Conselho da Mulher repudia uso do Disque 100 por antivacinas

Conselho Nacional dos Direitos da Mulher questiona a ministra Damares Alves por estimular o uso do disque denúncia para atacar estabelecimentos que exigem comprovante de vacinação.

Damares

O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) aprovou moção de repúdio à orientação da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, sobre o uso do disque 100 para “reclamações de antivacinas que se sintam pressionados a vacinar crianças”.

Reportagem da Folha de S. Paulo publicada em 27 de janeiro revelou a existência de uma nota técnica elaborada pela pasta que ataca o passaporte vacinal. O documento critica ainda a obrigatoriedade de imunização de crianças. O ministério, na nota, põe o Disque 100 à disposição dos antivacinas.

O portal Vermelho conversou com Vanja Andréa Santos, que é integrante do CNDM, como presidente nacional da União Brasileira de Mulheres (UBM). Segundo ela, a aprovação da moção foi difícil devido ao controle do Conselho sob comando bolsonarista. “Nosso embate é muito grande e vivemos uma realidade completamente adversa dentro do Conselho”, explicou a conselheira.

Ouça a íntegra da entrevista abaixo:

Com esta moção, é possível fazer uma disputa maior sobre o assunto, além de dar visibilidade a ela na sociedade. Desta forma, ela considera uma derrota para Damares e Bolsonaro. “Mesmo que a ministra engavete a moção, vamos enviar à Procuradoria Geral da República para expressar a posição do Conselho”, garantiu ela.

Vanja considera que o avanço da vacinação tem ocorrido apesar do governo Bolsonaro e suas medidas antivacina. Na opinião dela, neste momento em que se inicia a vacinação de crianças e adolescentes, a ministra Damares presta um desserviço à campanha de imunização contra a covid ao desvirtuar a função do Disque 100, ao considerar que não tomar a vacina é um direito humano que está sendo violado.

Em entrevista para o jornal Hora do Povo, Glaucia Morelli, presidente da Confederação das Mulheres do Brasil (CMB) e também integrante do CNDM, afirmou que o repúdio ao uso do Disque 100 “é fundamental na luta contra o negacionismo, na medida em que o governo cria vários empecilhos para a não aprovação da nota”.

Glaucia afirmou que enquanto Damares vira as costas para as necessidades da população, que quer se vacinar, precisando que seus filhos se vacinem, para voltar à escola, o ministério usa verba pública para efetivar sua política negacionista.“É incrível que na situação que nós estamos onde as crianças querem voltar pra escola, as mães precisam que as crianças voltem pra escola, para as creches, para poder fazer alguma coisa pra sobreviver e a ministra que se diz dos direitos humanos e da família coloca verba pública num disque denúncia a serviço do negacionismo virando as costas para as necessidades da saúde das crianças e das mulheres e impedindo a imunização, criando mais confusão na questão da vacinação”, diz.

“Nós da CMB sempre exigimos a carteira de vacinação para a participação em todos os benefícios conquistados coletivamente pela nossa entidade, porque era uma forma da gente conseguir verificar se as mães que nós temos filiadas estavam cuidando bem das orientações da ciência no sentido de manter a vacinação dos seus filhos em dia. Agora estamos tendo que enfrentar essa situação”, concluiu.

A moção apresenta os argumentos que questionam a medida do Ministério, estabelecendo as premissas do questionamento jurídico sobre a nota técnica da pasta. Com isso, ela força as evasivas Damares a sair das evasivas e assumir um comprometimento com suas decisões sobre o assunto. Conforme o assunto está vindo a público pela imprensa, ela vem negando e desconversando sobre as especificidades da nota técnica.

Ao ligar para o Disque 100, desde o início da chamada é oferecida a opção de “realizar uma denúncia relacionada à violação de direitos humanos causada pelo coronavírus”. O atendimento explica que é possível denunciar estabelecimentos que barram pessoas não vacinadas. O denunciante precisa apresentar o nome do suspeito à frente do estabelecimento e o endereço. Mesmo sem sofrer a discriminação, é possível denunciar um estabelecimento que tenha essa prática.

Pedindo explicações

Em ofício a Damares, o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, estabeleceu prazo de dez dias para que a ministra explique se a pasta “adotou ou pretende adotar alguma ação concreta no sentido de disponibilizar formalmente o canal Disque 100 para denúncias” de antivacinas.

A PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão) é um colegiado que funciona no âmbito da PGR (Procuradoria-Geral da República).

O pedido de explicação foi feito após a reportagem sobre a nota técnica. O documento da pasta, concluído no dia 19 de janeiro, foi assinado por três secretários e um diretor.

A nota técnica foi endossada por Damares, que a encaminhou a ministérios, como o da Economia e o do Trabalho e da Previdência, a partir do dia 21 do mesmo mês.

