A Bolívia que defende a vida, a democracia e a soberania

O candidato Luis Arce, do MAS, fala sobre as eleições presidenciais e a luta do povo boliviano para defender seus direitos e nação.

Luis Arce Catacora, ex-ministro da Economia e candidato do Movimento Ao Socialismo (MAS) à presidência da Bolívia l Foto:Ernesto Andrade-HP

Nesta entrevista exclusiva, o candidato à presidência da Bolívia pelo Movimento Ao Socialismo (MAS), Luis Arce Catacora afirma a importância da realização das eleições no próximo dia 6 de setembro. “Não só para a retomada da democracia e da soberania – ultrajadas pelos que tomaram de assalto o poder contra o presidente Evo Morales”, avalia Arce, “mas para tornar efetiva a luta pela vida contra o coronavírus, uma vez que o governo Áñez está marcado pela ineficiência, improvisação e completo desconhecimento da realidade boliviana”, “agravado pela corrupção e nepotismo no combate à pandemia”. O ex-ministro da Economia e Finanças Públicas reitera seu “compromisso com a industrialização e com um modelo econômico social comunitário produtivo que rompa com as velhas amarras do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do neoliberalismo, e volte a fazer o país crescer com redistribuição de renda”.

Ao promulgar a lei convocando as eleições para o dia 6 de setembro, Jeanine Áñez está lhe responsabilizando, e aos ex-presidentes Evo Morales e Carlos Mesa, por “exigirem com insistência” a realização do pleito em meio à pandemia. O que isso significa?

Em primeiro lugar, em sua decisão ela está reconhecendo o erro que cometeu inicialmente de não ter promulgado a lei, uma vez que o 6 de setembro não é uma imposição de ninguém. A data é fruto de um acordo de todos os partidos políticos que estiveram presentes com exceção, evidentemente, da agrupação Creemos, do senhor Luis Fernando Camacho [fascista de Santa Cruz]. Todos estavam de acordo, inclusive o Juntos, de Áñez.

Então, por um cálculo político, nada mais, ela tentou demonstrar que aquilo era uma farsa e que precisava defender a saúde. No final, disse que teve de ratificar o acordado. Faz parte da sua estratégia usar o governo como instrumento de sua campanha política, este é um primeiro elemento.

O segundo é que Áñez sabe, e todos os bolivianos sabemos, que ela é a única responsável pelo que está ocorrendo em nosso país, onde não temos respiradores para combater o coronavírus, não temos Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) suficientes para enfrentar a Covid-19, não há testes, não contamos com os equipamentos de biossegurança necessários para os hospitais, em que médicos, enfermeiros e o conjunto do pessoal da saúde está sem nada. Ela é única responsável por tudo isso, é o seu governo, que não fez o que deveria ter feito.

Sabendo que podem haver problemas sanitários ainda mais graves daqui pra frente, já está tratando de culpar os outros pelos erros cometidos ao longo de todo este tempo.

Estamos há cerca de 80 dias em quarentena e não foram comprados itens fundamentais, nem se resolveram problemas básicos. Por isso tenta responsabilizar os demais partidos que se encontram na disputa eleitoral, mas a única responsabilidade desta situação, todos sabemos, é deste governo.

Jeanine Añez, ex-senadora que se mantém de modo ilegal e indefinido à frente do governo boliviano.

Concretamente, o que tem sido feito pelo governo central contra o avanço da pandemia?

Na realidade, este tema da pandemia era usado por Áñez como propaganda eleitoral, como campanha para chantagear e submeter as pessoas, para violar direitos humanos, para fazer perseguição política a jornalistas e a militantes do Movimento Ao Socialismo (MAS), a quem culpava por qualquer coisa que ocorresse, por todos os erros que cometesse.

