Alegria marroquina

Minha leitura sobre as conquistas da seleção de Marrocos na Copa do Qatar nada mais é do que uma mistura de empatia por nossos povos pobres e marginalizados, e a personificação de um sentimento de que podemos recuperar com os pés um momento terrível do sentimento de dignidade desperdiçada.

Foto: Divulgação Fifa

A alegria e a esperança do mundo árabe brotaram quando Youssef Al-Nusiri voou alto e cabeceou a bola contra a trave guardada pelo goleiro português para marcar o único gol da vitória marroquina.

Não sou um especialista em futebol para analisar o desenrolar do jogo, sou apenas um torcedor, adoro futebol, mas me sinto alienado pelo jogo do dinheiro, influência e poder que foi construído em torno deste esporte. Isso não quer dizer que não receba a magia da bola quando meus pés a tocam, nem que danço ao som do samba brasileiro.

Enquanto assistia à Copa do Mundo, simpatizei seletivamente com as seleções árabes, asiáticas e africanas. Sei que a estrutura do jogo não é muito diferente da dos países de capital industrial. Sei que minha leitura não é profissional, e que é o cúmulo do erro: quando a França eliminou a Inglaterra, lembrei-me do desastre da promessa de Balfour, da opressão dos colonizadores da Palestina. Ainda hoje, desde 1947, a ferida protuberante continua a sangrar, enquanto os sacrifícios da luta pela independência dos territórios ocupados se tornam uma memória inesquecível.

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Fiquei encantado com a seleção marroquina quando conseguiu vencer a seleção espanhola, nos pênaltis, e Yassin Bono parou todas as bolas para eles. Para mim, aquela vitória virou nostalgia literária, virou símbolo palestino de Mahmoud Darwish.

Jogadores e torcedores marroquinos também levantaram a bandeira da Palestina ao lado de sua bandeira nacional, confirmaram que a Normalização “abraâmica” não tocou, nem tocará as pessoas, e que o isolamento da mídia sionista na Copa do Mundo veio como um indicador agregado e que a ocupação deve saber disso o momento da queda árabe não significa que ela tenha se concretizado em sua vitória final.

Como se pode perceber, minha leitura nada mais é do que uma mistura de empatia por nossos povos pobres e marginalizados e a personificação de um sentimento de que podemos recuperar com os pés um momento terrível do sentimento de dignidade desperdiçada.

As cenas desta partida, além da cena do voo de Youssef Al-Nusiri, foram de alegria: também quando o jogador marroquino nascido na França, Sufyan Buffal, abraça sua mãe em campo e depois dançam juntos em êxtase e amor. A mãe que criou seus três filhos sozinha trabalhando em casas francesas, trouxe seu país e suas histórias para o campo de futebol, declarando que a maternidade é a pátria de quem perdeu a pátria.

Essas cenas me emocionaram, resumindo a história do futebol com seus heróis e a nossa história com os campeonatos, que nada mais é do que breves momentos que dão um brilho temporário à vida.

Croácia e França vencem a final europeia? Ou Marrocos e Argentina vencem e a final será árabe-sul-americana? Ou será uma final mista? Ninguém tem a resposta, mas esta  Copa do Mundo foi cheia de surpresas, e esperamos que a alegria marroquina volte a nos surpreender.

Mesmo que o Marrocos vença, isso não mudará em nada a estética do momento marroquino que veio para lembrar aos árabes que eles são árabes apesar de seus sistemas autoritários e de normalização, e que podem se unir apesar de castas e clãs.

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Meu coração baterá com os jogadores marroquinos em sua partida decisiva com a seleção francesa, esperando que a bandeira palestina seja hasteada ao lado da bandeira marroquina para que os árabes não esqueçam sua língua.

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