Constituinte no Chile: bancada indígena quer nova bandeira nacional

A questão é: a atual bandeira chilena representa essa plurinacionalidade almejada por grande parte da constituinte?

Wenufoye, bandeira do povo mapuche

A bancada indígena da constituinte chilena decidiu iniciar um debate que tem começado a causar bastante polêmica no país: é hora de aproveitar que haverá uma nova Constituição e mudar a bandeira do Chile?

Durante a revolta social de 2019, era muito comum ver manifestantes flamulando a Wenufoye, a bandeira do povo mapuche, e a partir daí se estabeleceu a plurinacionalidade como uma das principais demandas do movimento. A questão é: a atual bandeira chilena representa essa plurinacionalidade almejada por grande parte da constituinte?

Elsa Labraña, uma das participantes da Assembleia, acredita que não, e iniciou o debate sobre essa necessidade de se discutir os símbolos pátrios do país.

“Esta bandeira não representa todo o Chile. Para muitos ela é um símbolo de opressão. O mesmo acontece com o hino, que gera muita divisão na sociedade. Os símbolos nacionais precisam representar a todo o país e isso tem que ser tema da constituinte, porque a nova carta magna tem que definir quais serão os símbolos pátrios do Chile que virá”, explicou Labraña, que forma parte do setor chamado Lista del Pueblo, que congrega líderes de diversos movimentos sociais, incluindo indígenas, feministas, grupos LGBTQ+, regionalistas, etc.

Labraña esclarece que sua ideia não é a de adotar a Wenufoye como nova bandeira do Chile, e sim a de defender um desenho novo e a convocação de plebiscitos a serem estabelecidos pela Assembleia Constituinte para se definir como será esse novo estandarte.

Como era de se esperar, a principal resistência à essa ideia vem da direita. O constituinte Roberto Vega, em um programa de televisão local, repreendeu seus colegas que defendem a adoção de uma nova bandeira. “Quem somos nós para questionar as cores que representam o país há dois séculos, que nós crescemos sabendo que são as nossas cores. E que país mudou sua bandeira nos últimos anos?”.

As respostas para as perguntas de Vega não são simples. Segundo o pesquisador Lucas Schiappacasse, mestre em Relações Internacionais pela Universidade do Chile, “a mudança de símbolos realmente é algo anômalo na história do país, o que não significa que a Assembleia Constituinte não tenha as atribuições para fazê-lo. É justamente a instância onde questões como essa devem ser consensuadas”.

Sobre a história da bandeira chilena, o pesquisador conta que, “após diferentes versões da bandeira nacional, correspondentes a períodos do processo de Independência da Pátria Velha, da Reconquista e da Pátria Nova, foi imposta a forma da bandeira atual. Embora mesmo depois de oficialmente instituída como símbolo nacional, ela teve um longo período de variações, principalmente ligada à ‘estrela de Arauco’”.

Schiappacasse prossegue. “A estrela da bandeira chilena está originalmente ligada ao Wuñelfe, ou estrela da manhã, que era representada por um asterisco de oito pontas ligeiramente inclinado. Devido às dificuldades de confecção, esse desenho foi simplificado em 1850. Quanto ao que ela representa, é opinião comum atribuir o vermelho ao sangue do povo mapuche, o branco aos picos nevados da cordilheira dos Andes, o azul ao céu ou ao mar, embora as cores também sejam atribuídas aos estandartes mapuche que foram usados durante o período da Guerra de Arauco”, diz.

Além disso, Schiappacasse lembra que as formas atuais dos emblemas nacionais, incluindo a bandeira, estão estabelecidas na Constituição ainda vigente, de 1980.

O caso da Bolívia e a bandeira indígena

Mas, “que país mudou sua bandeira nos últimos anos?”, questionou o constituinte chileno Roberto Vega. A resposta é: muitos, e pelos mais diferentes motivos. Porém, considerando que a inclusão de símbolos dos povos indígenas é uma das razões pelas quais esta questão se instalou no debate constituinte no Chile, um dos exemplos mais recentes e mais próximos é o que ocorreu na Bolívia

O país não mudou sua bandeira, mas adotou a Whipala, que representa a multinacionalidade de seu Estado e que passou a ser um emblema nacional com o mesmo peso da tradicional bandeira vermelha, amarela e verde. Essa decisão foi ratificada por meio de um plebiscito ocorrido em 2009, e que foi convocado justamente pela Assembleia Constituinte realizada alguns anos antes.