Esses atropelos têm sido constantes ao longo de pandemia. Assim, quando viu que o tema do coronavírus estava fugindo do seu controle, porque estamos entrando numa etapa muito crítica, lançou um decreto que delega aos governos dos estados e municípios a responsabilidade pela luta contra a pandemia. Isso é um completo absurdo, porque não foram repassados os recursos para isso. Então, evidentemente, qualquer enfrentamento vai ficar extremamente restrito, porque não foram dadas as verbas, as mínimas condições.

“Os atropelos têm sido constantes ao longo da pandemia, usada por Áñez como propaganda eleitoral, como campanha para chantagear e submeter as pessoas, para violar direitos humanos, para fazer perseguição política a jornalistas e a militantes do MAS”

Para sermos vitoriosos, acredito que esta ação contra a pandemia precisará ser feita conjuntamente, algo que deveria ter sido feito desde o primeiro momento e não foi. Por isso há um completo descontrole. Estamos lutando por vidas, correndo atrás do prejuízo.

Há falta de respiradores.

O que tocou ao governo Áñez, lamentavelmente, foi a compra de respiradores, se envolvendo em várias denúncias de corrupção. A compra ocorreu no mês de maio, quando desde março já havíamos tido os primeiros casos de covid-19.  [O ex-ministro da Saúde, Marcelo Narvajas, responsável pela compra de 170 respiradores superfaturados de US$ 7 mil por mais de US$ 27 mil, causando um prejuízo de mais de US$ 3 milhões aos cofres públicos, encontra-se em regime de prisão domiciliar]. 

Até agora não cumpriu nenhuma das promessas feitas para os governadores e prefeitos, para o povo boliviano. São pessoas que esperavam poder contar com medicamentos, respiradores e equipamentos necessários para enfrentar a pandemia.

O pouco que foi feito, repito, fez mal, com atos de corrupção e nepotismo. Agora quer culpar as demais administrações pelo fracasso da sequência de más ações adotadas por este governo, que deixaram a pandemia tomar seu caminho normal, de ascenso de casos de contágio, como tem ocorrido em tantos países.

Diante da limitação, real, para a realização de uma campanha eleitoral tradicional, como conjugar a defesa da vida e da democracia? Como será o contato com as pessoas?

Na realidade, acredito que os bolivianos estão apostando na recuperação da democracia no próximo 6 de setembro. Em novembro do ano passado a democracia nos foi assaltada e, até hoje, não pudemos eleger livremente, democraticamente, um governo legítimo para enfrentarmos todos estes problemas que estamos vivendo.

A única coisa que temos é um governo que utiliza a pandemia para fins eleitorais, com cálculos políticos, e não como uma gestão para resolver os problemas. Acredito que as pessoas estão avaliando que a continuidade deste governo agravará ainda mais o já difícil quadro da pandemia. Porque até agora já demonstrou sua ineficiência, sua improvisação e completo desconhecimento da realidade boliviana. Por isto está fracassando em cada um dos passos dados em relação ao coronavírus.

As pessoas estão dizendo: não temos democracia, não temos economia, não temos emprego, não temos futuro e, com este governo, também não teremos solução nenhuma para a Covid-19.

Há uma compreensão de que com o retorno da democracia aceleraremos o processo, abriremos caminho para resolver o problema da economia e da pandemia, que vêm se agravando cada vez mais.

E, diante deste quadro, como dialogar com a população no processo eleitoral?

Isto vai requerer que sejamos bastante imaginativos e proativos, com uma campanha em que teremos de respeitar o distanciamento físico, necessário para preservar a saúde dos eleitores e dos militantes.

Teremos de fazer a campanha de tal maneira que estejamos à altura do desafio de respeitar o aspecto sanitário e informar a população das nossas propostas, de nossos projetos para fazer o país avançar. Porque, infelizmente, a crise tem se agravado e a pobreza aumentado por conta da quarentena e das políticas econômicas e sociais adotadas por este governo.

Acredito que teremos de usar a imaginação, sermos criativos. Aceitamos este desafio com o compromisso de defender a vida dos votantes e dos militantes, da democracia e da soberania.

E como evitar que o governo continue cometendo atropelos e abusos?

