Como a inflação de Bolsonaro afetou a economia e aumentou a pobreza

Nos 12 meses até novembro, o IPCA atingiu 10,74%. No mês, chegou a 0,95% – a maior taxa para novembro desde 2015

Fotomontagem feita com as fotos de: Cristiano Mariz/Veja e Ueslei Marcelino/Reuters

A inflação, ao lado da pandemia, foi a marca central do terceiro ano do governo Jair Bolsonaro. Em 2021, a alta generalizada de preços voltou a pesar no bolso dos brasileiros — e na economia. O novo fantasma inflacionário foi resultado de uma combinação de fatores negativos: alta do dólar, valorização global do petróleo e seca, que levou a uma quebra de safras no campo e ao aumento dos preços de energia. Tudo sob o olhar omisso de Bolsonaro e de seu governo.

Nos 12 meses até novembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingiu 10,74%. No mês, chegou a 0,95% – a maior taxa para novembro desde 2015. Para 2022, o mercado financeiro prevê uma inflação acima de 5% e o estouro da meta pelo segundo ano seguido.

Na prática, a inflação implicou queda do poder de compra da população, em reajustes salariais sem ganho real e no aumento da pobreza no País. Com isso, muitos brasileiros tiveram dificuldades para adquirir itens essenciais da cesta básica, como arroz, feijão e carne, o famoso prato feito.

Sem intervenção do governo, cinco segmentos se tornaram os vilões da inflação em 2021. Confira:

Alimentos

Após ter disparado 14% em 2020, o preço dos alimentos continuou em alta e subiu mais 7% entre janeiro e novembro deste ano, segundo o IBGE. No campo, problemas climáticos contribuíram com a elevação dos preços, como a seca prolongada e as geadas, que prejudicaram colheitas importantes no país.

 “O choque dos preços dos alimentos foi o mais emblemático deste ano. A Ana Maria Braga voltou a usar o colar de tomates [para discutir a alta de preços em fevereiro] e o país enfrentou uma disparada no valor das carnes”, disse Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos.

Além disso, a menor oferta de bovinos pressionou os preços da carne – fazendo com que o alimento se tornasse uma especiaria no prato da maioria dos brasileiros e, em casos extremos, levassem pessoas a buscar ossos descartados por frigoríficos. Alguns supermercados chegaram a vender a proteína animal com alarme antifurto.

Alguns dos alimentos que tiveram mais alta de preço em 2021 foram frango, ovos, carne bovina, açúcar, café e tomate. O preço da carne, por exemplo, avançou 6,98% no ano, mesmo com deflação de -1,38% em novembro. Por outro lado, houve aumentos em novembro nos preços da cebola (16,34%), café moído (6,87%), açúcar refinado (3,23%), frango em pedaços (2,24%) e queijo (1,39%).

O governo federal é corresponsável pela carestia. Os estoques de alimentos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ligada ao Ministério da Agricultura, chegaram a um nível próximo de zero – o que reduz a oferta. Em uma década, esses estoques públicos tiveram uma redução de 96% na média anual, considerando seis diferentes tipos de grãos. Ao menos 27 unidades armazenadoras da Conab foram fechadas nos últimos anos.

Vilão da cesta básica devido ao alto preço, o arroz está entre os que mais puxaram a queda na armazenagem. Outros dois produtos estão com os estoques zerados. Considerado item indispensável na mesa do brasileiro, o feijão sumiu dos estoques públicos há mais de três anos. Já a soja, um dos principais produtos do país, não é armazenada desde 2013. Em momento de alta da inflação e nos preços dos alimentos, o País abriu mão de um instrumento que poderia ajudar a reduzir essa pressão.

O pesquisador Silvio Porto, ex-diretor da Conab e professor na Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), observa que a capacidade de baixar preços por intervenção do governo está relacionada justamente ao volume de estoque público. “Às vezes, só o fato de ter o volume estocado representa um sinal de atenção por parte do mercado – de que esse governo não vai titubear, caso seja necessário, em disponibilizar esse produto para o mercado”, diz Porto.

Para o professor de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), José Guilherme Vieira, o produto armazenado pelo governo poderia ser utilizado de duas formas: tanto para absorver a produção (e proteger o produtor rural) quanto para segurar a disparada de preços. “Quando a gente analisa pela estratégia alimentar, não é o preço mínimo que importa”, diz Vieira.

Segundo ele, os países devem ter, ao menos, seis meses de estoques reguladores para não ficarem à mercê de intempéries, oscilações cambiais ou queda na oferta de determinado produto no mercado internacional. “A redução dos estoques foi totalmente incorreta. A formação de estoques é uma garantia de alimentação para o povo – é uma segurança alimentar”, afirma. “Além disso, é um instrumento de regulação do preço.”

Outro fator que ajuda a aumentar o drama da fome é a redução de recursos destinados à compra de produtos, no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que beneficia a agricultura familiar. A verba caiu de quase R$ 587 milhões, em 2012, para R$ 41,4 milhões, em 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro.

Câmbio

A valorização do dólar frente ao real encareceu os produtos importados que chegaram ao Brasil, como combustíveis, bens duráveis e boa parte dos componentes fundamentais para a indústria, por exemplo. As exportações também se tornaram mais lucrativas e atraíram os produtores nacionais, que preferiram exportar os alimentos produzidos aqui do que vender para o mercado interno.

