Cláudio Castro aprofunda a violência policial como política de Estado no Rio de Janeiro

Apesar das 26 mortes na Chacina da Vila Cruzeiro, o governador do Rio, Claúdio Castro, um dos principais aliados de Jair Bolsonaro, classificou o episódio como efeito colateral. Pesquisa mostra que entre 2020 e 2021, aconteceram 79 chacinas na região metropolitana do Rio.

Pessoas levadas para o Hospital Estadual Getúlio Vargas não resistiram e morreram. Foto: Coletivo Voz das Comunidades

Há décadas que a população do Rio de Janeiro sofre com os efeitos de uma política de segurança pública equivocada, baseada na repressão violenta focada nas regiões periféricas e que atinge as pessoas mais pobres, sobretudo, da região metropolitana.

O uso da violência como política de Estado vem causando episódios como o ocorrido no dia 24 de maio na Vila Cruzeiro, palco de uma chacina policial que provocou a morte de 26 pessoas. Essa foi a segunda operação mais letal da História.

A ação foi realizada pelo Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Rio de Janeiro em conjunto com Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF).

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Moradores da comunidade relataram cenas de tortura e de violência extrema. O jornal Folha de S. Paulo entrevistou algumas vítimas e, de acordo com uma mulher que mora na Vila Cruzeiro, a sua casa foi metralhada às 3h30 da manhã,  “A gente se jogou da cama para o chão e começou a gritar, dizendo que na casa tinha morador, que a gente era trabalhador. Mas eles (…) continuaram atirando”, afirmou a moradora.

Enterro do mototaxista Ricardo, uma das vítimas da chacina. Foto: Voz das Comunidades

A reportagem do Portal Vermelho tentou ouvir outros moradores da Vila Cruzeiro sobre a chacina, entretanto, ninguém quis falar com medo de represálias.

Apesar das 26 mortes e das denúncias de tortura e de execução, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, chamou o episódio de efeito colateral e negou que houve uma chacina. “Não houve chacina alguma. O que houve foi uma operação que a polícia entrou às quatro da manhã e tinha um bonde fortemente armado saindo. Eles tentaram fazer chacina com a polícia. Não há chacina alguma. (…) Infelizmente, tem hora que o efeito colateral da operação é esse”, pontuou o governador.

Cláudio Castro é um dos principais aliados de Jair Bolsonaro e tem mostrado sua fidelidade também através da política de segurança pública adotada no seu governo. Operações como a realizada na Vila Cruzeiro vão de encontro à decisão do STF sobre as incursões policiais nas comunidades fluminenses, o que é encarado por alguns analistas como mais uma provocação do bolsonarismo à Suprema Corte brasileira. Nas palavras do jornalista Marcelo Auler, “foi uma chacina planejada. Não foi algo ao acaso, e o planejamento foi minucioso para ludibriar o Supremo Tribunal Federal”.

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Segundo o advogado criminalista e coordenador do Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), Djefferson Amadeus, a própria narrativa oficial em torno do caso tenta descredibilizar o STF.

Cláudio Castro e o aprofundamento da política da morte

O governo de Cláudio Castro (PL) vem agudizando o problema da violência policial no estado. O governador aprofundou, em sua gestão, o uso da violência como política de Estado e o resultado é tenebroso.

Segundo o Relatório Anual do Instituto Fogo Cruzado, a violência nas operações policiais no Rio de Janeiro cresceu de forma significativa em 2021. Em um ano o número de tiroteios nas ações da polícia foi ampliado em 15%. Apenas durante os anos de 2020 e 2021, aconteceram 79 chacinas na região metropolitana do Rio de Janeiro em ações policiais, resultando em 329 mortes.

Chacina do Jacarezinho em maio de 2021 deixou 28 mortos. Foto: reprodução

Jacqueline Muniz, cientista política, antropóloga e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), falou sobre a amplitude do problema na atual conjuntura política do Rio de Janeiro “No caso do Rio de Janeiro fica muito evidente que se tem vários governos autônomos. Tem o governo do Castro, tem o governo policial, o governo miliciano e os governos do tráfico. O senhor governador não governa as polícias, ele aceitou e deliberou para o mundo do pode tudo. Isso sabota a possibilidade de prestação de serviços policiais de qualidade. Se trata de produzir um projeto que é a maximização da insegurança. Tem que lembrar que isso tem rendimento eleitoral”, disse a professora em entrevista a Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual. 

Cláudia Alexandre, que já perdeu dois filhos assassinados em ações policiais, ressaltou que a violência praticada pelo Estado aumentou muito na gestão de Cláudio Castro e pediu um basta nessa política de segurança pública. “A situação piorou muito, esse governo Cláudio Castro é exterminador e o extermínio é de pretos, pobres e periféricos, que morrem sem direito à defesa no Rio de Janeiro. […] Diante disso, as pessoas vivem amedrontadas e se escondem quando a polícia aparece, pois eles já chegam atirando e atingem quem não tem nada a ver. O que eu ouço muito é: o que vai acontecer? Como vamos ficar? Onde vamos parar? O Governo Cláudio Castro é um desgoverno pois deu total liberdade à polícia para matar. É preciso um basta! Deixem os nossos jovens viver!”.

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Medidas que poderiam reduzir práticas violentas da Polícia Militar no Rio de Janeiro são negligenciadas por Cláudio Castro. Isso fica evidente, por exemplo, no caso da implementação das câmeras nas fardas dos policiais fluminenses, que vinha sendo constantemente protelada pelo executivo estadual.

