Peruanos estão nas ruas em defesa da legitimidade do voto, diz sindicalista

Carmela Sifuentes, da CGTP, diz que a defesa da democracia unifica a sociedade peruana contra o governo violento de Dina Boluarte.

A secretária de Educação e Cultura da CGTP (Confederação Geral de Trabalhadores do Peru), Carmela Sifuentes, conversou com o Portal Vermelho sobre os protestos que ocorrem no Peru e como o movimento contra o governo de Dina Boluarte cresceu e pressiona por sua renúncia. 

Desde que o presidente Pedro Castillo foi preso, e sua vice, Dina Baluarte, assumiu, eleitores das regiões onde o ex-presidente foi eleito com maioria de votos, começaram uma série de protestos por sua libertação e por novas eleições. No entanto, o governo responde com repressão e morte aos manifestantes. Com isso, fermentaram-se as grandes mobilizações que chegaram a Lima. 

Segundo Carmela, a luta da maior central trabalhista do país, a CGTP, tem sido em defesa da democracia, principalmente o respeito ao voto popular. “Estamos lutando, não apenas pelos nossos direitos trabalhistas que Castillo nos outorgou, e que a presidenta quer nos tirar. Estamos lutando também pela democracia, como força trabalhista de vanguarda”, afirmou a ex-presidenta da CGTP.

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A sindicalista explica que a “direita fascista” perdeu as eleições, “mas não perdoou que uma pessoa pobre e camponesa pudesse estar no poder”. Segundo ela, a grave crise política se dá porque a direita quer retornar ao poder, “e seguir dominando e se apoderando de nossos recursos naturais, retirando os direitos trabalhistas e desconhecendo os direitos fundamentais de liberdade sindical e negociação coletiva”. 

Em síntese, a elite peruana não aceita que o povo tenha ganhado as eleições, por isso fez todo o possível para que Castillo estivesse fora do poder. Ela refere-se aos inúmeros pedidos de impedimento do ex-presidente feito pelo Congresso com base em supostas denúncias de corrupção. “E a senhora Boluarte está totalmente dominada e capturada por essa direita”.

Unidade em torno da democracia

O que unifica o país, de acordo com ela, é a democracia e, sobretudo, o respeito ao voto popular, contra a corrupção que está ocorrendo em maior grau. “O povo está cansado que não se respeite seu voto popular e não se dê importância a todas as regiões do Peru”, diz ela, apontando a grave concentração de riqueza nos arredores da capital, enquanto o sul do país sofre com o abandono do poder público.

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O crescimento das manifestações se deram em função da brutalidade policial estimulada pelo governo. Até setores mais conservadores da sociedade, inclusive na mídia, têm se escandalizado com os mais de 60 assassinatos.

“É terrível. As forças policiais disparam sem levar em conta nada. Por outro lado, alguns da extrema direita se incluem nas mobilizações, e se unem à polícia e ao governo para provocar esses desastres e colocar a culpa nos trabalhadores. Nós estamos mobilizando todo o país, com altos e baixos, contra esta violência do governo, dos ministros e do Congresso”, descreveu.

Reivindicações e diálogo

Dina com seus ministros rechaçam qualquer hipótese de diálogo com os movimentos sociais. Foto: Presidência do Peru

A libertação de Castillo não é uma prioridade para os movimentos. “A prioridade é que a senhora Dina Boluarte renuncie. Que o Congresso reestruture a mesa diretiva para que convoque as eleições o mais rápido possível. E que se garanta um julgamento correto e justo ao senhor Castillo. Em se definindo um novo governo, que em julho deste ano se convoque um referendo para ter uma nova Assembleia Constituinte. Estas são as demandas que estamos exigindo nas ruas. Por esses pontos estão assassinando trabalhadores jovens e humildes, em sua maioria”, explicou.

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A situação crítica chegou ao ponto em que não se propõe mais um diálogo institucional. Não se imagina um diálogo intermediado pelos países vizinhos. O boliviano Evo Morales tentou e foi criminalizado. A Igreja também tentou, mas foi rechaçada. 

“O diálogo está nas ruas. É unilateral, porque os demais não querem perder o poder, nem no Congresso, nem nos Ministérios, que tem por trás as forças obscuras da senhora Keiko Fujimori. A única forma de solução é a renúncia da presidenta”, resumiu Carmela.

Segundo ela, a CGTP nunca se opôs a um diálogo. “Mas como dialogar com esta senhora, que nem é legítima como presidenta, na prática, que o povo não quer ver, que tem suas mãos manchadas de sangue? Por isso se exige que ela renuncie imediatamente e que o Congresso convoque eleições. A CGTP já dialogou o que podia com ela, que nos ignorou. Por isso, os companheiros do Sul não querem diálogo, mas solução pela renúncia”, reafirmou.

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Sindicalismo em meio à informalidade

Depois da pandemia, a informalidade no trabalho cresceu de 70%, que já é um patamar fora da média continental, para 82%. “Precisamos que os trabalhadores informais se filiem as centrais para que encontremos soluções para sua organização, porque até no setor público há informalidade com diferentes regimes de leis”, sugere a sindicalista.

“Castillo nos ajudou com a negociação coletiva no setor estatal e público, que nunca havíamos tido. Também houve um decreto que colocou limites na terceirização. No entanto, o Ministério do Trabalho recebeu uma agenda com 19 pontos da CGTP, que tanto o Congresso quanto o governo querem desconhecer”, diz ela. 

“Castillo, sim, era uma opção para os trabalhadores, apesar de seus erros políticos”, diz ela, referindo-se ao modo como perdeu apoio de partidos tradicionais, num Congresso poderoso e unicameral. “Se tivesse unificado a todos, talvez não houvesse ocorrido o que se passou. Mas estava, sim, apoiando a força trabalhista”. 

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O apartheid geográfico

As manifestações nas zonas mais pobres do país parecem mostrar que os povos indígenas e a maioria dos trabalhadores querem ter voz em um governo que insiste em centrar sua atenção em Lima e nas regiões com maior concentração de renda. Com isso, áreas de população majoritariamente indígena acabam vivendo um apartheid racista pelo Estado.

Segundo Carmela, que é presidenta da CGTP na região de Cajamarca, um dos principais problemas dessas mobilizações tem seu fundo justamente pela insatisfação das comunidades indígenas e povos do Sul, que estão alijadas das riquezas nacionais.

“Quando retomarmos a paz, temos que colocar a atenção nestes povos mais marginalizados, aos indígenas e demais peruanos esquecidos”, afirmou.