Governos de SP e São Sebastião ignoram alertas de desastre

Sistema de monitoramento federal avisou com antecedência e alertou sobre a vila mais atingida pelo desastre, mas nenhuma medida efetiva foi tomada pelas defesas civis.

Agentes da Polícia Militar e Defesa Civíl fazem trabalho de busca e desobstrução em encosta na Barra do Sahy, em São Sebastião Foto: Sérgio Barzagui/Governo de SP

O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) revelou por meio de documentação e registros minuciosos que o governo do estado de São Paulo e a Prefeitura de São Sebastião foram avisados com dois dias de antecedência sobre o risco de desastre na cidade em razão de fortes temporais. O alerta nacional citava a Vila do Sahy, onde mais de 30 pessoas morreram. Os registros revelam que os avisos foram subestimados pela Defesa Civil de SP e totalmente ignorados pela cidade lotada de turistas.

Moradores relatam que não foram alertados pela Defesa Civil e que não houve nenhum pedido para que deixassem suas casas mesmo diante do perigo de deslizamento. Com isso, já se somam 48 mortes (47 em São Sebastião e uma em Ubatuba) e mais de 50 pessoas desaparecidas. Além de dezenas de feridos graves nos hospitais.

O cuidadoso sistema de monitoramento federal foi capaz de prever as chuvas fora do comum e identificar as áreas de alto risco, enviando diversos alertas ao estado. As defesas civis poderiam ter antecipado abrigos emergenciais e preparado hospitais para a eventualidade, mas não havia nada quando a tragédia prevista ocorreu.

Os dados foram apurados pelo g1, que também entrevistou uma fonte anônima, que explicou que a decisão de não divulgar o comunicado seria pelo risco de afastar os 500 mil turistas esperados pela Prefeitura no carnaval.

Alta tecnologia

O diretor do Cemaden, Osvaldo Moraes, afirmou ao g1, que além da previsão com antecedência, o sistema conseguiu apontar a localização do desastre. No domingo (19), o jornalista Gerson Camarotti havia adiantado que o governo paulista tinha conhecimento, dois dias antes da tragédia, do risco de chuvas fortes na região de São Sebastião. Nesta quarta (22), foi possível confirmar com precisão as informações.

O Cemaden, que é um órgão federal, opera sem interrupção, monitorando, em todo o território nacional, as áreas de risco dos municípios classificados como vulneráveis a desastres.

O seu papel é acompanhar os índices meteorológicos e geológicos – de movimentação de terra – para, com base nisso, emitir alertas para que os órgãos de prevenção atuem nas áreas.

Emergência – Chuvas no litoral norte. Local: São Sebastião/SP. Data: 19/02/2023 Foto: Daniela Andrade/PMSS

Responsabilidades

O ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, confirmou a informação dada pelo diretor do Cemaden. O estado, por sua vez, diz que repassou o alerta ao município de São Sebastião. No entanto, para cada alerta grave, levantamento de cada mensagem revela a desinformação sobre o que realmente ocorria.

A documentação revela que a Defesa Civil paulista enviou o primeiro alerta por SMS no celular de apenas 34 mil pessoas cadastradas em seu sistema no Litoral Norte, as 0h52 da sexta-feira (17). A mensagem burocrática, porém, falava apenas em “chuva isolada” em Ubatuba e nas áreas próximas sem referência ao risco de desastre nas encostas da Vila do Sahy.

Na manhã da mesma sexta-feira, o Cemaden acionou o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), do governo federal, para uma reunião conjunta com a Casa Militar de São Paulo, que é responsável pela Defesa Civil estadual.

Segundo o diretor do órgão, a reunião ocorreu na sexta de manhã com um panorama e elaboração de uma nota técnica mencionando a situação de risco elevado. Isso foi entregue a todos os órgãos que atuam na prevenção de desastres. O governo federal e o estadual receberam uma lista com todas as áreas em risco no Litoral Norte, incluindo a Vila do Sahy.

De sábado (18) até domingo, o Cemaden emitiu aos órgãos de prevenção seis alertas sobre o alto risco de desastre de chuva e deslizamento de terra no Litoral Norte, especificando as áreas atingidas. 

Com o início da chuva à noite, às 19h28, mais uma vez o Cemaden avisou sobre a quantidade de chuva fora do comum para a região de São Sebastião. Às 21h27, o órgão federal emite alerta sobre o “risco muito alto” de deslizamento de terra, o que significa que o deslizamento com inundação é um fato.

Por volta de 23h, a tempestade ultrapassava os limites previstos e a Defesa Civil da cidade tentou chegar sem sucesso até a Vila do Sahy. Às 23h13, a Defesa Civil do Estado enviou um SMS voltando a falar em “chuva persistente” e alertava para que a população ficasse atenta “a inclinação de muros e a rachaduras” e, se precisasse, saísse do local. No entanto, não havia orientação para onde a população deveria ir, porque também não havia abrigos montados.

Às 2h do domingo (19), começam os deslizamentos. Ainda assim, às 3h15, a Defesa Civil estadual manda novo SMS por celular falando em risco de inclinação de muros e rachaduras, mas sem nada sobre deslizamentos. Às 6h23, já com mortos e soterrados, a Defesa Civil de SP repete a mensagem no automático, totalmente alheia à realidade local.

Somente às 7h04 do domingo, a Prefeitura diz, pela primeira vez, em rede social, que tinha chovido forte na cidade e que havia “diversos deslizamentos, alagamentos e desabamentos”.

Sem justificativa

A Defesa Civil Estadual diz que o risco foi divulgado na imprensa e redes sociais e por mensagens de SMS no celular das pessoas cadastradas em seu sistema. As mensagens, porém, não dão dimensão do risco. Não diz nada sobre os procedimentos adequados e os efetuados para a área de risco.

Por sua vez, a Defesa Civil da cidade de São Sebastião não fez publicações alertando sobre o risco. Nos canais da prefeitura, não foram publicados os avisos vindos do estado ou do Cemaden. A última mensagem sobre chuva havia sido no dia 15 de fevereiro. Também não responde à imprensa.

O risco emitido pelo Cemaden no fim de semana era classificado como “muito alto”, o que significa a iminência de um desastre. Sem as tradicionais sirenes de alerta, a população depende do aviso da Defesa Civil municipal e estadual, que não veio.

Após a tragédia, os governos têm sido cobrados sobre a forma como as pessoas foram avisadas, já que houve uma série de alertas e os órgãos de proteção sabiam do risco. 

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, disse que é preciso ter ferramentas eficazes de alerta. O ministro da Integração, Waldez Góes, também afirmou que a forma de alerta não é eficaz e informou que o governo federal vai atuar para uma mudança nas ações.

“É importante a gente entender que nós precisamos criar alertas localizados e com preparação dessa comunidade. Quando fala de sistema de alerta por sirene, por exemplo, e toda a comunidade ser preparada para isso, a igreja, a escola, comerciante, a sociedade”, disse.