É fundamental a presença da imprensa internacional e também solicitamos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que possa trazer observadores para que nos acompanhem não só no dia da eleição, mas ao longo do processo. Este TSE não nos garante, de forma nenhuma, uma eleição transparente e justa. Evidentemente é uma questão complicada, já que os componentes deste tribunal foram nomeados pelo atual governo, isso é importante que seja mencionado.

A presença de observadores e jornalistas internacionais poderá dar um matiz diferente, de transparência, demonstrando que existem outros olhos, uma vez que a grande maioria da mídia do nosso país está comprometida com o silêncio cúmplice. A verdade é que existem muito poucos jornalistas e meios de comunicação realmente comprometidos com o seu dever de informar e que trabalham para investigar e tornar públicas as informações.

O descoberto até agora tem vindo à tona graças às redes sociais, como os casos de corrupção, nepotismo e uso indevido de bens do Estado. Isso é fruto do trabalho de redes sociais e de alguns jornalistas que vêm exercendo efetivamente sua profissão, porque a grande maioria está em outra sintonia. Diante disso a presença de jornalistas internacionais terá um valor incalculável para a garantia não só da livre expressão, como da própria transparência do processo eleitoral.

Diante das imensas riquezas estratégicas que seu país dispõe, como devem ser utilizadas para o desenvolvimento nacional?

O Movimento Ao Socialismo é o único partido que está propondo a recuperação dos recursos naturais e a preservação de tudo isso que está garantido na Constituição para os bolivianos. Porque está claro que o que este governo quer é disponibilizar estes recursos naturais para as transnacionais. Por isso sua aproximação com o Fundo Monetário Internacional (FMI) buscando um financiamento de cerca de 320 milhões de dólares com condicionantes bastante adversas para o nosso país, contra a nossa soberania econômica.

Está claro que o objetivo deles é a volta do velho modelo neoliberal que alienou nossos recursos naturais, que pôs à disposição das empresas transnacionais nossos recursos naturais e aplicou um modelo de economia de mercado que só provocou ajustes de arrocho à população durante 20 anos. Eu acredito que no próximo 6 de setembro estaremos escolhendo entre o futuro ou voltar ao passado neoliberal. Felizmente muitos estão conscientes que isto não deve ocorrer no país e a nova opção é continuar com o desenvolvimento econômico defendido pelo MAS, é a retomada do nosso modelo econômico social comunitário e produtivo.

Luis Arce com o ex-presidente Evo Morales,

O fortalecimento do mercado interno seguirá sendo sua prioridade?

Nosso modelo tem como base a industrialização, com substituição de importações, tem como base nossas matérias-primas, que são nossos recursos naturais, e o processo redistributivo de renda, que foi exitoso. Vamos retomar tudo o que foi vitorioso nos 14 anos do presidente Evo e vamos aprofundar esse modelo, pois assumiremos o país num momento em que a situação estará muito mais complicada, de recessão mundial. E nós vamos incrementar a produção boliviana. Nosso modelo está perfeitamente desenhado para enfrentar e superar este desafio.

Fortalecendo a indústria nacional.

Teremos a industrialização do lítio, em que iremos produzir as baterias. O lítio vai se converter em um dos minerais mais valorizados a nível internacional e possuímos, neste momento, a maior reserva mundial. Investiremos na produção do ferro, com a siderúrgica de Mutún, na fronteira com o Brasil, para industrializá-lo até convertê-lo em aço plano. Teremos a exportação e produção de energia elétrica, por meio das hidrelétricas, desenhadas para exportar ao Brasil, ao Peru e aos países vizinhos. Este é outro projeto que queremos continuar. E temos projetos agropecuários, especialmente os que vão gerar uma indústria de substituição de combustíveis. Vamos produzir biocombustíveis renováveis, para substituir o diesel. São esses os projetos mais importantes que quero assinalar e que pensamos alcançar nos próximos anos. Tudo isto será resultado da iniciativa estatal e os frutos destes recursos serão compartilhados com os bolivianos.

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