Copom eleva juros básicos da economia no pior momento

Taxa Selic passou de 2% para 2,75% ao ano e surpreendeu analistas pela aceleração. Lideranças criticam “cloroquina da inflação” que vai gerar ainda mais recessão e fome.

Comitê do Banco Central que decide a taxa básica de juros

Em meio ao aumento da inflação de alimentos que começa a estender-se por outros setores, o Banco Central (BC) subiu os juros básicos da economia pela primeira vez em quase seis anos. Por unanimidade, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa Selic de 2% para 2,75% ao ano. A decisão surpreendeu os analistas financeiros, que esperavam uma elevação para 2,5% ao ano.

O Copom alega insegurança na manutenção da meta de inflação, devido à aceleração dos preços dos alimentos e combustíveis, entre outros. No entanto, a demanda por consumo desses produtos não aumentou. Os motivos de aumentos de combustíveis estão relacionados com a mudança na política de preços da Petrobras, assim como o estímulo às exportações de alimentos em detrimento do mercado interno pressiona os preços nos supermercados.

Lideranças de esquerda e economistas independentes consideram que essa medida deve aumentar ainda mais a recessão e a dificuldade de acesso a bens de consumo. Ciro Gomes chega a citar artigo que compara a Selic à cloroquina, por não exercer efeito nenhum sobre o controle da inflação, mas efeitos colaterais perigosos. No fim das contas, a alta de juros apenas beneficia rentistas e aumenta o serviço das dívidas públicas e privadas.

Em entrevista à Rede Brasil Atual, o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), avalia que o aumento da taxa não só não vai ter impacto na trajetória da inflação, como vai deteriorar o quadro fiscal, já que a correção da Selic vai impactar diretamente no custo do financiamento da dívida pública. Para ele, é a pior hora para fazer isso.

Além disso, ele acredita que as empresas também devem sofrer com o encarecimento do crédito. Com empréstimos mais caros, manter ou ampliar os negócios fica ainda mais complicado, com impactos inclusive para o emprego. Do mesmo modo, as famílias também devem sofrer, pois pagarão mais em caso de endividamento.

Com a decisão de hoje (17), a Selic subiu pela primeira vez desde julho de 2015, quando tinha sido elevada de 13,75% para 14,25% ao ano. A taxa permaneceu nesse nível até outubro de 2016, quanto o Copom voltou a reduzir os juros básicos da economia até que a taxa chegasse a 6,5% ao ano em março de 2018. Em julho de 2019, a Selic voltou a ser reduzida até alcançar 2% ao ano em agosto de 2020, influenciada pela contração econômica gerada pela pandemia de covid-19. Esse foi o menor nível da série histórica iniciada em 1986.

Inflação

A Selic é considerada pelo mercado financeiro o principal instrumento do Banco Central para manter sob controle a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Em fevereiro, o indicador fechou em 5,2% no acumulado de 12 meses, pressionada pelo dólar e pela alta nos preços de alimentos e de combustíveis.

O valor está próximo do teto da meta de inflação. Para 2021, o Conselho Monetário Nacional (CMN) tinha fixado meta de inflação de 3,75%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual. O IPCA, portanto, não podia superar 5,25% neste ano nem ficar abaixo de 2,25%.

No Relatório de Inflação divulgado no fim de dezembro pelo Banco Central, a autoridade monetária estimava que, em 2021, o IPCA fecharia o ano em 3,4% no cenário base. Esse cenário considera uma eventual alta da inflação no primeiro semestre, seguida de queda no segundo semestre.

A projeção não está mais em linha com as previsões do mercado. De acordo com o boletim Focus, pesquisa semanal com instituições financeiras divulgada pelo BC, a inflação oficial deverá fechar o ano em 4,6%. No fim de março, o Banco Central atualizará a projeção oficial no próximo Relatório de Inflação

Crédito mais caro

A elevação da taxa Selic ajudaria a controlar a inflação, porque juros maiores encarecem o crédito e desestimulam a produção e o consumo. Por outro lado, taxas mais altas dificultam a recuperação da economia. No último Relatório de Inflação, o Banco Central projetava crescimento de 3,8% para a economia em 2021. A projeção pode ser revisada nos próximos relatórios, que saem no fim de cada trimestre.

O mercado projeta crescimento menor. Segundo a última edição do boletim Focus, os analistas econômicos preveem contração de 3,23% do Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produzidos pelo país) neste ano.

A taxa básica de juros é usada nas negociações de títulos públicos no Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic) e serve de referência para as demais taxas de juros da economia. Ao reajustá-la para cima, o Banco Central segura o excesso de demanda que pressiona os preços, porque juros mais altos encarecem o crédito e estimulam a poupança.

Ao reduzir os juros básicos, o Copom barateia o crédito e incentiva a produção e o consumo, mas enfraquece o controle da inflação. Para cortar a Selic, a autoridade monetária precisa estar segura de que os preços estão sob controle e não correm risco de subir.

Em comunicado, o Banco Central informou que o reajuste da Selic reduz a probabilidade de não cumprimento da meta de inflação deste ano e ajuda a manter as expectativas para horizontes mais longos. Segundo o Copom, a estratégia é compatível com o cumprimento da meta em 2022, mesmo em um cenário de aumento temporário do isolamento social.

O BC adiantou que pretende elevar os juros em mais 0,75 ponto percentual na próxima reunião do Copom, em 4 e 5 de maio. “Para a próxima reunião, a menos de uma mudança significativa nas projeções de inflação ou no balanço de riscos, o Comitê antevê a continuação do processo de normalização parcial do estímulo monetário com outro ajuste da mesma magnitude”, ressaltou o texto.

Confira a repercussão:

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