Petrobrás: o pacto Bolsonaro-Adriano Pires

Preços extorsivos dos combustíveis são um incômodo e um convite a refletir. O ano eleitoral facilita a ação.

Uma revelação do jornalista Tales Faria fechou o círculo e ajudou a entender, na tarde de ontem (29/3), o que até então parecia mistério, em relação à mudança de comando na Petrobras. Por que Jair Bolsonaro teria defenestrado, da presidência, o general Joaquim Silva e Luna, e colocado em seu lugar alguém – o lobista e Adriano Pires – que defende as mesmíssimas políticas hoje praticadas pela estatal? Segundo Tales, algo fez a diferença. O ex-capitão teria prometido a Pires entregar-lhe o comando da privatização da empresa, caso se reeleja em outubro.

O lance é temerário. Embora tenha dito mais de uma vez que “preferiria” uma Petrobrás privada, Bolsonaro jamais ousou afirmar abertamente que agirá quer livrar-se da empresa – e abrir mão, portanto, da riqueza petroleira do país. Sabe que as consequências políticas e eleitorais podem ser graves. Por isso, continua Tales Faria, o jogo de cena perdurará.

Bolsonaro não assumirá a proposta. Mas garantiu, ao futuro presidente da estatal (Adriano Pires assumirá em 13/4), que levará até o fim as políticas que já conduzem à privatização. Esta promessa abre espaço para um pacto com vistas às eleições. Pires poderia rever a política de preços extorsivos de combustíveis (PPI) imposta à população. Os especuladores, que hoje ganham muito com esta política, teriam uma redução temporária de lucros. Ao controlarem a cobiça, ajudariam a evitar uma vitória de Lula. Passado o pleito, poderiam refestelar-se abocanhando de vez a Petrobrás.

A relação entre os preços abusivos dos derivados de petróleo e o desmonte da Petrobras foi detalhada por Outras Palavras em três textos publicados nos últimos dias. Desde 2018, quando adotou-se o chamado preço de paridade com a importação, os combustíveis subiram 2,3 vezes mais que inflação – já muito alta. Em consequência, os lucros da estatal dispararam: chegaram a R$ 116 bilhões em 2021 – mais que os ganhos combinados dos quatro maiores bancos brasileiros.

Mas a companhia não reteve estes ganhos. Transferiu 95,3% deles a seus acionistas – grandes fundos de especulação, internacionais e brasileiros. Com isso, deixou de investir. Ao contrário: passou a se desfazer de subsidiárias (BR Distribuidora, refinarias, braço petroquímico, usinas de fertilizantes) essenciais a sua operação. É um movimento claramente suicida.

Bolsonaro não se opõe a este processo. Mas, por ter sensibilidade eleitoral, sabe dos efeitos da gasolina, diesel e gás de cozinha muito caros. Há meses passou a atacar o general Silva e Luna. Mas, partidário da privatização, não tinha como substituí-lo — exceto por alguém que fizesse a mesma coisa que ele…

O pacto com Adriano Pires é uma tentativa de sair do impasse. O fato de o futuro presidente da Petrobras ser um aventureiro que jamais dirigiu empresa de petróleo – limitando-se a dar “consultoria” para clientes cujo nome oculta – revela a natureza da trama. Ainda assim, não será fácil executá-la. Para que funcione, o “mercado” terá de abrir de abrir mão de ganhos fartos agora para tentar obter a recompensa adiante. Mas para entregar o que promete, Bolsonaro precisa vencer as eleições. Os cassinos financeiros apostarão nisso?

De qualquer forma, vale observar que a ultradireita está viva e atuante. Não aceitará facilmente a derrota. Para evitá-la, conta com a despolitização das maiorias. Parte muito relevante da população perdeu a capacidade de acreditar em políticas de transformação de longo prazo. Espera apenas “gasolina barata na bomba”.

Enfrentar a manobra requer um esforço de repolitização – perfeitamente possível. Os preços extorsivos dos combustíveis (um botijão de gás custa o equivalente a dois dias e sete horas de trabalho de quem ganha salário mínimo), são um incômodo e um convite a refletir. O ano eleitoral facilita a ação. Há espaço para que Lula fale do PPI, do desmonte da estatal, da cobiça dos especuladores e, em especial, da possível reconstrução da Petrobras como empresa pública.

Mas há uma barreira a enfrentar. Este discurso choca-se frontalmente com as políticas neoliberais e os interesses da oligarquia financeira. Como se sabe, trata-se de uma classe reduzidíssima em número e parasitária – mas extremamente capaz de influenciar a política institucional, a mídia e o Judiciário. Haverá disposição de encará-la?

A reconstrução do Brasil em novas bases é um projeto capaz de mobilizar múltiplos setores sociais. Não interessa apenas aos trabalhadores e aos precarizados. Pode sensibilizar o grosso das classes médias (hoje sem perspectivas profissionais e de fruição da vida), as pequenas e médias empresas (endividadas e ameaçadas de falência) e mesmo setores do capital não totalmente financeirizados. Mas não será possível avançar sem entrar em choque com o projeto de recolonização do Brasil que o neoliberalismo expressa – e que defenderá com unhas e dentes.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho

Publicado originalmente no Outras Palavras

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