É improvável que a Suprema Corte dos EUA decida o destino das eleições

O único caso de prazos para contagem de votos que poderia ser levado à Suprema Corte no momento é o da Pensilvânia.

O Burro, símbolo dos democratas e o Elefante, símbolo dos republicanos, os partidos do establishment dos EUA que se revezam no poder há mais de 150 anos

A intenção do presidente Donald Trump de que a Suprema Corte garanta sua reeleição enfrenta sérios obstáculos – tanto jurídicos quanto práticos – que podem acabar deixando-o de mãos vazias.

“Nós vamos à Suprema Corte”, afirmou Trump na quarta-feira de manhã, durante um discurso para apoiadores na Casa Branca. “Queremos que toda a votação pare. Não queremos que eles encontrem votos às 4 da manhã e os adicionem à lista, tá bem? Nós vamos vencer e, no que me diz respeito, nós já vencemos”, acrescentou.

Especialistas jurídicos de ambos os partidos relataram que ficaram um tanto quanto perplexos com as observações de Trump sobre pedir à corte superior para parar a votação. Ainda que interpretemos a afirmação como significando suspender a contagem de votos ela é confusa, pois, em qualquer cenário, a contagem certamente continuará por vários dias depois da eleição.

A um pedido para analisar o comentário de Trump, o advogado eleitoral de longa data do Partido Republicano, Jan Baran, respondeu: “Eu não tenho ideia. E acho que ele também não tem”.

Na tarde desta quarta-feira, ainda havia um caminho para a vitória do presidente, mas tinha se estreitado significativamente após o candidato democrata, Joe Biden, abocanhar o Arizona e ampliar seus ganhos em Michigan e Wisconsin.

Agentes da campanha de Trump não tiveram muito a dizer sobre a Suprema Corte, embora tenham anunciado planos de pedir recontagem em Wisconsin, onde Trump estava cerca de 20 mil votos atrás de Biden.

Baran insinuou que trata-se de um tiro no escuro, levando em conta o histórico existente. O advogado disse desconhecer qualquer disputa estadual em que o resultado de uma recontagem se aproximou dessa quantidade de votos.

“Há mecanismos legais, mas é preciso ter certas provas e certos fatos, bem como argumentos jurídicos. 20 mil votos? Quem sabe o que pode surgir debaixo do tapete ou atrás do sofá? É possível.”

O único caso de prazos para contagem de votos que poderia ser levado à Suprema Corte no momento é o da Pensilvânia, onde democratas e republicanos travaram uma batalha sobre a extensão do prazo para aceitar votos pelo correio postados antes ou no próprio dia da eleição, para até três dias após a eleição.

De fato, na noite desta quarta, a campanha de Trump pediu formalmente para intervir em pedidos sobre este assunto que estão pendentes junto à Suprema Corte.

“Dados os resultados de ontem à noite, há considerável possibilidade de a votação na Pensilvânia determinar quem será o próximo presidente dos Estados Unidos. Assim, esta Corte, e não a Suprema Corte da Pensilvânia, deve ter a palavra final em questões legais relevantes e conclusivas”, diz a petição redigida pela campanha.

A corte deu até 17h desta quinta para que as partes em ambos os lados respondam. A manifestação da campanha parece ser a precursora de um pedido de Trump à corte superior por uma medida cautelar na Pensilvânia, como, por exemplo, suspensão da contagem de votos, mas, até o momento, nenhum pedido do tipo chegou aos juízes.

Mas, ainda que Trump de alguma maneira tivesse sucesso em impedir o estado de concluir a contagem dos votos, os 20 delegados da Pensilvânia não seriam suficientes para colocá-lo acima dos 270 votos necessários no colégio eleitoral.

Assim, para manter o emprego, o presidente precisaria encontrar uma forma de ampliar a batalha jurídica incluindo, pelo menos, mais um estado.

A maioria dos outros estados que foram palco recente de disputas na corte superior parecem já estar nas fileiras de Trump (a Carolina do Norte, por exemplo). Enquanto Trump pode se beneficiar de uma recontagem em Wisconsin, os democratas perderam uma batalha legal relacionada a votos retardatários lá, portanto, não está muito claro qual nova contestação poderia ser feita para parar a contagem de votos, ou de que forma o caso poderia chegar à Suprema Corte.

