Liberação de cerimônias religiosas na pandemia foi destaque do domingo

Mesmo com indisposição das pessoas diante dos números recordes de mortes, decisão do jurista novato escolhido por Bolsonaro contribui para confundir e gerar aglomerações. Segundo ele, público deve ser restrito

Paixão do Senhor na Sexta-feira Santa na Catedral de Westminster Mazur / cbcew.org.uk

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Nunes Marques ordenou hoje (3) que os estados, o Distrito Federal e os municípios permitam a realização de celebrações religiosas presenciais, ainda que com, no máximo, 25% da capacidade, na semana que marcou mais de três mil mortes diárias por covid-19. A porcentagem foi inspirada em julgamento de caso similar pela Suprema Corte dos Estados Unidos, país que lidera todos os números de contágio e mortes do mundo.

As igrejas mais tradicionais têm garantido cultos e missas à distância para os fiéis. Há mais de um ano, as poucas que abriram para eventos presenciais tiveram baixa procura devido à gravidade da pandemia e receio dos crentes. Quem insistiu em eventos presenciais foram as denominações que dependem deles para manter a receita dos templos e dos horários de televisão.

A decisão de Nunes Marques foi criticada pelos outros magistrados da Corte, incluindo Gilmar Mendes que deve levar a plenário da Corte, nesta semana, decisões favoráveis à determinação do Governo do Estado de São Paulo que proibiu missas e cultos presenciais e é alvo de contestações. Em fevereiro, ele concordou com os colegas e votou pelo arquivamento de um pedido da entidade para derrubar decretos municipais que impuseram toque de recolher, interrompendo atividades religiosas.

Hoje, o ministro Marco Aurélio Mello chamou de “novato” o colega indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a vaga no STF em outubro do ano passado em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. “O novato, pelo visto, tem expertise no tema. Pobre Supremo, pobre Judiciário. E atendeu a associação de juristas evangélicos. Parte legítima para a ADPF (tipo de processo que discute cumprimento à Constituição)? Aonde vamos parar? Tempos estranhos!”, disse Marco Aurélio ao Estadão. O ministro tem aposentadoria marcada para julho, abrindo uma segunda vaga para indicação de Bolsonaro. Para reverter a decisão, os ministros vão tentar levar o tema o quanto antes ao Plenário para votar contra o ato de Nunes Marques.

A decisão de Nunes Marques ocorre na véspera do domingo de Páscoa, uma das principais datas do calendário cristão, quando se celebra a ressurreição de Jesus Cristo. A ocasião foi mencionada por Nunes Marques. Ele destacou que mais de 80% dos brasileiros se declaram cristãos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O ministro atendeu a um pedido de liminar (decisão provisória) feito pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure). Para a entidade, o direito fundamental à liberdade religiosa estava sendo violado por diversos decretos estaduais e municipais que proibiram os cultos de forma genérica. A Anajure argumentou que tais normas tratavam a religião como atividade não essencial, o que seria inconstitucional.

Todos os atos questionados foram editados com a justificativa de evitar aglomerações que favoreçam a contaminação pela covid-19.

Nunes Marques baseou sua decisão também em parecer do procurador-geral da República, Augusto Aras, que defendeu a assistência espiritual como sendo algo essencial na pandemia. Em manifestação sobre o tema, a Advocacia-Geral da União (AGU) também defendeu a permissão para a realização de cultos presenciais.

Decisão

Nunes Marques deu razão à Anajure. “A proibição categórica de cultos não ocorre sequer em estados de defesa (CF, art. 136, § 1º, I) ou estado de sítio (CF, art. 139). Como poderia ocorrer por atos administrativos locais?”, indagou o ministro.

“Reconheço que o momento é de cautela, ante o contexto pandêmico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa, responsável, entre outras funções, por conferir acolhimento e conforto espiritual”, acrescentou ele.

Outras medidas impostas por Nunes Marques foram: distanciamento social, com espaçamento entre assentos; uso obrigatório de máscaras; disponibilização de álcool em gel na entrada dos templos; e aferição de temperatura.

A liminar de Nunes Marques é válida ao menos até que o plenário do STF discuta a questão. O ministro é relator de três ações de descumprimento de preceito fundamental sobre o assunto. As outras foram abertas pelo Conselho Nacional de Pastores do Brasil e pelo PSD.

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