Religiosos criticam autorização judicial para cultos e missas

Cerimônia realizada pelo pastor Valdomiro Santiago registrou descumprimento dos protocolos de segurança contra a covid-19

Templo evangélico no Brás considera estar seguindo todas as medidas sanitárias, apesar de reunir centenas de pessoas nos cultos. Imagem de reprodução de transmissão de culto pelo Youtube.

A decisão do ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, que autorizou realização de cultos e missas, em decisão liminar no sábado, é mais um capítulo do caos que comanda a gestão nacional da pandemia. O ministro novato indicado por Bolsonaro gerou celebração de algumas organizações evangélicas, aglomerações em eventos religiosos de páscoa em plena pandemia, mas também reações negativas de setores religiosos que entendem a gravidade da livre circulação do vírus, com cerca de três mil mortos diários.

A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), autora da ação contra as restrições a celebrações na pandemia, voltou a dizer que as atividades religiosas são ‘essenciais’.

Após o parecer favorável, a entidade observou que a decisão não implica na abertura automática e irrestrita das igrejas. Nos termos autorizados, devem ser adotados protocolos sanitários, limitando a presença de fieis a 25% da capacidade do público, por exemplo.

Para a associação, no entanto, é importante reconhecer que as medidas restritivas devem ficar a cargo das lideranças religiosas e não do Poder Público.

Segundo especialistas, a gestão caótica da pandemia, com sinais distintos vindos do poder público, acaba confundindo a população que não entende o patamar de gravidade do momento. Por outro lado, a noção de protocolos sanitários e distanciamento social são entendidos de forma relativa de acordo com a conveniência de cada interessado.

A liminar de Nunes Marques contraria decisão anterior do STF, que por unanimidade conferiu a estados e municípios autonomia para adotar medidas restritivas.

Ao confrontar a decisão de Nunes Marques, Kalil virou alvo dos robôs e milícias virtuais bolsonaristas nas redes sociais. O deputado federal Junio Amaral (PSL-MG) chegou a chamar o prefeito de “ditadorzinho”, comparando-o ao governador de São Paulo, João Doria, que se tornou desafeto dos grupos radicais ligados ao presidente da República. Já o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), que também é pastor, disse que os ministros do STF teriam plantado “insegurança jurídica” e, agora, estariam colhendo “anarquia”.

Reações contrárias

Uma ação movida pela prefeitura de Belo Horizonte endereçada ao presidente do STF, Luiz Fux, questiona a medida. O prefeito Alexandre Kalil tem recebido ataques e ameaças, mas gerou respostas contra a liminar que liberou os eventos.

Além da Prefeitura de Belo Horizonte, a Frente Nacional dos Prefeitos também cobrou que o presidente do STF, Luiz Fux, se manifeste com urgência sobre a decisão monocrática do colega, uma vez que a liminar de Nunes Marques estaria em “flagrante contradição” com o posicionamento prévio do Tribunal.

Em sua página no Facebook, a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito já havia criticado, no sábado, a decisão de Nunes Marques. “O ministro (evangélico) do Supremo Tribunal Federal Kassio Nunes deu sua contribuição ao genocídio brasileiro, permitindo todos os templos religiosos abertos”, afirmou a frente.

Entidades evangélicas, como o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic) e a Aliança de Batistas do Brasil (ABB), se opuseram à realização de celebrações presenciais, mesmo durante o feriado religioso.

A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) disse já seguir as decisões governamentais e frisou que a determinação sobre o funcionamento das igrejas católicas caberia a cada uma das arquidioceses.

O arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, informou que mantém a recomendação pela suspensão das missas presenciais, mesmo após a decisão da STF, e que as medidas de combate à pandemia independem de decisões judiciais. 

Apesar da liberação, dom Odilo não permitiu a participação presencial de fiéis em missas nas igrejas da Arquidiocese de São Paulo no domingo (4). O mesmo, porém, não se viu no Santuário Nacional, ligado à Arquidiocese de Aparecida, no interior de São Paulo, que recebeu público na missa de Páscoa.

Páscoa com 1.240 mortes

Uma multidão de fiéis se aglomerou em um culto presencial de Páscoa neste domingo (4) na Igreja Mundial do Poder de Deus, no Brás, em São Paulo. A cerimônia, que também contou com transmissão online, foi comandada pelo bispo Valdomiro Santiago, líder da congregação, durante a manhã.

Pelas imagens da transmissão, é possível constatar que a ocupação máxima de 25% da capacidade do público – conforme consta da decisão de Nunes Marques – não foi devidamente respeitada. Além disso, dois em cada três assentos deveriam ficar desocupados. Mas esse protocolo de segurança também foi desrespeitado por pessoas que acompanhavam a celebração no fundo do templo. Fiéis ainda foram flagrados sem máscara ou fazendo uso inadequado do equipamento de proteção.

Além da aglomeração e da longa permanência em espaços fechados, os cantos e orações em voz alta também fazem dos cultos e missas locais de alto risco para a contaminação pelo novo coronavírus.

Valdomiro comemorou a realização da cerimônia e foi um dos que se somou ao coro de criticas ao prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, que havia dito que não acataria a decisão de Nunes Marques. “Todo mundo que deseja enfrentar Deus é louco. Porque isso foi ordem de Deus”, criticou o religioso. Desde o ano passado, Valdomiro também vem causando polêmica ao promover a venda de “feijões mágicos” que teriam a propriedade de curar doentes com a covid-19, entre outros males.

O Santuário Nacional de Aparecida (SP) foi um dos grandes templos que abriram para celebrações de páscoa, embora com grande cuidado para não ferir protocolos sanitários. As pessoas foram distribuídas para sentar cada uma em um canto do banco, mantendo distanciamento que não se observou em outras celebrações.

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