Outro obstáculo jurídico para Trump, talvez intransponível, é que, mesmo que a Suprema Corte determine a inconstitucionalidade de uma mudança como a contagem na Pensilvânia três dias após a eleição, há sinais de que a maioria dos juízes pode determinar que os votos sejam computados mesmo assim.

“Eu não gostaria de especular sobre qual será a decisão da Corte, mas o argumento de que os eleitores confiaram nas regras que estavam em vigor antes do dia da eleição e, portanto, devem ter seus votos contados, é muito forte”, afirma Dan Tokaji, reitor da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin.

O melhor indicativo da difícil batalha diante de Trump pode estar na abordagem da Suprema Corte, no início do mês passado, em uma disputa judicial sobre a determinação de uma corte federal contrária à exigência da Carolina do Sul para que votos de eleitores ausentes tivessem a assinatura de uma testemunha. Os republicanos venceram, já que a corte superior restabeleceu a exigência.

No entanto, a decisão da Suprema Corte veio com uma ressalva, aparentemente sem importância, de que os eleitores que já haviam enviado seus votos sem a assinatura da testemunha não teriam essa ausência usada contra eles. Os juízes até acrescentaram (aparentemente, sem serem provocados) um período de tolerância de dois dias a partir da data da decisão para que os votos sem assinatura de testemunhas fossem enviados aos agentes eleitorais.

Na decisão, de 5 de outubro, três ministros indicados pelo partido republicano registraram sua objeção a este acréscimo: Clarence Thomas, Samuel Alito e Neil Gorsuch. Aparentemente, os outros cinco juízes (três liberais, o presidente da Corte John Roberts e Brett Kavanaugh) formaram maioria para proporcionar um abrigo seguro para eleitores que descumpriram a exigência de testemunha acreditando de boa-fé de que a regra havia sido dispensada nesta eleição.

A Suprema Corte não explicou o raciocínio para concessão do período de tolerância no caso da Carolina do Sul, ou para não tornar retroativa a decisão garantindo a exigência de testemunha, mas advogados afirmam que a explicação mais provável é o conceito de “interesses de confiança” – a ideia de que os eleitores não podem ser penalizados por fazer o que acreditavam ser permitido.

Se a corte estender este princípio ao caso da Pensilvânia, isso significaria que votos que chegaram mais tarde teriam de ser reconhecidos, porque os eleitores podem tê-los postado no dia da eleição acreditando que seriam computados se recebidos nos dias que se seguiram.

“A posição jurídica neste caso vai contra a possibilidade de a Suprema Corte invalidar esses votos. E isso porque a corte teve duas oportunidades de impedir que os eleitores pensassem que os votos que chegassem pelo correio até 6 de novembro eram válidos, mas não o fez”, disse o professor de Direito Richard Pildes, da Universidade de Nova York.

Recém-empossada, a juíza Amy Coney Barrett não estava no tribunal ainda quando os juízes decidiram a disputa da Carolina do Sul no mês passado. Mas, se o padrão estabelecido no caso se mantiver, não importaria se Barrett se alinhasse com o bloco mais conservador da corte ou com o presidente e Kavanaugh. De qualquer forma, Trump não teria a maioria necessária para descartar votos retardatários.

Claro, um grande “se” neste cenário é a presunção de que a corte seguiria a decisão proferida no caso da Carolina do Sul. Roberts, Kavanaugh, ou, com menor probabilidade, um dos juízes liberais, poderia recuar ou encontrar alguma diferença relevante, particularmente se o resultado da eleição parecer depender de uma decisão da corte superior.

Um outro grande “se” é se a decisão de acolher ou descartar votos tardios fará diferença para Trump no Keystone State (em uma tradução livre, Estado da Pedra Angular, nome dado à Pensilvânia devido à importância estratégica, econômica e política do estado nos anos iniciais da república estadunidense)*.

Alguns especialistas jurídicos colocam isso em dúvida, especialmente levando em conta toda a atenção concedida, nas últimas semanas, ao tema dos atrasos postais e à necessidade de os votos chegarem a tempo.

“Minha expectativa é que a quantidade desses votos seja pequena, muito menor do que algumas pessoas pensam. Devido ao fato de a Pensilvânia estar na mira das duas campanhas desde o começo, os eleitores não só estavam bastante mobilizados, como votaram cedo, seja pessoalmente ou a distância”, afirma Richard Pildes.

Com a colaboração de Anita Kumar

*Nota da tradutora

Fonte: Politico/Tradução: Mariana Branco

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