Crise da Evergrande poderá levar governo chinês a estatizar a empresa

Mercados mundo afora sentiram o baque do iminente calote da dívida da incorporadora chinesa, que provocou um contágio em cadeia.

Há uma solução à vista para a crise da Evergrande. O governo da República Popular da China poderá assumir o controle da incorporadora imobiliária, ou seja, estatizá-la, e fatiá-la em mais de uma empresa. A notícia é do veículo especializado na economia dos países asiáticos Asia Markets

De acordo com a notícia, que atribui a informação a fontes próximas do governo chinês, a medida será anunciada em alguns dias. As empresas estatais vão apoiar a reestruturação para transformar a Evergrande em uma empresa estatal.

“O acordo está sendo projetado para proteger os cidadãos chineses que compraram apartamentos de Evergrande, como os que você vê protestando nas ruas e também aqueles que investiram nos produtos de gestão de fortunas de Evergrande”, disse a fonte do veículo. “Mas o importante é conter qualquer efeito de fluxo econômico generalizado que a insolvência causaria na economia chinesa.”

Nesta quarta-feira (22), a Evergrande anunciou acordo com um credor local para evitar o calote dos juros de um título. Em comunicado à Bolsa de Valores de Shenzhen (sul da China), sua subsidiária Hengda afirmou ter negociado um plano para pagar os juros de um título vencido, estimado em US$ 35,9 milhões. A incorporadora tem uma dívida acumulada de mais de US$ 300 bilhões, o equivalente a R$ 1,5 trilhões. 

Nesta quinta-feira (23) vencerá um pagamento de juros de US$ 83,5 milhões sobre um título Evergrande de 5 anos em dólares americanos. O tamanho da emissão inicial do título era de cerca de US$ 2 bilhões. Os convênios do título têm um período de 30 dias antes que um pagamento perdido seja considerado inadimplência.

Também nesta quinta, a Evergrande tem que pagar US$ 35,8 milhões por um título de 5,8% negociado em Shenzhen em setembro de 2025. A unidade Hengda Real Estate da empresa anunciou nesta quarta que fará esse pagamento, mas não se pronunciou até agora sobre os compromissos de títulos em dólares americanos.

Outro pagamento de juros de vários milhões de dólares sobre um título em dólares americanos de 7 anos é devido na semana seguinte. Credores com títulos em dólares da Evergrande e acionistas provavelmente serão os mais atingidos.

Entenda a crise da Evergrande

É uma uma questão de tempo a quebra da Evergrande. Mercados mundo afora sentiram o baque do iminente calote da dívida da incorporadora chinesa, que provocou um contágio em cadeia. 

Mas se o ocidente está assustado diante da possibilidade de um repeteco da crise de 2008, Pequim está mais preocupada em estancar a especulação imobiliária e dar seguimento à medidas regulatórias do setor. 

Essa é a avaliação do professor em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Elias Jabbour, um dos mais importantes pesquisadores sobre o país asiático no Brasil.

O geógrafo e pesquisador Elias Jabbour

Nesta quarta, Jabbour gravou um vídeo para a TV Grabois no qual explica didaticamente a crise da incorporadora imobiliária chinesa. 

O professor explica que a Evergrande não é uma empresa qualquer e emprega, diretamente, cerca de 200 mil pessoas, e mais outras 300 mil de forma indireta. 

A crise da megaempresa fez despencar as ações em 80% nas bolsas de valores de Hong Kong. 

Outro aspecto importante dessa questão é o processo de urbanização em curso na China. Nesse cenário, aponta Jabbour, o setor imobiliário é responsável por 28% da economia do gigante asiático.

O professor afirma que a China, entre 1995 e 2020, mais do que duplicou a população urbana. Passou de uma taxa de urbanização de cerca de 30% em 1995 para algo em torno de 60% em 2000. 

E esse processo de urbanização exige um custo: construção de moradia, saneamento básico, saúde e educação. 

“A diferença é que a China consegue fazer com que esse processo seja planificado a ponto de não existir favelas na China. Mas a grande questão é que um país que cresce nessa velocidade, e que tem esse processo de urbanização nessa velocidade, tem um setor imobiliário muito forte.”
Elias Jabbour 

Outro ponto destacado por Jabbour é que o setor imobiliário chinês é privado e monopolizado por uma ou duas empresas privadas. Uma delas é a Evergrande. Onde existir empresas privadas e um processo de urbanização veloz há demanda quase constante por moradias. Essa combinação leva quase a uma aversão ao risco por parte dos investidores privados. 

Jabbour explica que chegou a conta desse cenário e a demanda por residências caiu. Ao mesmo tempo, o governo iniciou uma onda de regulação sobre vários setores na economia. Inclusive, Pequim começou a interferir no preço de aluguéis. A Evergrande começou a sentir o baque da mão reguladora chinesa e avisou: ‘estou quebrando’.

Mas o professor refuta a possibilidade de a quebra da Evergrande ser um repeteco da crise imobiliária de 2008 que poderia quebrar o gigante asiático. 

“Apesar dessa empresa ser imensa, a China não vai quebrar por alguns motivos. Primeiro, porque o sistema financeiro chinês é estatal. Nenhum país quebra em moeda que ele mesmo emite”, justifica. 

Ele comenta que grande parte das operações da Evergrande é em moeda chinesa, embora existam investidores estrangeiros. Mas o governo chinês já deu mostras que não está preocupado com os investidores estrangeiros da empresa. Segundo: a conta de capitais da China é fechada e o risco de espalhamento dessa crise para o resto do mundo é muito pequeno. 

Jabbour aposta que a saída para a crise que está sendo desenhada pelas lideranças chinesa não será puramente econômica, mas política. “Porque hoje existe um lema na China chamado de prosperidade comum que significa: enfrentar o poder da grana, chegou o momento de distribuir renda, de fato, na China. E um dos setores em que a distribuição de renda vai se dar com muita força é no setor imobiliário”.

Fonte: Socialismo Criativo

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