Daiana Santos: nossa vitória significa resistência, luta e esperança 

Pela primeira vez, o Rio Grande do Sul terá duas mulheres negras na Câmara dos Deputados; uma delas é a comunista Daiana Santos, 40 anos, vereadora de Porto Alegre

Lula e Daiana Santos. Foto: reprodução/redes sociais

Mulher, negra, lésbica, periférica, do candomblé, comunista. Daiana Santos reúne em si características que exprimem parte da rica pluralidade humana, mas que muitas vezes são motivo de violência e preconceitos, sobretudo num contexto como o atual em que reinam o ódio e a aversão por tudo o que saia de certa normatividade hegemônica e que de fato represente a liberdade e a diversidade.

Aos 40 anos, a gaúcha, que traz consigo o signo da resistência, deu mais um salto na sua ascendente trajetória política.  Pelo PCdoB, a atual vereadora será uma das duas mulheres negras eleitas pela primeira vez deputadas federais pelo Rio Grande do Sul, ao lado de Denise Pessoa (PT). 

Com mais de 88 mil votos, Daiana é uma das 29 mulheres negras que farão parte da próxima legislatura — número que, embora ainda seja pequeno frente ao tamanho desta população, é mais do que o dobro do registrado no pleito de  2018, 13, um avanço importante considerando especialmente o contexto de retrocessos trazido pelo bolsonarismo.

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Em 2018, Daiana foi eleita vereadora, seu primeiro cargo eletivo, e juntamente com outros quatro colegas de parlamento — entre os quais Bruna Rodrigues, agora eleita deputada estadual pelo PCdoB — formou a atuante e inédita bancada negra da Câmara Municipal de Porto Alegre. “Em todas as políticas que construirei, as lutas das mulheres, da população negra e dos LGBTI+ serão transversais, fundamentos a partir dos quais irei articular políticas públicas”, diz Daiana sobre seus objetivos no Congresso, em entrevista ao Portal Vermelho.

Oriunda da periferia de Porto Alegre, Daiana diz que é filha da lei de cotas — criada pelo ex-presidente Lula (PT) e que lhe possibilitou se formar como sanitarista pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) — e representa também a preocupação do PCdoB de garantir protagonismo político às mulheres, aos negros e negras e outros segmentos sociais tratados como “minorias”. Da bancada de seis parlamentares comunistas eleitos neste ano, metade é de mulheres e mais da metade é de negros. 

Com relação às eleições presidenciais, Daiana diz: “espero que possamos dar início ao fim desse governo letal e, na sequência, abrir caminho para um novo Brasil, inclusivo, diverso e provedor das necessidades mais básicas da população brasileira”.

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Confira a seguir a entrevista concedida por Daiana ao Portal Vermelho. 

Vitória da resistência

“A vitória da nossa candidatura negra, sapatão e feminina é a representação última da resistência, a qual tem como fonte a luta diária que fazemos desde que nascemos, afinal, as populações em situação de vulnerabilidade – mulheres, LGBTI+, negros e negras – experimentam a violência contra si desde de muito cedo. Nesse sentido, a nossa vitória significa resistência, luta e, acima de tudo, esperança por um futuro em que não precisemos mais nos preocupar se a morte, a miséria, a violência ou o preconceito estarão em cada esquina nos aguardando”. 

Eleição e diversidade

“Assim como a nossa, outras candidaturas surgem para somar e fortalecer a luta que é de todo brasileiro, pois uma sociedade que luta pelos direitos das suas minorias é uma sociedade que busca tornar melhor a vida de todos. Junto destas candidaturas, buscaremos certamente fortalecer políticas sociais especialmente para as populações que mais precisam, pois a nossa luta sabe que as desigualdades se estabelecem a partir de uma relação de gênero, de raça e de classe”. 

Experiência periférica

“Acredito que o fato de ter vindo do Morro Santana, da Vila das Laranjeiras, região periférica de Porto Alegre, contribuiu muito para chegar onde estou. Acredito que não há luta e nem vitória possível  sem luta coletiva e, portanto, devo muito aos aspectos da minha trajetória que moldaram quem eu sou hoje, tal como ter vindo da periferia de uma grande e conservadora capital do Brasil, bem como ter me formado sanitarista na Universidade Federal — sim, sou filha das cotas — e, ainda, ter trabalhado com a abordagem da população em situação de rua. Acredito que todos estes aspectos moldaram minha comunicação, minha forma de conversar e de lutar, pois eu não só vivi — por ter nascido na periferia —, mas também vi a situação de muitos de nós por meio do trabalho de abordagem que realizei”. 

Foto: reprodução/redes sociais

Atuação na Câmara Municipal

“Em linha com a minha trajetória, procurei junto com a minha equipe sempre dar atenção às demandas da população que visassem contribuir para o melhoramento de aspectos que tocassem diretamente na vida dessas populações em Porto Alegre, quais sejam, a população feminina, a população negra, a população LGBTI+, a população indígena. Digo, portanto, que saio com a cabeça erguida e sensação de que a tarefa que me cabia foi muito bem desenvolvida, mas não porque a luta terminou ou porque conseguimos acabar com todos problemas relacionados a estas populações, mas porque eu dei sequência à luta de muitos dos nossos que me precederam e que caminham comigo, sempre buscando dar uma vida mais digna para quem mais precisa”. 

Congresso conservador

“Tenho noção de que a correlação de forças no Congresso é bastante complexa. Além disso, sabemos que historicamente esse mesmo Congresso quase sempre teve na direita a maioria dos seus representantes. Portanto, entro com a noção bem definida de que somente através de uma construção política firme, séria e de luta poderemos emplacar pautas importantes para o avanço da dignidade das populações mais vulneráveis, algo que é ponto central e essencial da política que defendo e pretendo desenvolver ainda mais neste espaço imenso e de grande responsabilidade que é o congresso nacional”. 

Prioridades na Câmara dos Deputados

“A nossa prioridade segue sendo acesso a direitos às populações mais vulneráveis por meio de um Estado atuante no âmbito, sobretudo, das políticas públicas, as quais acreditamos que precisam ser ainda mais ampliadas não só no contexto gaúcho, mas também nacional. Por isso, quero lutar pela revogação do teto de gastos, que reduz os investimentos em saúde e educação. Ainda, pela revogação da reforma trabalhista para reduzirmos o desemprego e, mais que isso, ampliarmos o acesso a trabalho digno e regulamentado no Brasil. Além disso, quero lutar por uma política de saúde de valorização do SUS e dos trabalhadores e trabalhadoras da saúde. E em todas as políticas que construirei, a luta das mulheres, da população negra e dos LGBTI+ serão transversais, fundamentos a partir dos quais irei articular políticas públicas”. 

Futuro do Brasil pós-30 de outubro

“Espero uma grande vitória do presidente Lula no dia 30 de outubro. Isso para que consigamos retornar a um patamar mínimo de normalidade, visto que os últimos quatro anos significaram a destruição do Estado brasileiro como proponente de políticas públicas promotoras do amparo aos mais necessitados. Não à toa temos, atualmente, mais de 30 milhões de pessoas passando fome em algum grau; tivemos também uma péssima atuação (de Bolsonaro) no âmbito da pandemia não só em termos econômicos, mas também, e principalmente, na tentativa de salvar as vidas das pessoas. Enfim, espero que possamos dar início ao fim desse governo letal e, na sequência, abrir caminho para um novo Brasil, inclusivo, diverso e provedor das necessidades mais básicas da população brasileira”.