Mas não parou por aí. Por ocasião do processo marítimo contra o Chile no Tribunal Internacional de Justiça de Haia, a Bolívia oficializou em 2012 sua terceira bandeira, a Bandeira do Mar, que fez parte da histórica campanha de reivindicação do país.

O exemplo boliviano não é o único em um passado não muito distante. Países que estão entre os favoritos dos conservadores chilenos também adotaram novas bandeiras há pouco tempo.

Um deles é o Canadá, cujo conhecido desenho em vermelho e branco destacando a folha de bordo não é muito antigo – foi adotado em 1965. Até então, o país era representado por uma bandeira que, como as da Austrália e da Nova Zelândia, lembrava seu pertencimento à então chamada Comunidade Britânica de Nações – que posteriormente tirou o nome “britânica” do nome oficial, mas ainda é uma instância de conexão com o Reino Unido, e da qual o Canadá ainda faz parte.

Por falar na Nova Zelândia, o país também quase mudou sua bandeira. Foi entre 2015 e 2016, em uma série de referendos em que os neozelandeses puderam escolher entre diferentes tipos de bandeira, incluindo a opção de manter o desenho atual. Na votação final, realizada em 3 de março de 2016, foi posta a votação a alternativa de manter a bandeira tradicional ou adotar um desenho que mesclasse as estrelas vermelhas com os símbolos do povo maori. No final, a bandeira tradicional ganhou com 56% dos votos.

A proposta da Nova Zelândia de uma bandeira unificando diferentes símbolos parece emular a fórmula sul-africana. Em 1994, a África do Sul passou a usar sua bandeira atual, que combina as cores da União da África do Sul com as do Congresso Nacional Africano, organização antirracista liderada por Nelson Mandela que, mais tarde, se tornou um partido político – chegou ao poder com o próprio Mandela e elegeu todos os presidentes do país desde então.

A nova bandeira sul-africana foi lançada no mesmo dia em que o país viveu as primeiras eleições inter-raciais de sua história. Inicialmente, ela foi adotada de forma experimental. Após cinco anos, o governo Mandela apresentou um projeto para oficializá-la, pois concluiu que havia sido bem aceita tanto pelos negros, quanto pelos brancos.

Significado das mudanças

“O importante a se notar é que, embora haja proximidade no tempo com essas modificações dos símbolos nacionais, o significado dessas mudanças reside na passagem de um modelo de Estado para outro. Ou seja, uma mudança no símbolo nacional marca uma transição para uma ordem de Estado diferente, que rompe com a natureza anterior do Estado, e isso pode ser similar ao que esta nova constituição pode produzir”, comenta o pesquisador.

Todos esses exemplos, além de comprovarem que mudar a bandeira não é tão incomum, também mostram que os caminhos que levam a essas mudanças podem ser diferentes. De um plebiscito como os da Bolívia e da Nova Zelândia a um período de experiência, como aconteceu na África do Sul. Além disso, o caso boliviano também oferece a possibilidade de que mais de uma bandeira seja oficializada, o que poderia ser outra solução possível para o Chile, caso se busque satisfazer diferentes sentimentos.

Segundo Schiappacasse, “o ideal seria que, caso se decida adotar uma nova bandeira, esse processo passe por um debate sobre o que se buscaria representar no novo símbolo nacional, e que ele expresse os valores que a nova constituição pretende estabelecer, como, por exemplo, a passagem do regime neoliberal da pós-ditadura ao novo Estado garantidor dos direitos sociais. E precisa ser um processo participativo. A nova bandeira terá que ser aceita por uma grande maioria da população, para que qualquer tipo de ímpeto saudosista pela bandeira antiga fique restrita a grupos menores”.

Publicado originalmente no Opera Mundi