Importação de armas de fogo é a maior dos últimos 25 anos no Brasil 

Em meio à política de estímulo ao uso desses artefatos empreendida pelo presidente Bolsonaro, país vê saltar para cerca de 1.200 o número de armas importadas por dia

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O número de armas de fogo importadas no Brasil nunca foi tão grande nos últimos 25 anos como é agora. A política de estímulo ao uso e de flexibilização nas regras para a aquisição desses artefatos, colocada em prática pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), ajuda a entender esse crescimento alarmante. Somente em julho, mais de 40 mil armas chegaram ao país — o que corresponde a mais de 1.200 por dia; em agosto, foram mais de 39 mil. 

As informações foram trazidas pelo jornal Valor Econômico a partir da análise de dados colhidos junto ao Ministério da Economia. Para se ter uma ideia do salto que esses números representam, entre 1998 e 2005, período que abarca os governo de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, foram menos de 3 mil por ano. Já entre 2006 e 2017 — governos Lula, Dilma e Temer — o volume chegou a, no máximo, 13 mil por ano. 

O aumento se deu a partir do governo Temer (28,3 mil), mas a explosão veio sob Bolsonaro: em 2019, 54,6 mil pistolas e revólveres foram importados; o número saltou para 105,9 mil em 2020, chegando a 119,1 mil em 2021. Os dados revelam o impacto de uma das principais mudanças trazidas pelo atual governo: a permissão para que civis pudessem comprar diversos calibres que até então eram proibidos. 

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Conforme destacou o jornal, “a advogada Isabel Figueiredo, pesquisadora e consultora na área de políticas públicas de segurança e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), fala em ‘uma corrida para compra de armas’ no país. E também vê o componente eleitoral como possível motivação para esse movimento. Ela prevê que no cenário de vitória de Lula, adeptos das armas tentarão até o fim do ano [antes da posse] comprar o que puderem”.

Artigo publicado no Anuário Brasileiro de Segurança Pública — assinado por Isabel Figueiredo, Ivam Marques e David Marques, que compõem o FBSP — salienta que “o resultado de três anos de incentivo à compra de armas é um país muito mais armado e com grupos de pressão pró-armas organizados e com portas abertas para transitar com absoluta fluidez em altas instâncias do Governo Federal e do Congresso Nacional. A quantidade de armas de fogo nas mãos de civis e CACs (caçadores, atiradores desportivos e colecionadores) ultrapassou, em muito, a quantidade de armas dos órgãos públicos”. 

O artigo aponta ainda, como alguns dos resultados desse processo, o fato de que “manchetes sobre acidentes e violência de gênero envolvendo armas passaram a fazer parte do cotidiano dos veículos de comunicação com uma intensidade nunca vista no país. Ainda pior, a facilidade na obtenção de armas de alto poder destrutivo, como fuzis, agora fabricados no Brasil, acelera a obtenção regular de armas e munições que acabam imediatamente desviadas ao crime”.

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Segundo o FBSP, apenas entre janeiro e junho deste ano, ao menos 674 armas legalizadas foram roubadas. De acordo com reportagem de O Globo, “após as mudanças na legislação durante o governo Bolsonaro, um único criminoso pode adquirir, com um registro de caçador, 30 armas, sendo 15 de uso restrito, e 90 mil munições por ano. Se o bandido tiver também a licença de atirador, consegue comprar mais 60 armas, 30 delas de uso restrito, e outras 180 mil munições. Se obtiver ainda o registro de colecionador, não terá limite de compra de armas, apenas a orientação de comprar só cinco de cada modelo”. 

Aumento indiscriminado 

No cômputo geral, a quantidade de armas de fogo registradas no Brasil triplicou desde que Bolsonaro tomou posse, chegando a um milhão neste ano, segundo dados colhidos pelos institutos Igarapé e Sou da Paz via Lei de Acesso à Informação. 

Documento elaborado pelos dois institutos com dez propostas para as eleições presidenciais deste ano aponta que “poucas políticas caracterizam mais o governo atual do que a desconstrução da política de controle de armas e munições inaugurada em 2003 pela Lei 10.826, conhecida como Estatuto do Desarmamento. Além de ignorar o consenso científico quanto aos efeitos negativos nas dinâmicas criminais geradas pela expansão do acesso a armas de fogo e munições, a política atual apresenta outros dois sérios problemas”. 

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Um destes problemas, explica o documento, é que “a política armamentista do governo atual atacou princípios constitucionais fundamentais. Para permitir a ampliação do acesso, comércio e circulação de armas de fogo e munições no país, foram editados (até agosto de 2022) 42 atos normativos, entre decretos, resoluções e portarias. Esses atos normativos não apresentaram qualquer fundamentação ou análise técnica que justificasse os benefícios que essas alterações poderiam produzir”. 

O segundo ponto levantado é que tal liberalização ignora o que pensa a própria população: pesquisa de opinião encomendada pelos institutos e feita pelo Datafolha em junho de 2022 mostrou que 83% dos brasileiros acreditam que somente forças de segurança deveriam poder circular armadas nas ruas. Além disso, para 63% pessoas comuns não deveriam poder comprar armas iguais ou mais potentes que as armas das polícias, como os fuzis.