O risco de um golpe de Trump
Donald Trump e aliados insistem em fraude nas eleições e menosprezam as instituições eleitorais americanas e a democracia
Publicado 24/11/2020 17:28
Os votos foram contados. A eleição acabou. Joe Biden ganhou. Certo?
De acordo com a lei, os estados irão certificar seus resultados e levar seus representantes ao Colégio Eleitoral até o dia 8 de dezembro. De acordo com a lei, o Colégio Eleitoral se reunirá em 14 de dezembro e votará em seus estados – 306 para Biden e 232 para Trump. De acordo com a lei, o Congresso se reunirá no dia 6 de janeiro para aprovar os resultados do Colégio Eleitoral, finalizando o processo eleitoral de 2020. De acordo com a lei, é isso. Em 20 de janeiro de 2021, os EUA terão um novo presidente.
É o que diz a lei.
Mas o governo que ainda ocupa a Casa Branca provou repetidamente nos últimos quatro anos que não se importa com a lei. O presidente que sofreu processo de impeachment e seu círculo de direitistas corruptos, supremacistas brancos e cavaleiros de casaca estão tentando um último esforço para derrubar os votos do povo e ilegalmente manter o poder.
Como suas alegações de fraude sem evidências não conseguiram impressionar os juízes, a campanha de Trump e o Partido Republicano está deixando para trás a fachada de tentar “provar” que Biden e os democratas roubaram a eleição. Em vez disso, o governo do Partido Republicano se move para sabotar todo o processo de certificação eleitoral e em busca em um passe de mágica enviar listas de eleitores indiretos concorrentes ao Colégio Eleitoral para roubar a vitória obtida por Joe Biden.
Dado o show doloroso apresentado pelos advogados Rudy Giuliani, Sidney Powell e o resto da “equipe de força de ataque de elite” de Trump na coletiva de imprensa na quinta-feira (19), pode-se dizer que tudo isso seria uma piada, que essas pessoas não podem ser levadas a sério.
Está ficando cada vez mais claro, contudo, que pessoas muito sérias estão direcionando a estratégia para fora da tela. Steve Bannon, o supremacista branco e arquiteto das políticas nacionalistas e xenófobas de Trump expressas pelo lema “America First” (América em primeiro lugar), parece ser quem traça o plano de batalha do presidente. E por trás de Bannon há muito tempo está o dinheiro dos interesses capitalistas que nunca se preocuparam muito com a democracia, especialmente se ela atrapalhar os lucros.
Poucas horas após o término da eleição, em 5 de novembro, Bannon deixou claro o contorno da abordagem que agora se vê concretizar: “A sorte favorece a ousadia… Expulse para as legislaturas estaduais, expulse para a Câmara dos Representantes… Nós vencemos lá.”
Esses golpistas estão dizendo com ousadia exatamente o que tentam fazer. Os movimentos populares e todos os políticos com qualquer resquício de sensibilidade democrática fariam bem em acreditar na sua palavra, porque se não nos levantarmos para bloqueá-los, podemos acabar olhando para estas semanas cruciais como o tempo em que a democracia morreu nos EUA.
Rudy Giuliani, na sede do Partido Republicano, na quinta-feira (19), foi franco ao discutir o esquema racista que a campanha de Trump espera implantar em Michigan. “Isso muda os resultados da eleição… se você tirar o condado de Wayne.” Impeça que esses votos sejam certificados, e a eleição pode ser declarada um fracasso, e – bingo! – a legislatura estadual do Partido Republicano nomeia seus próprios representantes no Colégio Eleitoral. O que Rudy quis dizer, como a deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez traduziu para nós, foi: “Podemos minar a eleição privando os cidadãos negros de seus direitos civis.”
Sidney Powell, a auxiliar de Giuliani no pódio, aventurou-se ainda mais fundo no reino do absurdo, ligando as velhas posições fascistas, anti-comunismas e anti-semitas, em uma tentativa de pintar Trump como vítima. Ela contou uma história de “dinheiro comunista” da China e do falecido presidente venezuelano Hugo Chávez financiando o sistema de computador que teria roubado os votos de Trump, com a ajuda do financista George Soros. Em sua mentira, Powell disse que os votos de Trump foram inseridos em algum servidor alemão, que os transmitiu de volta aos EUA e foram contados como votos para Biden.
