O que é bom para os EUA pode ser bom para o Brasil?

O New Deal de Biden e sua iniciativa contra o aquecimento global confrontam-se com a austeridade fiscal e Ricardo Salles no |Brasil

Luiz Roberto Serrano – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A análise das iniciativas tomadas por um novo governo nos primeiros 100 dias de mandato é uma tradição da política e da mídia estadunidenses. Funciona como um balanço da dinâmica apresentada pela administração in charge vis-a-vis suas promessas na campanha eleitoral. De certa forma, reforça ou mina as chances de sucesso da nova administração ao longo de seus quatro anos de mandato.

Na quinta-feira passada, a poucos dias de completar seus 100 dias de administração, o presidente Joe Biden colheu o resultado de sua iniciativa de convidar a comunidade mundial a participar da Cúpula do Clima, por ele organizada para marcar a rentrée dos EUA nos debates sobre o combate ao aquecimento global e suas consequências deletérias.

A maciça presença dos países convidados, China e Rússia, inclusive, demonstrou à larga que a presença de seu país é fundamental, indispensável e desejada pela comunidade global na discussão dos grandes desafios internacionais. Os erráticos e destrutivos tempos da “América First” de Trump foram festivamente enterrados.

Biden estará bem na foto dos 100 dias de governo, pois propôs medidas ousadas para tirar os EUA da crise.

Biden também apostou alto no front interno. Enviou para o Congresso leis, de clara inspiração no New Deal de Franklin Delano Roosevelt, que somam recursos no valor de US$ 3,5 bilhões com alvos variados, amplos e estratégicos, que objetivam, em resumo, desde combater e superar as cicatrizes provocadas pela pandemia, apoiar o desenvolvimento familiar e infantil, investir em recuperação da infraestrutura, em indústrias de fundo ambiental e, principalmente, em desenvolvimento científico, tecnológico e industrial. Ou seja, desde questões humanitárias, sociais e ambientais até desafios para estimular a produção de semicondutores, chaves para o desenvolvimento tecnológico, campo em que a concorrente China está investindo pesadamente.

Biden, tudo indica, estará bem na foto dos 100 dias, claro, não entre os políticos republicanos. Poderá arrebanhar simpatias entre os 70 milhões de estadunidenses que votaram em Trump, pois muitos deles serão beneficiados. Seus projetos de leis terão trajetória tranquila na Câmara dos Deputados, onde os democratas têm margem folgada, mas no Senado a tramitação será apertada.

Nessa casa, os partidos têm bancadas do mesmo tamanho, se os independentes forem somados aos democratas e à presidente, que é a vice Kamala Harris, garante a maioria para o governo Biden. Mas há um ou dois senadores democratas que julgam que os projetos contrariam algumas de suas convicções. Convencê-los é tarefa para a habilidade política de Biden, aprimorada em suas décadas no Senado.

Os projetos de Biden precisam começar a gerar resultados concretos a curto e médio prazos para que o Partido Democrata mantenha ou amplie a sua vantagem nas duas casas do Congresso, especialmente no Senado, onde é mínima, nas eleições legislativas de 2022. Caso contrário, a administração Biden patinará na sua implementação. Registre-se que em estados onde os republicanos detém maiorias nas Assembleias Legislativas, prosperam propostas de leis para dificultar o exercício do voto, que miram principalmente as populações negras e latinas, simpáticas aos democratas.

O tempo dirá se a empreitada democrata será bem-sucedida em seu objetivo de reaquecer e reestruturar a economia estadunidense para manter-se como a maior e mais relevante do globo, enfrentando corpo a corpo a competição decidida e acirrada da China. E para superar os desequilíbrios sociais que se infiltram lentamente na sociedade estadunidense.

É recomendável observar o resultado das propostas econômicas de Biden pois podem servir de modelo para o Brasil.

Os movimentos de Biden fazem lembrar uma frase marcante na história do Brasil disparada por Juracy Magalhães, embaixador do nosso país nos Estados Unidos, nomeado pelo governo militar de Castelo Branco em 1964. “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, disparou o embaixador Magalhães, criando uma enorme polêmica por aqui. Na época, com os EUA patrocinando derrubadas de governos pela América Latina, asfixiando Cuba via bloqueio econômico, a frase carregava um pesado simbolismo, principalmente aos que se opunham ao governo militar.

Os tempos mudam e o simbolismo das frases históricas também pode mudar. A volta dos EUA aos braços do clube dos combatentes às mudanças climáticas forçou o governo Bolsonaro a uma cambalhota retórica na Cúpula do Clima, para não aumentar ainda mais seu isolamento em meio à comunidade internacional. Se a cambalhota vai se tornar real é uma dúvida a ser bem cultivada, pois os antecedentes não apontam nessa direção.

A home do New York Times, na sexta-feira 23/4, mostrava a seguinte reportagem: “Bolsonaro’s Sudden Pledge to Protect the Amazon is Met With Skepticism, algo como “discurso do presidente brasileiro na Cúpula é recebido com ceticismo”. De quebra, registro que a mesma home trazia uma segunda reportagem sobre o Brasil, fato raro, com o título “Ravaged by Covid, Brazil Faces a Hunger Epidemic“, relatando que milhões de brasileiros estão ameaçados pela fome em função dos problemas gerados pela covid.

Indo além dos fatos da semana, na linha do que “é bom para os EUA é bom para o Brasil”, mas em tempos agora democráticos, é recomendável também observar os resultados das legislações rooseveltianas propostas pelo presidente Joe Biden para tirar seu país da crise.

Elas podem iluminar um caminho para tirar a economia brasileira do atual atoleiro em que as políticas liberais adotadas pelo Ministério da Economia só fazem o País derrapar e andar de lado, quando não para trás.

Por Luiz Roberto Serrano, jornalista e superintendente de Comunicação Social da USP