Bolsonaro tira bandeira tarifária com uma mão e aumenta conta de luz com a outra

Aneel aprova reajuste na conta de luz em quatro estados do Nordeste (RN, SE, BA e CE), logo após Bolsonaro propagandear que o consumidor não precisaria mais pagar a bandeira tarifária.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou nesta terça-feira (19) reajustes tarifários na conta de energia elétrica de distribuidoras que atendem consumidores em quatro estados: Ceará, Bahia, Sergipe e Rio Grande do Norte. Com isso, segundo Ikaro Chaves, diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel), o presidente Jair Bolsonaro (PL) “deu com uma mão e tirou com a outra”, ao usar o “fim” da bandeira tarifária como propaganda em ano eleitoral.

A aprovação do aumento acontece logo após o presidente encenar o suposto fim da cobrança extra na conta de luz, a bandeira tarifária de escassez hídrica, que inflacionou muito a conta para o consumidor em plena pandemia de desemprego. Segundo o governo, o fim da cobrança extra faria as contas de luz caírem 20%, mas com os novos reajustes, a Aneel admite que a queda será imperceptível. As bandeiras tarifárias amarela ou vermelha só podem ser cortadas se não houver outra crise de chuvas que afete os reservatórios de água.

Em pleno ano eleitoral, o governo Bolsonaro antecipou o fim da bandeira de escassez hídrica, que possui taxa no valor de R$ 14,20 por 100 kWh. Criada em setembro do ano passado, a tarifa representou um aumento de quase 50% em relação à bandeira vermelha patamar 2, que era aplicada antes para compensar os custos das geradoras com compra de energia termelétrica. A esperança de uma economia no orçamento caiu imediatamente por terra, com o anúncio de reajustes pelas distribuidoras.

Ikaro explica ao portal Vermelho os motivos desses movimentos que pressionam ainda mais a renda dos consumidores, já afetada por outros serviços e produtos inflacionados. Segundo ele, a revisão tarifária anual visa a equilibrar os preços da distribuidora, que repassa os custos da energia gerada em toda a cadeia produtiva. Para Íkaro, o que tem pesado no custo ao consumidor é o gasto com a compra de energia. “O que pressionou os preços este ano foi, justamente, a elevação dos custos da energia no ano passado, por causa da famigerada crise hídrica energética”.

Como dois terços da energia elétrica no Brasil é gerada em usinas hidrelétricas, a falta de chuvas obrigou a compra maior de energia termelétrica, que é mais cara. A bandeira tarifária existe para cobrir esse gasto a mais e dar liquidez à distribuidora, que só pode reajustar anualmente. Se não fosse esse mecanismo, a empresa teria que tomar dinheiro emprestado e repassar os juros para o consumidor. “Ao mesmo tempo, a bandeira sinaliza para o consumidor que ele precisa economizar energia”, acrescentou.

Ikaro diz, inclusive, que o custo adicional de R$ 20 bilhões da energia termelétrica, deveria ter dobrado o custo da bandeira tarifária, de R$ 14 o kw/h para R$ 30. Para que não houvesse o caos com esse custo repassado para o consumidor todo no ano passado, o reajuste vem agora para cobrir essa diferença. “No final das contas, ainda vai haver elevação da tarifa, um pouco menor do que haveria se ainda houvesse a bandeira vermelha. Isso foi pura sorte, porque tivemos chuvas suficientes para evitá-la.”

“O consumidor não vai sentir redução nenhuma na conta de luz, pelo contrário, vai sentir até um pouco mais de aumento”, salientou. Ele também explica que o reajuste está sendo autorizado em estados do Nordeste, porque há uma divisão regional, para que os aumentos não engarrafem todo o país ao mesmo tempo e repiquem muito os índices inflacionários. “Todo mundo vai ter reajuste, este ano, não apenas o Nordeste”.

Média de 20% de aumento

No Ceará, o reajuste tarifário anual da Enel Distribuição, empresa que atende cerca de 3,8 milhões de unidades consumidoras, foi de 24,85%, na média. O aumento entra em vigor no dia 22 deste mês. Segundo a Aneel, a combinação do reajuste tarifário aprovado com o término da cobrança da bandeira de escassez hídrica resultará, porém, em um efeito tarifário para o consumidor B1 residencial convencional de 0,09%.

O reajuste tarifário anual da Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Neoenergia Coelba) entra em vigor também no dia 22, com aumento de 20,73% para o consumidor residencial. A empresa atende cerca de 6,3 milhões de unidades consumidoras no estado.

De acordo com a Aneel, por causa do fim da cobrança extra na conta de luz, com o fim da bandeira escassez hídrica, o efeito tarifário para o consumidor B1 residencial convencional deve ser -1,58%.

A Aneel também aprovou o reajuste tarifário anual da Companhia Energética do Rio Grande do Norte (Neoenergia Cosern). As novas tarifas da empresa, responsável pela distribuição de energia a 1,5 milhão de unidades consumidoras do estado, entram em vigora no dia 22, com reajuste de 19,87% para o consumidor residencial. Os itens que mais afetaram a correção foram os encargos setoriais, os custos de distribuição e a retirada de financeiros anteriores.

Apesar do reajuste, a combinação com o término da cobrança da bandeira de escassez hídrica resultou em um impacto tarifário para o consumidor B1 residencial convencional de -4,11%, diz a agência.

O estado de Sergipe também terá reajuste na conta de luz. A Aneel autorizou a Energisa Sergipe – Distribuidora de Energia S.A (ESE) a aplicar aumento de 16,46% na tarifa para o consumidor residencial, a partir do próximo dia 22. A empresa atende cerca de 825 mil unidades consumidoras no estado.

De acordo com a agência reguladora, da mesma forma, por causa do fim da cobrança da bandeira tarifária de escassez hídrica, o reajuste na conta será atenuado, com impacto tarifário para o consumidor B1 residencial convencional de -6,15%.  

Quando anunciou a mudança para bandeira verde, no último dia 6, o Ministério de Minas e Energia justificou que os reservatórios estão mais cheios que no ano passado e “o risco de falta de energia foi totalmente afastado”.