População sofre com austericídio de Paulo Guedes e alta dos juros

Segundo cálculos do doutor em economia Paulo Kliass, uma elevação na Selic como a da última reunião do Copom, de 5,25% a.a. para 6,25% a.a., um ponto percentual, significa uma despesa de R$ 54 bilhões a mais em um ano para o governo.

A Fome Voltou. Lambe lambe em muro na Avenida Paulista, altura da rua Haddock Lobo. São Paulo, SP. 16 de abril de 2021. Foto: Roberto Parizotti.

A aceleração do ritmo de aumento da taxa de juros básica da economia, a Selic, pelo Comitê de Política Monetária (Copom), vai custar R$ 54 bilhões à população brasileira, em juros da dívida pública. Além de inócua no objetivo de combater a inflação, a alta da Selic, que foi de 5,25% para 6,25% na última reunião do Copom é um crime contra a população, que já sofre com o flagelo da fome por conta da política austericida do Ministro da Economia, Paulo Guedes.

A opinião é do doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal Paulo Kliass, para o qual, com o aumento dos juros, o Banco Central está transferindo recursos das famílias, dos trabalhadores e das empresas para os bancos e instituições financeiras, agravando os problemas econômicos e sociais do país, sem horizonte de alívio dentro da cartilha do Governo Bolsonaro.

“Paulo Guedes é contra qualquer medida em que o estado tenha regulação. Se o problema for fome, miséria, quebrar empresas, não tem problema. A cabeça dele é uma planilha de oferta e demanda”, lamentou Kliass, em entrevista ao Portal Vermelho. “Podemos atribuir a fome no Brasil ao Paulo Guedes e ao que eu chamo de austericídio, essa política de austeridade que provoca o homicídio da população. Com os governos Lula e Dilma, o Brasil saiu do mapa da fome da Organização das Nações Unidas (ONU). Depois começou o enfraquecimento da Conab e Paulo Guedes zerou os estoques reguladores, porque na visão dele isso significa promover distorção no mercado”, acrescentou.

Paulo Kliass – Foto: Filipe Calmon – ANESP

Combate à inflação

A decisão a respeito da taxa básica de juros da economia, a Selic, cabe ao Comitê de Política Monetária, o Copom, que é composto pelos diretores do Banco Central. A cada 45 dias acontece uma reunião do Copom, na qual é decidida a Selic.

Essa receita vem desde o Plano Real. Quando houve a mudança do padrão monetário, com o Real, havia a preocupação com a necessidade de estabilidade da moeda e de eficácia no combate à inflação. A moeda mudou no Plano Collor, no Plano Cruzado, no Cruzado 2 e no Plano Bresser. Porque em 1994 daria certo se havia esse passado?

Então se definiu essa sistemática, da taxa de juros como principal instrumento para controle de preços.

Mas o Federal Reserve, o Fed, que é o Banco Central dos Estados Unidos, por exemplo, não define a taxa de juros apenas pela inflação. Ele leva em conta também a taxa de emprego. É uma preocupação a mais, além do crescimento dos preços.

O que está por trás dessa lógica é a crença de que, se eu elevar os juros, controlo a inflação. Mas não necessariamente por meio da taxa de juros vou controlar a inflação.

Oferta e demanda

Essa forma de controle da inflação, pela taxa de juros, funciona quando há excesso de demanda, ou seja, muito recurso sobrando na economia e os atores econômicos estão com desejo de comprar. Neste caso, se mantida a mesma oferta de produtos e serviços, haveria um aumento do preço. É o que acontece no mercado da batatinha na feira, mas no agregado da economia é diferente.

No Brasil, os preços estão subindo pelo lado da oferta, no caso dos alimentos. Eles não estão crescendo porque há muita gente querendo comprar. Existe um problema de estrutura, de falta de estoques reguladores associado a um movimento especulativo nos preços da soja, dos grãos. Tivemos ainda a seca afetando a safra agrícola.

Ao mesmo tempo, há o aumento de preço da energia e dos derivados do petróleo, como diesel de caminhão e gás de cozinha.

