TSE suspende programa de Bolsonaro que tentava vincular Lula à criminalidade

Para advogados do ex-presidente, peça distorce a realidade e viola direito ao voto livre e consciente. Pastoral Carcerária também recorreu à Justiça contra programa

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

No vale-tudo da colérica campanha bolsonarista contra Lula, uma das táticas tem sido tentar vincular o ex-presidente à criminalidade. Assim, o direito ao voto constitucionalmente garantido a presos que aguardam julgamento virou ferramenta de ataque e de disseminação de falsas notícias. Uma das propagandas de Jair Bolsonaro (PL), que dizia que Lula era o “preferido” entre detentos, foi suspensa por decisão da maioria do plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

“Dizer que ‘os criminosos escolheram Lula para presidente’ é apenas um recorte distorcido da verdade real dos fatos, que constitui verdadeiro ato de divulgação e compartilhamento de fato gravemente descontextualizado que viola o voto livre e consciente”, explicaram os advogados Angelo Ferraro e Cristiano Zanin Martins, da Coligação Brasil da Esperança, de Lula. 

Além da campanha de Lula, a Pastoral Carcerária também havia recorrido ao TSE e ao Ministério Público Eleitoral (MPE) contra a propaganda de Bolsonaro. “O programa eleitoral em questão é inequívoca ferramenta de desinformação, além de atacar o direito constitucional das pessoas privadas de liberdade. Não foi transmitida qualquer informação de que as pessoas presas aptas a votar são aquelas sem condenação criminal transitada em julgado, bem como adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação ou de internação provisória”, argumentou a ação da Pastoral.

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Na peça publicitária, a campanha de Bolsonaro usava dados de poucos presídios para tentar chegar à falsa conclusão de que Lula apoiaria a criminalidade. Vale destacar ainda que o universo de presos provisórios aptos a votar é bastante reduzido no Brasil. 

Conforme aponta João Vitor Rodrigues Loureiro, doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), pesquisador do Laboratório de Gestão de Políticas Penais, em artigo publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, “neste ano, cerca de 12 mil pessoas presas em estabelecimentos penais no país estavam aptas a votar. Possuem esse direito apenas aquelas pessoas que, além de ter situação eleitoral regular, não cumprem pena após decisão condenatória, ou seja, aguardam julgamento, embora presas. São os chamados presos provisórios. Em outras palavras, a Constituição estabelece que a suspensão dos direitos políticos é cabível somente aos condenados em ação criminal transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos”.

O especialista acrescenta que “embora cerca de 29% do total de pessoas privadas de liberdade no Brasil sejam classificados como ‘presos provisórios’, o número deles aptos a votar é muito reduzido, tendo em vista uma completa ausência de documentação regular dessas pessoas – incluindo o título de eleitor – junto à administração penitenciária”. Deste modo, os que conseguem efetivamente votar são muito poucos, em torno de 5% dos presos provisórios. 

O sociólogo salienta, ainda, que “os discursos raivosos, lugares-comuns em redes sociais, ao afirmarem que ‘bandidos preferem candidatos de esquerda’, ou que ‘preso não devia votar’ expressam uma cultura enraizada de desprezo à cidadania, que classifica pessoas entre cidadãos e não cidadãos. Não raro, essas pessoas absorvidas pelo sistema penal, pouco escolarizadas, negras, sem assistência judicial adequada e que ainda aguardam julgamento, permanecem presas e vivenciando múltiplas marginalizações promovidas pela racionalidade punitiva”. 

(PL)

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