A coletiva de imprensa seria ridícula se não fosse tão perigosa. Mais tarde, naquela noite, falando com Lou Dobbs na Fox Business, Powell foi mais direta ao descrever o que estão tramando: “A eleição inteira, francamente, em todos os estados indecisos, deve ser anulada e os legislativos devem certificar-se de que os eleitores (indiretos) sejam selecionados para indicar Trump.” Sua justificativa para fazer isso se transformou em tagarelice incoerente: “Vai ter que seguir as disposições constitucionais que vai… ser decidido… de acordo com a emenda… é só… sim.”
Podem dar uma desculpa desajeitada, indisciplinada e lamentável para uma cabala fascista, mas as forças agrupadas em torno do presidente que está deixando o cargo são desvinculadas de qualquer aspecto normal de legalidade, respeitabilidade ou comportamento adequado que geralmente mantém os políticos burgueses dentro de certos limites. E isso significa que os votos de quase 80 milhões de cidadãos que decidiram virar a página do governo de Trump estão ameaçados – os especialistas do tribunal dizem que essas ameaças não podem ser ignoradas ou rejeitadas.
O presidente, ausente da vista do público por dias, também está abusando das alavancas do poder que ainda tem para derrubar o voto, em desrespeito à lei nesse processo. De acordo com o ex-funcionário eleitoral do Partido Republicano de Michigan, Jeff Timmer, os membros dos Conselhos de Coletores do estado – os órgãos encarregados de certificar os resultados – estão recebendo ligações diretas do próprio Trump. O presidente também convidou legisladores de Michigan à Casa Branca para uma reunião na sexta-feira (20) para pressioná-los a seguir o esquema que tenta implantar.
É óbvio que crimes estão sendo cometidos na tentativa de roubar esta eleição. Já houve o episódio do senador Lindsey Graham, insistindo com o Secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, para jogar fora as cédulas de correio. Os coletores republicanos em Wayne County ainda estão tentando rescindir a certificação de votos afro-americanos em Detroit. Acrescente tudo o que Trump, Giuliani, Powell e Bannon estão fazendo, e há evidências mais do que suficientes para que Trump seja acusado de novo.
O Partido Republicano em geral endossa e participa de tudo isso. Seus canais de mídia oficiais ecoam as mentiras dos conspiradores de Trump. Ao contrário das pessoas que representam Trump na TV, o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, não é um idiota trapalhão. Ele poderia acabar com isso agora mesmo se manifestando e pressionando os 47 senadores republicanos a fazerem o mesmo. Mas ele não diz nada e, em vez disso, aproveita a situação para arrecadar dinheiro para as disputas de segundo turno para o Senado na Geórgia. Ele mostra que está perfeitamente disposto a pular na cama com os fascistas que rodeiam Trump.
O senador Mitt Romney, de Utah, é uma das vozes solitárias do Partido Republicano que desafia o golpe em andamento, dizendo que é “difícil imaginar uma ação pior e mais antidemocrática” do que a ação de Trump em relação aos legisladores estaduais. Mas, em geral, o Partido Republicano já ganhou a condenação da história.
A deputada democrata Pramila Jayapal é a voz mais clara, em Washington. que fala sobre o que está acontecendo. “Este é o caminho para o fascismo”, declarou na quinta-feira (19). “Fique com seu país. Condene Trump por tentar derrubar a democracia”.
Jayapal está certa. Muitos podem ter pensado que a luta para proteger os resultados e defender a votação terminou quando Biden foi declarado vencedor em 7 de novembro. Como se pode ver agora, o perigo de uma eleição subvertida cresce a cada momento.
É uma hipótese remota, mas Trump ainda pode anular a votação se ninguém o impedir. Se o fizer, isso significará a morte da democracia neste país. Mobilize-se agora.
Fonte: “People’s World”; tradução: José Carlos Ruy
(*) Conselho Editorial da People’s World: Editor-chefe John Wojcik, Editor Executivo C.J. Atkins, editor de mídia social Chauncey K. Robinson, editora sênior Roberta Wood, editor sênior Joe Sims, editor de texto Eric A. Gordon, chefe da redação em Washington Mark Gruenberg.