Brasil perde Dom Cláudio Hummes, o cardeal dos operários
Defesa da justiça social pautou trajetória de Dom Cláudio Hummes, bispo de Santo André que abriu as portas da Igreja para o movimento operário do ABC em plena ditadura militar
Publicado 04/07/2022 18:20
Um dos mais importantes representantes da Igreja Católica da América Latina, Dom Cláudio Hummes, morreu nesta segunda-feira (4), aos 87 anos, deixando um legado de luta por justiça social. Ele tinha um câncer de pulmão. Seu corpo será velado na Catedral Metropolitana, na praça da Sé, região central da capital paulista.
Os primeiros gestos a destacarem o cardeal a ganharem o noticiário nacional foram nos anos da ditadura militar no Brasil, num período onde membros da Igreja Católica atuaram na tentativa de salvaguardar os direitos humanos, num contexto político marcado pela repressão e tortura.
Na época responsável pela Diocese de Santo André, Hummes abriu as portas das Igrejas do ABC para as assembleias de operários proibidas pelo governo militar, em 1979 e 1980.
Humes tornou-se cardeal em 2001 e tornou-se nome cotado na lista para Santo Pontífice. No conclave de 2005, o Washington Post chegou a destacar sua atuação pela promoção de justiça social e “contra as ações do capitalismo selvagem”.
Já em 1977, Dom Cláudio participou ativamente do Movimento Custo de Vida, quando apresentou moção de apoio ao lado do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André. “Apoio o Movimento do Custo de vida e suas justas reivindicações. O povo precisa se manter unido para vencer”, disse o bispo diocesano.
Na greve geral de 1979 , em pronunciamento na Igreja do Carmo, ele disse “(…) São vocês que decidem e a Igreja está aqui para dar força”. Ele ainda intercedeu pela libertação dos operários presos, conforme a greve crescia, com paralisação de cerca de 200 mil trabalhadores.
“As empresas devem deixar prevalecer sua consciência de justiça e atender as reinvindicações atuais. Além disso, a frustração de promessas já feitas traria reações negativas, são de lamentar também os casos de pressões indevidas e indignas sobre operários, para que desistam e voltem ao trabalho. Demissões e discriminações consequentes seriam de todo condenáveis. Também nada resolveria se os aumentos fossem agora concedidos e mais tarde descontados”, dizia o manifesto de apoio à greve assinado por Humes.
Pressionado pela própria igreja, decidiu ir a Roma consultar o próprio papa sobre suas convicções. O Papa João Paulo II abençoou seu trabalho e o mandou seguir em frente.
Primeiro presidente da Conferência Eclesial da Amazônia (Ceama), o cardeal também era conhecido pela defesa dos povos indígenas da Amazônia, dos “sedentos e famintos”, operários e vítimas das mudanças climáticas.
Ele atacou o decreto presidencial de Michel Temer que, em 2017, extinguiu a Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca), uma área que engloba nove áreas protegidas. O religioso também afirmou: “Aos povos indígenas devem ser restituídos e garantidos o direito de serem protagonistas de sua história. Sujeitos e não objetos do espírito e da ação do colonialismo de ninguém”.