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Economia brasileira: Covid-19 só piorou o que já estava ruim

Está mais do que provado que visão neoliberal baseada no tripé privatização, desregulação e austeridade fiscal é equivocada

Já se sabia que os resultados da economia, em 2020, seriam ruins; faltava apenas a confirmação oficial. Segundo o IBGE, que faz o cálculo oficial das contas nacionais, a economia brasileira encolheu 4,1% em 2020. Como mostra reportagem do jornal Valor Econômico, “a rápida recuperação da economia brasileira no segundo semestre não foi suficiente para evitar uma retração sem precedentes em 2020: duramente afetada pelas restrições à circulação especialmente no segundo trimestre, a economia encolheu 4,1% no ano passado, pior resultado da série histórica das Contas Nacionais do IBGE, iniciada em 1996”.

Depois da abrupta queda do segundo trimestre (-9,2%), a economia teve uma forte recuperação no terceiro (+7,7%), mas, no último trimestre do ano passado, já desacelerou novamente, apresentando um crescimento de 3,2%. Com o recrudescimento da pandemia, da lentidão na vacinação e da piora nas condições financeiras neste início de ano, muitos analistas esperam queda da atividade no primeiro trimestre de 2021, de modo que as perspectivas de retomada do crescimento parecem já bastante comprometidas.

O componente do PIB que mais encolheu em 2020 foi o consumo das famílias, que apresentou um resultado negativos de 5,2%. Só não foi pior graças ao auxílio emergencial. Na verdade, graças ao auxílio, o número total de pobres passou de 19,2% para 16,3%. Sem a ajuda do governo, a taxa de pobreza chegaria a 24%. Com a redução do auxílio, no segundo semestre de 2020, a situação piorou.

Pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan), entre 5 e 24 de dezembro de 2020, em 2.180 domicílios nas cinco regiões do país, em áreas urbanas e rurais, relativa aos três meses anteriores à coleta de dados – ou seja, quando o auxílio emergencial já havia caído para uma faixa entre R$ 300 e R$ 600 por domicílio – mostrou que apenas 44,8% dos lares tinham seus moradores e suas moradoras em situação de segurança alimentar. Isso significa que em 55,2% dos domicílios os habitantes conviviam com a insegurança alimentar, um aumento de 54% desde 2018 (36,7%).

Em números absolutos: no período abrangido pela pesquisa, 116,8 milhões de brasileiros não tinham acesso pleno e permanente a alimentos. Desses, 43,4 milhões (20,5% da população) não contavam com alimentos em quantidade suficiente (insegurança alimentar moderada ou grave) e 19,1 milhões (9% da população) estavam passando fome (insegurança alimentar grave)[iii].

Com a interrupção do auxílio emergencial no primeiro trimestre de 2021 e sua retomada, a partir de abril, com valores e abrangência mais limitada, é muito pouco provável que esse quadro se reverta e o consumo se recupere. Em 2020, o benefício variava de R$ 600 a R$ 1.200 por domicílio e beneficiou, na primeira rodada, 65 milhões de pessoas. Agora vai de R$ 150 a R$ 375 e o número de beneficiados deve cair pela metade.

É bem provável, portanto, que o consumo piore, se levarmos em conta, ainda, que a inflação, puxada sobretudo pela alta do preço dos alimentos, que foi em média 15%, em 2020, não dá sinais de arrefecer. Em alguns casos, o aumento de preços passou de 100%, como no óleo de soja. A alta do custo de vida medida pelo IPCA de fevereiro apontou para uma inflação de 5,2% em 12 meses.

A renda per capita dos brasileiros caiu 4,8%, em 2020, recuando para o mesmo nível de 2009. Conforme mostra editorial da Folha de S.Paulo, “se o Brasil crescer 3,5% neste 2021 e 2,5% nos anos seguintes, o PIB (renda) per capita volta ao valor de 2014 apenas em 2026”. A pandemia da Covid-19 certamente contribui para agravar a situação, mas a verdade é que mesmo sem a pandemia a economia brasileira teria encerrado a década com um ganho de renda negativo. Conforme destaca outra reportagem da mesma Folha, “o país empobreceu 5,5% na década encerrada em 2020, no pior desempenho já registrado pelas estatísticas e estimativas disponíveis, que alcançam até o início do século passado”.

É muito raro um país apresentar queda na renda por toda uma década. É comum que isso ocorra em períodos mais curtos, no caso de guerras ou outros eventos críticos – mas uma queda persistente por um período de dez anos é um evento muito grave que só se explica pela conjugação de inúmeros fatores. O mais importante é, sem dúvida, a péssima gestão da economia por sucessivos governos.

No caso do Brasil, os sinais de queda da renda já eram visíveis a partir de 2011, mas se agravaram no período 2014-2016, quando o País passou pela sua segunda recessão mais profunda do século 20, um pouco menos devastadora que a de 1982-1983. Com os governos Temer e Bolsonaro a economia permaneceu estagnada. Entre 2017 e 2019, o crescimento não passou de 1%. Em 2020, deu um novo mergulho e, apesar do alívio do segundo semestre do ano passado, até agora não tirou a cabeça de dentro d’água.

Para reverter esse quadro, é preciso muito mais do que controlar a pandemia da Covid-19. Sem uma mudança de rumo na política econômica, que por sucessivos governos vem se orientando por uma visão fiscalista, voltada quase que exclusivamente para o controle de gastos públicos e pagamento de juros da dívida, não é possível o país reverter o quadro crônico de desindustrialização e falta de investimentos em infraestrutura, habitação e saneamento que nos condena ao atraso. O Brasil – que, em 2014, ocupava a posição de sétima maior economia do mundo – hoje figura como a 12ª, tendo sido suplantando por Itália, Índia, Rússia, Canadá e Coreia do Sul.

Segundo o Ipesi, “a participação do Brasil na produção industrial do mundo recua desde 2009. E a trajetória de queda permanece, caindo de 1,24%, em 2018, para 1,19%, em 2019, atingindo o piso da série histórica que começa em 1990. Apesar das perdas, o Brasil conseguiu se manter entre os dez maiores produtores no ranking mundial até 2014. Em 2019, porém, recuou para a 16ª posição. Entre 2015 e 2019, a participação do Brasil na produção industrial do mundo foi superada pelas indústrias do México, da Indonésia, da Rússia, de Taiwan, da Turquia e da Espanha. Os dados são do Desempenho da Indústria no Mundo, estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI)”.

Está mais do que provado que visão neoliberal baseada no tripé privatização, desregulação e austeridade fiscal é equivocada – e, em todos os lugares onde foi aplicada, os resultados foram os mesmos. Não há um único país no mundo que os defensores do neoliberalismo poderiam apontar como exemplo de que a aplicação de seus preceitos, consubstanciados no chamado “Consenso de Washington”, tenha dado algum resultado positivo. Até mesmo os Estados Unidos, berço das ideias neoliberais, dão meia volta e começam a discutir seriamente a necessidade da retomada de políticas industriais para fazer frente à perda de competitividade da economia americana e à deterioração da sua infraestrutura.

Publicado originalmente na Bonifácio

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