Sérgio Porto, 100 anos: o homem que criou Stanislaw Ponte Preta para rir da ditadura

Escritor morreu cedo, mas eternizou Stanislaw Ponte Preta com seu humor sarcástico contra os absurdos do regime militar

Sérgio Porto em sua máquina de escrever. - Acervo de família

Nascido há 100 anos, em 11 de janeiro de 1923 em Copacabana (RJ), Sérgio Marcus Rangel Porto foi um jornalista e escritor carioca, que deixou uma marca inconfundível no jornalismo com seu estilo humorado e irreverente. Quando a ditadura militar chegou, seu heterônimo sarcástico Stanislaw Ponte Preta já existia, havia uns dez anos. Mas veio bem a calhar com o festival de besteiras que assolou o país, desde então.

Nascido em 11 de janeiro de 1923, foi levado cedo aos 45 anos por um infarto. Workaholic, ou viciado em trabalho em bom português, conseguia ser bancário, jornalista, radialista, teatrólogo, compositor e até pai dedicado às filhas. A produção diversa inclui 14 livros (quatro assinados por Porto, o jornalista sério, e 10 como Ponte Preta, o cronista irônico).

Hoje é Dia: Sérgio Porto em sua máquina de escrever. – Acervo de família

Até a década de 1960, o escritor falou do cotidiano carioca por meio dos personagens da família Ponte Preta: tia Zulmira, primo Altamirando, Rosamundo das Mercês e outros. Ao contrário de Sérgio Porto, a família fictícia morava na Boca do Mato, e não em Copacabana, em uma divisão também geográfica entre Sérgio e Stanislaw. 

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Em 1966, surge o Festival de Besteiras que Assola o País (Febeapá), para retratar com humor e ironia os acontecimentos que pontuaram os primeiros anos do governo militar. Mesmo contra sua vontade, o tema se impôs pela estupidez e ridículo da ditadura. Como não mangar dos militares que invadiram uma peça de teatro, espancaram os atores e procuraram o autor da peça para levar em cana: Sófocles, morto quatro séculos antes de Cristo.

Imagina-se o que Ponte Preta não faria com as crônicas do desgoverno Bolsonaro! Os militares de 1964 são seres elegantes e sérios, perto do capitão que tem sido o motivo do golpismo mais patético da história da Nação. O cronista denunciava com seu humor a fobia anticomunista daquele período, como não se faz, hoje. 

Aliás, muitos resgataram os textos do autor nesse período sombrio e interminável de quatro anos. Muitos se inspiraram em Ponte Preta para fazer a crônica do bolsonarismo. Quem acompanhou os stand ups de Gregorio Duvivier, desmascarando o festival de besteiras diárias no país, certamente percebeu a influência óbvia. 

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Mas o humor recente têm muitos outros exemplos pipocando por todo lado. Não à toa, humoristas foram alvos constante do bolsonarismo. Eles sabem como o humor pode ser corrosivo de máscaras e revelador da nudez do poder.

Já na década de 1950, Porto pediu demissão do Banco do Brasil por medo de represálias políticas; foi fichado no Dops; e, em uma de suas apresentações do Show do Crioulo Doido, seu café parece ter sido envenenado, o que lhe rendeu alguns dias de licença no hospital. Morria de medo de ir preso pela condição de saúde precária.

Febeapá teve três edições, sendo sua última crônica escrita em setembro de 1968, poucos dias antes de sua morte precoce. A luz quente que emanava de seus textos fez muita falta nos anos seguintes, de endurecimento do regime. E continua muito atual, no momento em que o festival de besteiras resiste em abandonar o país e ficar em Miami de vez.

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