Considerando a frio, oniricamente

Ter passe livre em amplo sentido na misteriosa Eurásia parece tão instigante quanto imaginar um novo e mais justo mundo para o futuro, com possibilidades horizontais para os mercados e povos

Foto: Sputnik / Pavel Bednyakov

Em fins dos anos 1980, quando o neoliberalismo entrava pelas portas da presidência da República, chegava também ao Brasil uma palavra ainda bem pouco familiar ao público – a Holística, ou Holismo, cujo conceito originou-se na Grécia antiga (Holos=Todo). O termo em si foi criado em 1927 por um sul-africano, fazendo frente ao cartesianismo: Jan Christiaan Smuts já entendia, então, ser preciso partir do todo para entender as partes, progressiva e integralmente, o oposto ao paradigma proposto por Descartes (para conhecer o todo é necessário dividi-lo em várias partes e estudar cada uma delas individualmente).

Quase cem anos depois, a holística parece estar se tornando real, aplicada ao contexto geoeconômico e político, porque, enquanto os neoliberais atlantistas brigam tenazmente para manter os seus impérios e expandir sua dominação às fronteiras da Rússia, um novo e promissor horizonte se delineia em meio ao caos provocado por eles com a guerra na Ucrânia – perigosa, sim, de levar a outra possível guerra mundial.

Que novo e fictício horizonte é esse?! – reagem os céticos escaldados. Pois não seria aquele anunciado e já posto em prática por Vladimir Putin, que consiste na abertura da era multilateral nas relações econômicas internacionais, inicialmente com os Brics mas logo expandidas a mais países já interessados, como também aspira Xi Jinping? “Ou você é soberano ou é uma colônia”, admissivelmente adverte o líder russo no enfrentamento à ditadura do mundo dolarizado.

Leia também: Fórum Econômico de São Petersburgo mostra que a Rússia não está isolada

Com a tendência ao fim da submissão ao dólar, a visão projetada pelo sul-africano Smuts parece mais próxima, no caso, da perspectiva de se ter o planeta como um todo e não mais dividido em dois (por força do império unipolar dos EUA) e “em convergência com perspectivas de tradições sapienciais milenares”, como ressaltou Roberto Crema nos primeiros estudos do Holismo, nos anos 1980, ligados à Cidade da Paz, em Brasília.

Poder se ter passe livre em amplo sentido na misteriosa Eurásia parece tão instigante quanto imaginar um novo e mais justo mundo para o futuro, com possibilidades horizontais para os mercados e povos. Também é estimulante vislumbrar que o reflexo desse novo sistema possa vir a favorecer o desenvolvimento equânime dos dois lobos cerebrais (que contêm, um, os elementos das exatas e o outro, o das humanas) e esse sapiens, integral, vir a se tornar menos contraditório e mais harmônico consigo próprio e com os outros.

E o cinema com isso? – É esperançoso o sonho de que a holística nos chegue pelos novos ventos soprados desde o Leste Europeu e em vasto âmbito. Mas enquanto ele não se concretiza de fato (e vai demorar para os do Sul Global, sobretudo para o Brasil, fértil quintal, presa antológica do Império), pelo menos o cinema da Rússia está aí para nos dar a conhecer um pouco mais desse continental país, portal entre Ocidente e Oriente. Vale apreciar a bela chance dada ao público pela turma do CPC-Umes.

Autor