Não basta parecer verdade

“A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.
Júlio César, ditador romano

Por Sidnei Aranha*
Não há como analisar o discurso do presidente Jair Bolsonaro na Cúpula dos Líderes sobre o Clima sem lembrar da máxima do ditador romano Júlio César. Há, notoriamente, uma distância abissal – e constrangedora – entre discurso e prática nas colocações do mandatário brasileiro.


A própria conjuntura do Governo Federal atualmente demonstra os fortes indícios de que não existem políticas públicas efetivas para o combate ao avanço dos extremos climáticos e tantas outras intempéries que o mundo afora tenta aplacar com inovação tecnológica, substituição de matriz energética por fontes renováveis e com posturas assertivas de comprometimento diante dos tratados internacionais.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, executa fidedignamente o seu papel de desmantelador de qualquer possibilidade mínima de uma estrutura verde nesse governo. Fala em aumento de valores para a fiscalização da Amazônia pela Força Nacional, mas é desmentido pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que é também presidente do Conselho Nacional da Amazônia: não há consenso nem entre eles.

Salles enfraquece o IBAMA, o ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e esvazia o Ministério do Meio Ambiente, que depois de dois anos de governo ainda não tinha nomes estratégicos para diversas diretorias em órgãos importantes na política ambiental do País.

Outro ponto revelador da desconexão entre discurso e prática está no cabotino pedido de ajuda internacional de 1 bilhão de dólares a título de serviços ambientais prestados, que exacerba a velha prática de terceirização de responsabilidade e, inacreditavelmente, a chantagem, diante da incredulidade mundial.

A situação torna-se mais vexatória pela ausência total de prestação de contas dos quase 3 bilhões de Reais propiciados pela Alemanha e Noruega, que repousam nos cofres do Fundo Amazônia. Depois que o Ministro Salles, em 2019, extinguiu o Conselho do Fundo, formado pela sociedade civil organizada, os repasses foram congelados e os projetos cessados.

Ainda que o discurso do presidente norte-americano Joe Biden tenha ressaltado a geração de emprego e investimento em energia limpa, vivendo a adversidade de um país dividido pelo Trumpismo, é importante reconhecer que EUA e China colocam definitivamente na pauta mundial o debate sobre os extremos climáticos e suas consequências. Extremos esses que custaram a vida de 45 pessoas em Guarujá, Santos e São Vicente, nos deslizamentos causados pela tempestade de março de 2020 na Baixada Santista.

Guarujá não pretende ficar na contramão da História. Como um dos 35 hotspots do mundo, com mais de 60% do território tomado pela Mata Atlântica ainda em bom estado de conservação, buscaremos investimentos que possam aliar desenvolvimento e conservação ambiental, explorando nossas potencialidades e protegendo a nossa biodiversidade, reconhecidamente única no mundo.

Não basta parecer ação. Tem que agir, de fato. É o mínimo que se espera do representante de uma nação com mais de 200 milhões de habitantes.

* Sidnei Aranha é Secretário de Meio Ambiente de Guarujá