como ministro da Economia. “Ele faz aquele discurso político, que a posição como ministro exige. No mínimo, tem que ter um discurso otimista para ver se as pessoas se animam”.

Mas tanto Aquino quanto Marco Rocha questionam o fato de Guedes falar em retomada sem sequer um plano do governo federal para estimular a recuperação. A Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) das Nações Unidas estimou que a pandemia pode jogar 214,7 milhões de pessoas na pobreza e 83,4 milhões na pobreza extrema na América Latina.

Crescer para quem?

Ainda assim, o governo federal pretende reduzir o auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300 e não há qualquer planejamento para a economia, exceto o de seguir com a agenda de cortes de gastos e reformas, deixando o resto a cargo do setor privado. Hoje (17), em evento online do Acton Institute, Guedes falou em retomar as reformas liberais em um período de 60 a 90 dias.

“Todas as afirmações do governo foram no sentido de que a política econômica será mantida e essa política já não vinha produzindo efeito. Não tem nada. Muita gente [no governo] sabe que daqui a dois, três meses, acaba a renda emergencial e o auxílio do governo à folha de pagamento. E não tem nenhum horizonte em termos de política pública”, afirma Rocha.

“O governo vem cortando gastos desde 2015, com Joaquim Levy [ex-ministro da Fazenda de Dilma Rousseff], mas isso não tem funcionado. As empresas olham primeiro para a demanda. Se não está vendendo, não vai investir para modernizar a produção. Então, se o governo para de gastar, vai ter menos demanda para as empresas. O governo fazer ajuste fiscal não vai comover o empresário. Ele quer ver a demanda que tem para a empresa dele”, destaca Fernando de Aquino.

“De onde vai vir esse crescimento brilhante? É difícil retomar nessas condições, em que vários setores caíram a produção e vai continuar a ter uma demanda fraca. Eles dizem que querem que a economia volte a crescer. Eu acho que a prioridade deles não é essa. Eles sabem que se houvesse incentivo à demanda, investimento público, teria crescimento. Mas não querem. Para eles, não vale a pena crescer desse jeito. Só vale com o setor privado e o setor público saindo da jogada. Crescer para quem? Essa é a questão”, conclui o conselheiro do Cofecon.

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