Sobre o bolsonarismo: “Cidadão não, melhor do que você”

O bolsonarismo é muito maior que Bolsonaro. O problema não é só o indivíduo. Não é nem só o genocida projeto de poder que o indivíduo representa.

“Cidadão não, engenheiro civil, formado, melhor do que você”, diz a mulher, com soberba, sobre seu marido – ambos sem máscara. A frase é direcionada a um fiscal da vigilância sanitária, que os aborda na tentativa de garantir o respeito aos protocolos de segurança. Mais de 60 mil brasileiros já morreram por covid-19.

A mulher não vê a si mesma e a seu companheiro como cidadãos. Acredita que pertencem a uma casta superior, sobre a qual recaem os direitos (muito particulares), jamais os deveres. A casta dos com diploma, dos engenheiros.

O fiscal agredido também possui diploma. Tem até doutorado. Mas é funcionário público. E, para a mulher, o Estado deve servir à sua casta superior. O salário do fiscal, afinal, sai do seu bolso, argumenta a esposa do engenheiro-formado.

Ela ignora que também sai do bolso da garçonete dos bares lotados do Leblon. A garçonete que está ali não porque se sente entediada em casa ou porque nega a ciência. Mas porque precisa sustentar a família. A garçonete, inclusive, pode até ter diploma também. Com a economia no buraco, cada um se vira como pode.

A questão não se resume à arrogância e ao autoritarismo do engenheiro-formado e de sua companheira. Não são os indivíduos. É esta forma de pensar, que vai se espalhando. Não começa em Bolsonaro, diria até que o pariu. E também não se encerra no presidente, embora seja fermentada por ele.

É o que permite a existência de uma “ativista” de extrema-direita, que ameaça publicamente um juiz do STF. Mas é também o pano de fundo que embala os cidadãos anônimos – porque, sim, é o que a esposa do engenheiro é de fato – que adotam ou normalizam posturas violentas, autoritárias e revisionistas.

Caso do senhor que decide arrancar as cruzes de uma manifestação em memórias às vítimas da pandemia. Ou o instituto de pesquisa que acha normal perguntar se os entrevistados consideram que o regime militar foi uma ditadura, como se fosse uma questão de opinião e não de história.

O problema não é só Bolsonaro. É uma forma de pensar e agir no mundo. E isso é algo muito mais complexo de se combater.

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