Os recados de Lula no programa do Ratinho: “Até você era mais feliz”

Ficou nítida a preocupação de Lula de se mostrar “gente como a gente”, mas sem parecer “chucrão” como seu principal adversário nas eleições 2022

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é mais afeito a entrevistas e sabatinas do que a debates. Em conversas bilaterais, no tête-à-tête, parece sentir-se mais à vontade para expor ideias e responder a questionamentos. Uma das primeiras pessoas a notar isso foi o jornalista Franklin Martins, ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social no segundo governo Lula (2007-2010).

A grande mídia reclamava que Lula falava pouco com jornalistas. Entrevistas a emissoras de TV, por exemplo, eram raras. Em seu primeiro mandato no Planalto, houve uma única entrevista coletiva. Reeleito presidente, o petista prometeu se relacionar melhor com a imprensa – e cumpriu. Só em 2007, foram 152 entrevistas – 60 a mais do que em 2006.

O formato preferido de Lula era a entrevista “quebra-queixo”, aquela em que, geralmente ao fim de um evento, os jornalistas se amontoam em torno do entrevistado e fazem uma pergunta atrás da outra. Franklin convenceu o então presidente de que, no improviso do “quebra-queixo”, mais do que numa entrevista coletiva, ele, Lula, ditava o ritmo e conduzia o jogo.

“O convívio diário com os meios de comunicação é muito importante para o governo”, disse o jornalista, certa vez, ao tentar explicar a estratégia de comunicação que ele levara à gestão Lula. “Nunca vamos equilibrar o jogo, mas é ruim ser goleado sempre por 4 ou 5 a 0. É melhor perder por 3 a 2 ou 2 a 1. Meu trabalho se resume nisso.”

Agora candidato a um terceiro mandato presidencial, Lula é beneficiado pela condição de favorito à vitória. Dentro da coordenação de sua campanha, há quem defenda que ele não compareça à maioria das sabatinas e entrevistas para as quais é convidado. O desgaste da ausência seria, dizem, menor do que o risco de ruídos, gafes ou ciladas. Pressupõe-se que quem está à frente nas pesquisas pode se dar ao luxo de abrir mão da audiência das emissoras de TV ou de rádio.

Por sorte – dele e nossa –, Lula não tem dado tanto ouvido a essas posições recuadas. Um de seus melhores momentos nesta campanha foi a entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo. Firme, seguro e convincente, o ex-presidente injetou ânimo na militância ao escapar com destreza da ofensiva inquisitória de William Bonner e Renata Vasconcellos.

Temia-se que Lula escorregasse nesta quinta-feira (22) ao participar do Programa do Ratinho, no SBT. O sempre governista Silvio Santos moldou a emissora ao gosto bolsonarista. Ratinho foi – ele próprio – eleitor de Bolsonaro nas eleições 2018. Além disso, seu filho, Ratinho Jr., governador do Paraná e candidato à reeleição, apoia o presidente.

Lula não estava tão inspirado quanto no Jornal Nacional, mas não precisava.  A vantagem da liderança nas pesquisas diminuía a pressão sobre seus ombros. Desde o início, o ex-presidente procurou responder às perguntas de Ratinho em tom informal. Volta e meia, deixava claro que era próximo do apresentador, a ponto de ter confidenciado em público a visita que lhe fez.

Quem esperava um Ratinho afiado, cercando o presidente, surpreende-se. Houve, sim, perguntas mais duras – algumas até preconceituosas –, mas o apresentador também parecia fazer questão de mostrar afinidade com o ex-presidente. “Eu posso falar o que quiser com o Lula porque eu me dou muito bem com o Lula há muitos anos”, afirmou Ratinho. “Politicamente, às vezes, a gente está de um lado ou do outro. Mas sempre nos demos muito bem.”

Foi a deixa para Lula contar histórias vividas pelos dois. “Você foi na Granja do Torto, levou o Bruno e Marrone para conhecer. E por conta daquilo, (quando) eu tive uma entrevista com o Jô Soares, ele brigou comigo porque você chegou primeiro, sabe?”, brincou Lula.

Pouco depois, Ratinho lhe perguntou o que havia na “garrafinha” que ele levava aos comícios – se porventura era cachaça. Lula explicou que está “fazendo tratamento com fonoaudiólogo” e, por isso, passou a tomar mais água. “Mas eu gosto de uma cachacinha”, acrescentou. “Nós já tomamos juntos na sua casa lá, no Alto da Lapa, onde eu comi a melhor rabada”, emendou Lula.

Ao tachar Bolsonaro de “ignorantão” e “chucrão”, por “aquele jeitão bruto dele, aquele jeitão de capiau lá do interior de São Paulo”, Lula descontraiu a conversa de vez. “Tem gente que acha que ser ignorante é bonito, e não é. O que é bonito é você ser educado, você ser um cara refinado, como eu. (Bonito é) falar com você tranquilo”. Ratinho não resistiu: “Desse ponto, você encanta”. E depois arrematou: “Muita gente está deixando de votar no Bolsonaro por causa do jeito dele – e ele sabe”.

A troca de gentileza prosseguiu. “Eu comia rabada com você e não limpava a boca na toalha, usava guardanapo”, disse o ex-presidente. “(Como) ele (Lula) queria tomar um vinho bom, peguei um vinho bom. Mas o copo era aquele de massa de tomate”, devolveu Ratinho.

Ficou nítida a preocupação de Lula de se mostrar “gente como a gente”, mas sem parecer “chucrão” como seu principal adversário nas eleições 2022. “O que eu quero é construir um mundo mais harmonioso. Eu já fiz isso, Ratinho. Esse país era feliz. Até você era mais feliz. Até você dava mais risada. Até você!”

Com a “missão Ratinho” cumprida, a Lula restou fazer vários contrapontos entre seus dois governos e a gestão Bolsonaro, em áreas como educação, infraestrutura, habitação popular e Amazônia. Só que os recados do petista estavam menos no discurso, nas promessas – e mais na postura, no tom.

Ao final, o ex-presidente enfatizou que administrar um país é, acima de tudo, “cuidar do povo” – ponto em que, segundo ele, Bolsonaro falhou sobretudo diante da pandemia de Covid-19. “Eu sou melhor do que ele para cuidar do povo. O povo sabe que eu sou melhor”, disse Lula. “O povo sabe que eu fui o melhor presidente da República deste país porque cuidei do povo. A palavra correta não é ‘governar’ – é ‘cuidar do povo’.”

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