“Para todo cidadão que por ventura se encontrar em situação de violação de direitos, por qualquer motivo, bem como por conta de atos normativos ou outras medidas de autoridades e gestores públicos, ou, ainda, por discriminação em estabelecimentos particulares, está disponível o canal de denúncias, que pode ser acessado por meio do Disque 100”, diz a nota técnica.

A PFDC cobrou então de Damares mais três explicações: se a nota técnica representa a posição do ministério; qual fundamento a pasta usou para considerar violação de direitos humanos uma medida de saúde pública prevista em lei e referendada pelo STF (Supremo Tribunal Federal); e se a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos será compelida a receber denúncias de antivacinas.

Para Vilhena, que é subprocurador-geral da República, a conduta do ministério é “digna de preocupação”.

O procurador federal enviou o ofício com os questionamentos antes de uma decisão sobre pedir ou não a abertura de uma investigação a respeito dos atos da pasta.

MOÇÃO DE REPÚDIO AO DISQUE-DENÚNCIA PARA ANTIVACINAS

O CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER – CNDM órgão colegiado de natureza consultiva e deliberativa, criado pela Lei nº 7.353, de 29 de agosto de 1985 e regulamentado pelo Decreto Nº 6.412, de 25 de março de 2008, cuja finalidade é formular e propor diretrizes de ação governamental voltadas à promoção dos direitos das mulheres e atuar no controle social de Políticas Públicas de igualdade de gênero, em sua ________________Reunião Ordinária, realizada nos dias _________ deste mês de fevereiro de 2022, no uso de suas competências legais,

CONSIDERANDO que o Art. 196 da Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”;

CONSIDERANDO o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992, em especial no seu Art. 12 – 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental; 2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças; d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade;

CONSIDERANDO que o Art. 14, § 1º, da Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) estabelece que “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”;

CONSIDERANDO as Recomendações do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em especial: nº 039, de 12 de maio de 2020, Recomenda aos Governadores Estaduais e Prefeitos Municipais o estabelecimento de medidas emergenciais de proteção social e garantia dos direitos das mulheres; nº 067, de 03 de novembro de 2020, Recomenda a adoção de medidas que visam a garantia do acesso à vacinação enquanto estratégia de enfrentamento à pandemia da Covid-19; nº 069, de 12 de novembro de 2020, Recomenda a adoção de medidas de enfrentamento à desestatização e proteção da Atenção Básica e do Sistema Único de Saúde; nº 071, de 11 de dezembro de 2020, Recomenda medidas corretivas que promovam a execução orçamentária e financeira do Ministério da Saúde com a celeridade requerida pela emergência sanitária causada pela pandemia do Covid-19; nº 072, de 21 de dezembro de 2020, Recomenda a distribuição obrigatória a todas as pessoas, pela rede SUS, de máscaras adequadas e reutilizáveis, para fazer frente às necessidades emergenciais da população diante da pandemia da COVID-19; nº 073, de 22 de dezembro de 2020, Recomenda ao Ministério da Saúde a ampliação do Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19 para toda a população brasileira.

CONSIDERANDO a Nota Técnica nº 02/2022 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) acerca da vacinação de crianças de 5 a 11 anos (disponível em < https://www.cnpg.org.br/images/arquivos/documentos_publicos/notas_publicas/2019/2020/2021/2022/Nota_Tecnica_022022CNPG_-_vacinacao_de_criancas-2.pdf>);

CONSIDERANDO que o Disque Direitos Humanos (Disque 100) é uma ferramenta utilizada para recebimento de denúncias de violência contra mulheres, crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, pessoas em situação de rua e população LGBTQIA+;

Vem, nos termos do art. 14, I, do seu Regimento Interno, no exercício das competências especificadas no art. 4.º, alíneas “e” e “g” da Lei n.º 7.353, de 29 de agosto de 1985 e nos arts. 1.º e 2.º do Decreto 6.412, de 25 de março de 2008, com as alterações promovidas pelo Decreto 8.202/2014:

MANIFESTAR repúdio a posição contrária do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos à adoção do passaporte da vacina nas instituições de ensino e à obrigatoriedade de imunizar crianças contra a Covid-19.

MANIFESTAR repúdio ao desvio de função do Disque 100 autorizado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos como um canal à disposição dos antivacinas que julguem sofrer ‘discriminação’.

RECOMENDAR à Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos empenho e atitudes concretas de medidas emergenciais de proteção social e garantia dos direitos fundamentais das mulheres e de suas filhas e filhos, em cumprimento ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/1990).

RECOMENDAR ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos empenho e atitudes concretas na defesa dos direitos fundamentais das mulheres, das crianças e adolescentes e de toda a população brasileira à vida.

Brasília, ___de fevereiro de 2022.

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER

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