É por isso que o Brasil vive um período de alta inflação e baixa atividade econômica ao mesmo tempo, explicou André Braz, da FGV: “A demanda aumentou fora do Brasil, fazendo com que os preços subissem por aqui também”. Até o último dia 21, a moeda norte-americana acumulava valorização de 10,63% frente ao real desde o início do ano. Ao longo do governo Bolsonaro, o dólar se valorizou mais de 40% em relação ao real.

Em outubro, os brasileiros descobriram que Paulo Guedes, o ministro bolsonarista da Economia, mantém US$ 9,55 milhões nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe. Documentos que revelam que o ministro da Economia é dono de uma offshore milionária são parte de um megavazamento de informações, batizado de Pandora Papers, que expôs figuras públicas de diversos países.

Para quem tem investimentos no exterior, o dólar mais caro tem um efeito positivo, já que faz crescer o equivalente em reais das aplicações. Foi isso o que aconteceu com os recursos mantidos na Dreadnoughts International, a empresa offshore fundada por Guedes em setembro de 2014 nas Ilhas Virgens Britânicas.

A alta do dólar desde 2019 fez com que o patrimônio valorizasse pelo menos R$ 14 milhões. Hoje, o equivalente em reais dos US$ 9,55 milhões aportados na empresa é de R$ 52 milhões.

Como as decisões e declarações do ministro têm impacto direto sobre o mercado de câmbio, muitos especialistas enxergam um conflito de interesses direto entre o cargo público exercido por Paulo Guedes e seu papel como investidor. O Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe, em seu Artigo 5º, que funcionários do alto escalão mantenham aplicações financeiras passíveis de serem afetadas por políticas governamentais, no Brasil e lá fora.

Enquanto isso, Guedes faz fortuna. Em apenas quadro dias, ele teve lucro de R$ 1,24 milhão com a desvalorização do real em relação ao dólar. De 18 a 21 de outubro, o patrimônio de US$ 9,55 milhões investido pelo ministro na offshore que mantém no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas subiu em média R$ 300 mil por dia devido a movimentos da própria área econômica do governo, liderada por ele.

Energia elétrica

Um dos motivos para a disparada da inflação neste ano foi a crise hídrica, a pior dos últimos 91 anos, resultado de um baixo volume de chuvas na região dos reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste, que respondem por 70% da geração de energia no país. A isso se somou a passividade do governo Bolsonaro, que demorou meses para reconhecer a gravidade da situação e pôs o País sob o risco de mais um apagão.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) foi obrigado a acionar as usinas termelétricas para garantir o fornecimento de energia neste ano. As térmicas, porém, são mais poluentes e caras, o que elevou o custo de geração de energia em 2021, repassado aos consumidores por meio das bandeiras tarifárias. A última bandeira foi definida em agosto: a “tarifária escassez hídrica”, que adiciona R$ 14,20 às faturas para cada 100 kW/h consumidos. Ela vale até hoje no Brasil, com exceção das famílias de baixa renda.

Em novembro, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou que a conta de luz dos consumidores incluídos na Tarifa Social de Energia Elétrica passaria a ter bandeira tarifária verde — a mais barata. No IPCA de novembro, custos com habitação foram novamente pressionados pela energia elétrica (1,24%). Os gastos das famílias neste segmento acumularam uma alta de 31,87% nos últimos 12 meses.

Combustíveis

Os principais vilões da inflação de 2021 foram os combustíveis devido à política de preços da Petrobras – ou Preços de Paridade de Importação (PPI) –, modelo adotado no governo Temer e mantido por Bolsonaro. O problema afeta não apenas quem tem carro – mas todo o setor de transportes e logística, influenciando os custos de praticamente todos os setores da economia. Com a alta do dólar e a maior demanda global por petróleo, a PPI impôs altas recordes no preço dos combustíveis no Brasil.

O barril está supervalorizado, em grande parte, porque quando a pandemia começou, no início de 2020, os países que mais exportam petróleo reduziram a produção. Na época, diminuir a oferta foi uma forma de evitar que o preço do barril caísse muito. Porém, com a retomada das atividades neste ano, a procura aumentou, mas a produção, ainda não.

Assim, o que tem para comprar ficou mais caro e em dólar, explicaram os economistas. Em 12 meses até novembro, os combustíveis subiram, todos eles, mais de 40%. No caso do etanol, a alta acumulada chegou a quase 70%. Já a gasolina subiu 50% no período, segundo o IBGE.

Em artigo publicado na revista CartaCapital, o economista Henrique Jager (UFRRJ), ex-presidente da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros) e atual pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), denunciou os impactos da política de preços. “As consequências para a sociedade brasileira da adoção do PPI são enormes, seja na aquisição direta dos produtos mais caros, seja no impacto que provoca nos custos dos demais segmentos da economia, impactando de forma generalizada no custo de vida “, escreveu Jager.

“É uma política absurda que visa conceder espaço de mercado a concorrentes, segurança a esses entrantes, proteção aos importadores de derivados (com destaque para a Shell e a Mubala), gerar dividendos para acionistas minoritários e facilitar o processo de privatização”, analisa Anelise Manganelli, economista e técnica do Dieese, “Vale destacar que se ocorre uma grande privatização (como a que está em curso), as possibilidades de aumentos ainda mais abusivos são reais. E pior: se o governo percebe que precisa regular de alguma forma, corre-se o risco de ter a produção direcionada para a exportação e, portanto, podendo refletir, inclusive, em desabastecimento.”

Com informações do G1, Folha, UOL, CartaCapital, RBA e ExtraClasse