Dia da Menina: Não se nasce mulher, torna-se mulher

Precisamos compreender que ser menina não é simplesmente ter pouco passado ou pouca experiência

Parafraseando Machado de Assis, e sua reflexão presente no título do capítulo 11 de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, a menina é a mãe da mulher. É a menina do tempo presente que forja a mulher do futuro. Por isso, neste dia 11 de outubro, o Dia Internacional da Menina, é preciso refletir sobre o significado de ser menina no Brasil.

É muito comum ouvirmos ou falarmos frases como “chorando feito uma menina” ou “está na hora de virar mulher”, usando um termo tão bonito de maneira pejorativa e fazendo com que “menina” seja sinônimo de irresponsabilidade, inocência exagerada, fraqueza ou incapacidade. A imposição da pressa para deixar de ser uma garota banaliza o processo tão importante de tornar-se mulher, desenvolvido por Simone Beauvoir. Mas nós, comprometidas e comprometidos com a justiça social, precisamos compreender que ser menina não é simplesmente ter pouco passado ou pouca experiência, é ter muito futuro pela frente e, portanto, precisamos zelar por elas, garantindo o direito ao lazer, ao estudo, ao sonho e à felicidade.

É comum a todos que o Brasil nunca foi um lugar de igualdade para seu povo, e isso não é diferente para as meninas brasileiras. Uma realidade cruel cerca as garotas desde o início de suas vidas e apresenta um mundo em que precisam se encaixar. É habitual que os brinquedos para meninas sejam relacionados aos afazeres domésticos e que as redes sociais das mulheres sejam lotadas de conteúdos relacionados ao padrão de beleza e de vida que uma “mulher recatada” deve ter. Além disso, a violência sexual é algo cada vez mais rotineiro às meninas, que sofrem abusos dentro de suas próprias casas, na escola ou no trabalho. A partir disso, as brincadeiras, os estudos e os sonhos tornam-se direitos roubados e substituídos por casamentos precoces, maternidades não-planejadas, traumas, obrigações em casa e trabalho infantil, principalmente para as meninas que estão nas periferias e nos interiores do país.

Quando fui co-candidata à vereadora em São Luís, aos 17 anos, recebi muitas perguntas sobre como era a experiência de ser “apenas” uma menina e estar em campanha. Por diversas vezes contei os preconceitos que havia enfrentado até ali e a importância da representatividade para as meninas na política. Um dia, em uma gravação de podcast, me perguntaram por que não havia muitas garotas no meio político brasileiro e fiz uma breve reflexão sobre a questão: vivemos, ou sobrevivemos, em um país em que a cada hora nascem 48 filhos de mães adolescentes; que ocupa o 4º lugar no mundo em casos de casamento infantil; em que uma, a cada cinco meninas, já sofreu violência sexual; que quase 2 milhões de crianças e adolescentes são submetidas ao trabalho infantil. Vivemos, ou sobrevivemos, em um país em que não temos sequer o direito à saúde menstrual, que, quando finalmente veio ao debate público, a política de combate à pobreza menstrual foi vetada pelo presidente Bolsonaro. Por tudo isso, as meninas sofrem com a imposição de obrigações que retiram seu direito de simplesmente serem meninas, ocasionando a nossa sub representação na política e nos espaços de poder.

Não se pode ignorar o papel importantíssimo que a escola tem no combate à desigualdade de gênero e no empoderamento das jovens meninas brasileiras. A escola deve garantir o acesso ao conhecimento, à cultura, à pesquisa, ao esporte, à saúde, dentre tantas coisas. No entanto, as problemáticas sociais de um país machista e adultocêntrico afastam as meninas desse espaço de formação educacional e geram uma quantidade alarmante de abandono ou evasão escolar. A negação irresponsável da educação sexual e da distribuição gratuita de absorventes nas escolas são reflexos impactantes da ausência de cuidados do poder público com as meninas. Estudos e pesquisas apontam que historicamente às meninas e às mulheres é destinado o espaço privado, sendo na maioria das vezes imposta a elas a responsabilidade exclusiva das tarefas domésticas, além da obrigação de constituição de uma família. Enquanto isso, lhes é negado o espaço público, tão importante para a socialização, o desenvolvimento e o pensamento crítico.

Porém, mesmo em meio a tantos obstáculos, as meninas resistem todos os dias. Através de sua teimosia, fazem ciência, arte, praticam esportes (e trazem medalha olímpica para o Brasil), lutam pelo clima, pela educação, pelo fim do machismo e ocupam o poder. As meninas resistem todos os dias há séculos, basta lembrar das garotas negras e indígenas que se levantam contra a escravidão, o silenciamento e o apagamento cultural. É como diz MC Soffia, uma jovem rapper e ativista, “as meninas fazem tudo, até mandar umas rimas”.

Por tudo isso, o dia 11 de outubro precisa ser uma data de reflexão sobre a necessidade de fazer da defesa dos direitos das meninas, uma luta comum de todo o povo brasileiro, para que o Estado cuide daquelas que são presente e futuro desta grande nação. Não nos esqueçamos: as mulheres que hoje resistem são filhas das meninas que foram um dia.

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