Como a encíclica do Papa Francisco pode repercutir na eleição dos EUA

O papa entrou direto em algumas das principais questões que dominam a eleição nos EUA.

Foto: Vatican News

Biden e Trump buscam o voto católico. Será que a advertência do papa contra o populismo e o nacionalismo terá alguma influência?

Os católicos são uma parte importante dos eleitores nos EUA; por isso não é de admirar que tenham sido especificamente cortejados por Joe Biden e Donald Trump durante a campanha.

Quatro anos atrás, de acordo com o Pew Research Center, 52% dos católicos votaram em Trump, e 44% em Hillary Clinton.

Com o próprio Biden sendo católico, pode-se esperar que um número substancial dos dezenas de milhões de cidadãos católicos que votam considere a possibilidade de mudar de lado e votar num de seus próprios, como Biden.

Mas agora esse voto católico ficou muito mais interessante. Neste fim de semana, o Papa Francisco foi para Assis para homenagear São Francisco, o santo que ele mais admira, por sua dedicação aos pobres, e lá assinar sua nova encíclica, “Fratelli tutti” (“Todos irmãos”) . As encíclicas são os principais documentos de ensino dos papas, nos quais frequentemente focalizam questões globais, e não apenas as preocupações internas da igreja.

Em 2015, Francisco foi autor de “Laudato Si” (“Louvado seja”), sobre o meio ambiente, onde colocou todo o seu peso moral para apoiar aqueles que defendem a necessidade de agir contra a degradação ambiental.

Desta vez, seu novo documento, “Fratelli Tutti”, publicado no domingo (4), descreve um mundo pós-pandemia e a necessidade de maior fraternidade e solidariedade. Sua mensagem significa que o papa entrou direto em algumas das principais questões que dominam a eleição nos EUA.

No documento deste fim de semana, deixa claro que populismo e nacionalismo – do tipo dos quais Trump é exemplo – são prejudiciais, e alerta que “um conceito de unidade popular e nacional influenciado por várias ideologias está criando novas formas de egoísmo e uma perda do sentido social, a pretexto de defender os interesses nacionais”.

Com os católicos constituindo uma proporção tão grande dos eleitores (cerca de 20%) nos EUA, os ativistas democratas e republicanos estão ansiosos para conquistá-los. O campo de Trump enfatiza o aborto e questões de liberdade religiosa, enquanto Biden sempre falou sobre a maneira como sua própria fé católica o ajudou em tempos sombrios. “O próximo republicano que me disser que não sou religioso, vou enfiar meu rosário em sua garganta”, disse certa vez ao jornal “Cincinnati Enquirer”. Sua equipe enfatiza o ensino católico que se concentra nos pobres e vulneráveis.

Assim, os democratas podem muito bem se alegrar com a advertência do papa em “Fratelli Tutti “, de que a falta de preocupação com os pobres e vulneráveis ​​”pode ​​se esconder atrás de um populismo que os explora demagogicamente para seus próprios fins [do populismo demagógico], ou um liberalismo que serve aos interesses econômicos dos poderosos” , lembrando que em ambos os casos “torna-se difícil imaginar um mundo aberto, com lugar para todos, incluindo os mais vulneráveis, e que respeite as diferentes culturas”.

Também está claro que Francisco viu através do neoliberalismo e seus alegados benefícios que só serviram para criar uma classe de super ricos e deixou para trás as pessoas mais necessitadas – como pessoas com deficiência e, de fato, aqueles que precisam da educação e saúde fornecidas pelo Estado. “Se uma sociedade se rege fundamentalmente pelos critérios de liberdade e eficiência de mercado, não há lugar para essas pessoas, e a fraternidade continuará sendo apenas mais um ideal vago”, alerta.

Para Francisco, a fraternidade é muito mais que um ideal, mas uma necessidade para que o mundo se torne um lugar melhor. Mas, embora seu idealismo irrite os seguidores de Trump, também pode deixar os democratas da esquerda desconfortáveis. Não há a defesa aqui de grandes narrativas de governo e de estado de bem-estar; ao contrário, ele se concentra no local, e no pequeno. E no centro de seus ensinamentos neste documento e em todos os pronunciamentos papais nos últimos sete anos está uma forte postura sobre o direito à vida, que o leva desde a rejeição total da pena de morte até o veto ao aborto.

“Fratelli Tutti” causará uma leitura incômoda para Trump e seus defensores, incluindo o proeminente procurador-geral católico William Barr, que reintroduziu execuções federais [a pena de morte] pela primeira vez desde 2003. No entanto, também será complicado para Biden e os eleitores democratas católicos, que defendem o aborto. Nesse sentido, “Fratelli Tutti” não pode ser classificado como um “imprimatur” papal por atacado a Biden. Mas para os católicos que ainda pensam em votar em Trump, isso deve inspirá-los a questionar o que o Papa Francisco diria que é a coisa mais preciosa que têm: sua consciência. Este toque de clarim do outro lado do Atlântico pode muito bem ser um argumento decisivo nas eleições nos EUA.

Fonte: The Guardian

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