Escritor iraquiano critica agressões dos EUA: “famintos por guerras”

“Vejo hipocrisia e racismo óbvios nos americanos quando fazem fila para condenar a invasão russa da Ucrânia”, diz Sinan Antoon

O escritor e acadêmico Sinan Antoon, considerado “um dos autores mais aclamados do mundo árabe”, conforme o jornal egípcio Al-Ahram Weekly, afirma que os Estados Unidos não têm legitimidade para condenar a guerra na Ucrânia. Poeta, romancista e tradutor literário, Antoon, de 56 anos, diz estranhar igualmente as reações da grande mídia internacional sobre o conflito – a mesma mídia que apoiou a guerra no Iraque sob a falsa alegação das armas de destruição de massa.

Logo após a Guerra do Golgo, em 1991, o escritor se mudou para os Estados Unidos, onde fez doutorado em Literatura Árabe pela Universidade Harvard e se tornou professor da Gallatin School da Universidade Nova York. Foi do território norte-americano que viu a invasão ao Iraque, em 2003. “A invasão de 2003 começou em 1991. Foi uma destruição sem precedentes, que vimos diariamente”, disse Antoon à Folha de S.Paulo, em entrevista publicada nesta sexta-feira (24).

“Foi uma destruição até da ideia do que significa ser iraquiano. A invasão de 2003 mudou até a maneira como os iraquianos pensavam em si mesmos e em seu passado”, copara. “Uma das coisas que sempre quis que acontecessem quando estava crescendo era o fim da ditadura de Saddam Hussein. Mas eu acompanhava a política americana e entendia que os slogans e os discursos sobre os Estados Unidos espalharem a democracia não se sustentavam, seja no Oriente Médio, seja na América Latina.”

O escritor declara que se chocou com “a rapidez com que o governo americano e a grande imprensa propagaram o discurso da guerra e quão rápido as pessoas o aceitaram. Estava claro que a guerra seria uma catástrofe não só para os iraquianos – mas também para os americanos, cujos filhos seriam enviados ao front”.

A segunda guerra no Iraque foi um divisor de águas para Antoon. “Desde então, me enfurece o quanto as pessoas ainda não entendem quão famintos por guerras são os Estados Unidos”, critica o escritor. Para piorar, não havia espaço para vozes alternativas ao discurso oficial da Casa Branca e do Pentágono.

“Eu estava pregando para convertidos. Fazia palestras em igrejas, sinagogas e universidades onde as pessoas já eram contrárias à guerra”, recorda-se. “Tentei publicar textos no Washington Post e no New York Times – mas eles estavam interessados apenas em escutar os poucos iraquianos que eram a favor da invasão. O nível do discurso na grande imprensa era limitado e superficial.”

Em sua opinião, ainda que boa parte da opinião pública já tenha ficado contrária àquela invasão, muitos fatos foram esquecidos. “A memória da guerra desapareceu, exceto por pequenos bolsões nas redes sociais. Muitos dos meus colegas que lecionam em universidades americanas dizem que seus alunos não sabem nada sobre 2003.”

“É um país que não sabe lidar com o genocídio das populações indígenas e com o que faz com as populações de origem africana. Não tem como a gente esperar que tenham simpatia pelos iraquianos”, resume o escritor. “Mesmo quando eles falam sobre a guerra, os civis iraquianos desaparecem. Nos aniversários da guerra, a mídia trata da experiência dos soldados americanos. É essa eterna inocência americana.”

Com o histórico de agressões dos Estados Unidos a outros países, Antoon relativiza o “apoio” da gestão Joe Biden à Ucrânia. “Ninguém foi responsabilizado (no Iraque), e o show continua. Vejo hipocrisia e racismo óbvios nos americanos quando fazem fila para condenar a invasão russa da Ucrânia”, diz ele. “Existe uma distribuição de humanidade, de acordo com a raça e a classe.”

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