A Lei que instituiu o uso de câmeras pelos agentes da Polícia Militar do Rio foi sancionada em junho de 2021, entretanto, apenas no dia 28 deste ano, a PM começou a utilizar o recurso. Além do atraso, também é importante destacar o número reduzido de batalhões que já estão usando as câmeras: apenas oito: Botafogo, Méier, São Cristóvão, Tijuca, Olaria, Ilha do Governador, Copacabana e Leblon. Além disso, a transparência fica apenas no discurso, já o que uma resolução publicada pela Polícia Militar estabelece, por exemplo, que as imagens só terão acesso público após um ano. E um ano é o período máximo de armazenamento dos vídeos estabelecido pelo governo.

A violência policial é contra pobres e negros

As principais vítimas da violência praticada nas incursões policiais são os negros moradores das comunidades da região metropolitana do Rio de Janeiro.

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Pesquisa realizada pela Rede de Observatórios da Segurança apontou que o Rio é o estado com o maior número de mortes resultantes de ações policiais. Em 2020, 1.245 pessoas foram mortas pela polícia no estado, desse total, 86% são negros. Apenas na capital fluminense foram registrados 415 óbitos; 90% das pessoas mortas nas ações realizadas na cidade em 2020 eram negras.

Imagem da chacina da Vila Cruzeiro viralizou na internet

Essa realidade se repete em outros estados, mas a situação do Rio é a mais grave. De acordo com o coordenador de pesquisa da Rede de Observatórios de Segurança, Pablo Nunes. Segundo ele, os números d a violência no Rio de Janeiro se explicam pelo comportamento da polícia. “A gente tem um cenário que não tem paralelo com nenhum outro estado do país. A polícia do Rio mata muito. […] Em todos os estados analisados, eles (negros) estão mais representados entre o total de pessoas mortas do que na população geral. Isso evidencia uma estrutura brasileira de reprodução do racismo e de certa aceitação dessas mortes por meio da sociedade”, afirmou em entrevista ao Portal G1.

A violência policial como mecanismo de controle social

O coronel Ibis, ex-comandante da Polícia Militar, historiador, e especialista em segurança pública, ressalta que o poder punitivista serve também como mecanismo de controle social: “Na periferia do capitalismo, como o nosso país, o estado policial cai como uma luva. Não é por acaso que levou 30 anos para fazer uma lei – e uma lei muito ruim. Por isso, a gente até hoje não conseguiu dar conta desse modelo. O que me faz pensar que, de alguma maneira, cumpre uma finalidade dentro da forma social que opera na lógica da exclusão. O neoliberalismo opera na lógica da exclusão. E o que se faz com quem está excluído? Essa política de segurança pública centrada na guerra funciona nesse tipo de modelo. Temos um estado policial, não um estado democrático. No Brasil, o poder punitivista sempre teve uma aplicação formal e informal. É um fenômeno muito próprio do colonialismo, uma maneira de exercer controle social”, disse em entrevista ao The Intercept Brasil.

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Ele ainda salienta que há o uso sistemático da administração da exclusão através da violência. De acordo com o ex-comandante da PM-RJ, “o poder tolera a violência policial porque ela cumpre essa finalidade de um poder punitivo informal, que a gente herda da sociedade colonial. Só que isso é ineficiente para lidar com o medo. E ele vem desse uso sistemático da administração da exclusão através da violência. Não existem políticas públicas de médio e longo prazo. Aí a coisa gira em torno do voluntarismo, do “eu vou resolver isso prendendo”, ou “dando tiro na cabecinha”, como disse um governante. Fica tudo na base do voluntarismo, na solução mágica, no personalismo. Não vejo chance de termos direitos humanos nesse sistema neoliberal”.  

Quem ganha com essa política de segurança pública?

Operações como a da Vila Cruzeiro provocam questionamentos sobre a real eficiência desse tipo de ação no combate ao crime organizado. Incursões violentas nas favelas não atingem o centro de gravidade do problema pois não alcançam os verdadeiros chefes e grandes responsáveis pelo narcotráfico e por outras práticas criminosas. A professora Jacqueline Muniz é uma das estudiosas que vem chamando a atenção para essa questão.

 “Essa lambança que a gente assiste tem relação com essa autonomização (predatória das polícias), em que todo mundo bate palma. Só que cancelar CPF, respondendo ao presidente Jair Bolsonaro, não cancela a economia política do crime. (…) O dinheiro do crime vai para dentro das carreiras políticas que são as melhores lavanderias. Quando tem matança, é porque tem uma rede de corrupção por trás. E hoje está todo mundo comemorando ali nas coberturas do Rio de Janeiro, nos palácios. Quer brincar sério de enfrentar o crime organizado, começa a visitar os palácios de governo, as câmaras legislativas, porque o mercado ilegal segue de vento em popa”, afirmou a pesquisadora.

A cientista política e docente da Universidade Federal Fluminense (UFF) ressalta ainda que “as chefias do crime, que não estão nas favelas, estão comemorando o resultado dessa operação, porque quem ganhou foram os policiais corruptos. Subiu o preço da propina, o preço do alvará da drogaria ilegal que funciona das bocas de fumo. (….) Temos que cobrar das nossas lideranças políticas que tenham coragem de colocar o problema no lugar certo, esse é um problema político, de governabilidade e de controle”. 

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