Esse governo tem uma política criminosa em relação à Petrobras que atrela os preços às variações do mercado internacional. Com isso, o Brasil exporta petróleo e importa derivados.

Não adianta aumentar a Selic para atacar esses problemas.

Aumento da Selic

O quanto a taxa de juros está crescendo? Seis meses atrás, até 18 de março, a Selic era 2% ao ano. Nesta última reunião do Copom, foi aumentada para 6,25%. Ou seja, em 6 meses, a Selic sofreu um aumento de 200%, o que significa que triplicou. Nenhum produto aumentou 200% nos últimos seis meses.

Trata-se de um crime contra a maior parte da população porque o custo financeiro vai aumentar e se está transferindo recursos das famílias, dos trabalhadores, das empresas sejam pequenas, médias ou mesmo grandes, de todo o setor produtivo para os bancos e instituições financeiras.

Além disso, o BC não controla o spread, a sobretaxa que os bancos cobram sobre os empréstimos. O Brasil tem um dos maiores spreads bancários do mundo.

Dívida pública

Outro aspecto importante é que a Selic é a principal referência para custeio da dívida pública brasileira. A maior parte dos títulos tem remuneração atrelada à Selic. A nossa dívida pública está da ordem de R$ 5,4 trilhões, segundo o último boletim do Tesouro Nacional.

Uma elevação na Selic como a da última reunião do Copom, de 5,25% a.a. para 6,25% a.a., um ponto percentual, significa uma despesa de R$ 54 bilhões a mais em um ano para o governo. Qual é o impacto de cada aumento da Selic para a dívida pública? Essa que é a questão.

Presença do Estado

A inflação que estamos vivendo é de preços administrados, diretamente controlados pelo governo, e também daqueles em que o governo tem possibilidade direta de interferir. Então estamos sofrendo com a inflação do diesel, da gasolina, do gás de cozinha, do querosene de avião, e da energia elétrica. São itens que estão pesando muito, mas em outro conjunto de preços que não são administrados, mas são vinculados a commodities, como petróleo, exportações de soja, trigo, suco de laranja, carnes, bovina, suína, aves.

Por isso, sempre houve os estoques reguladores, para que o governo possa ter uma postura de impedir esses movimentos especulativos, de oferta e não de demanda, quando os produtores preferem exportar porque o retorno vai ser maior e deixam de atender ao mercado interno ou quando há uma uma seca que produz quebra de safra.

O que o Brasil sempre fez, até chegada do Paulo Guedes, era ao longo do ano o governo ir comprando os estoques para, em crises, regular oferta e demanda. O que aconteceu com a carne foi isso. Os atravessadores e exportadores preferem exportar. É o momento em que o governo tem que entrar e dizer que a prioridade é atender o mercado interno, à população brasileira. O preço não é administrado, mas o governo poder intervir para administrar o preço da carne.

A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) sempre fez isso, estudar os mercados para ver como aumentar a oferta e reduzir o preço. Já outros países estabelecem sobretaxa à exportação de carne.

Mapa da fome

Paulo Guedes – Adriano Machado – Reuters

A Conab foi criada em 1943. Começou como Cobal, depois se tornou a Cibrazem, que tinha um complexo na área de agropecuária, do governo federal. Mesmo em governos neoliberais, como os de FHC e Collor, e na ditadura militar existiam os estoques reguladores. Qualquer país capitalista do mundo tem isso, porque preços de alimentos são estratégicos. A União Europeia tem a política agrícola do mercado comum, para defender seus produtos. Vai tentar vender vinho para a França ou milho para os Estados Unidos… eles protegem e estão certos. A gente que fica com esse liberalóide achando que está sendo moderno, mas está destruindo o país.

A população brasileira está em seu principal índice de endividamento da história. Se está endividado e parte importante é pagar empréstimo, quando aumenta Selic, tem impacto direto e indireto porque os produtos também vão incorporar as taxas de juros, repassando preços. O único setor que não perde são os bancos, que ganham. O Governo não tem dinheiro para bolsa família, saúde, educação, mas em uma tacada só já destinou R$ 54 bilhões para despesas financeiras.