Governo apresenta ações para enfrentar com urgência a violência nas escolas

Em meio a cenário de banalização do ódio e da violência promovida pela extrema-direita, governo Lula propõe ações focadas na paz, na saúde mental e no monitoramento das redes

Ministro da Justiça, Flávio Dino, anuncia medidas, ao lado dos ministros da secretaria-geral da Presidência, Márcio Macêdo; dos Direitos Humanos, Silvio Almeida; da Educação, Camilo Santana; da Comunicação Social, Paulo Pimenta e da Saúde, Nísia Trindade . Foto: Tom Costa/MJSP

O ambiente de violência vivenciado no Brasil, alimentado sobretudo pelo discurso de ódio que pulula nas redes sociais e que foi estimulado pelo bolsonarismo, está na gênese de diferentes atos extremados. Embora o fenômeno não seja uma exclusividade brasileira, é notório que, em meio a esse contexto, o país enfrenta uma onda sem precedentes de ataques em instituições de ensino, locais que deveriam ser os menos vulneráveis a esse tipo de situação.

Os assassinatos de quatro crianças em uma creche em Blumenau nesta quarta-feira (5) e de uma professora em uma escola de São Paulo nove dias antes mostraram que é urgente a criação de mecanismos que combatam a violência e o discurso de ódio. Levantamento publicado pelo G1 mostrou que desde 2011, o Brasil teve 13 ataques deste tipo, dos quais nove somente entre 2019 e 2022. E de acordo com o Poder 360, nos últimos 12 meses, pelo menos 37 pessoas morreram em atentados a instituições de ensino. 

“São muitos fatores que levam a esse efeito. Entre eles, a banalização da violência, a valorização da violência, o uso dela como estratégia para resolução de conflitos. Vimos isso com representantes do Poder Público que enalteceram a violência como estratégia, como meio, e o enfraquecimento das políticas de diversidade o que, infelizmente, enfraquece o diálogo para construir as relações interpessoais”, explicou à Agência Brasil a doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisadora de violência escolar, Danila Zambianco. 

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No âmbito do governo federal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva antecipou a criação de grupo de trabalho interministerial, que já vinha sendo gestada, com o objetivo de desenvolver estudos sobre o contexto e as estratégias e propor políticas de prevenção e enfrentamento da violência nas escolas. O decreto de criação foi publicado no Diário Oficial da União nesta quinta-feira (6). 

A coordenação e a secretaria-executiva ficarão com o Ministério da Educação. Participarão do grupo representantes dos ministérios das Comunicações, da Saúde, Cultura, do Esporte, dos Direitos Humanos e da Cidadania, da Justiça e Segurança Pública, além da Secretaria Nacional de Juventude da Secretaria-Geral da Presidência da República.

Medidas tomadas

Após participar, nesta quinta-feira (6), de reunião preparatória do GT, o ministro da Educação, Camilo Santana, informou que o governo federal fará reuniões semanais, que começam na próxima semana, sobre medidas de combate à violência nas escolas e uma proposta consolidada será apresentada em até 90 dias. No entanto, ressaltou que ações emergenciais e de implantação imediata — assim como as anunciadas ontem — serão tomadas ao longo desse período.

Segundo o ministro, o processo de debate sobre o plano de enfrentamento da violência nas escolas terá a participação de especialistas, gestores, professores e entidades e será encomendado um mapeamento das escolas sobre essa questão. 

“Discutimos um tema que é seríssimo e que precisa ser enfrentado fortemente, com ações mais urgentes, que é um trabalho de inteligência nas redes sociais, principalmente na chamada ‘deep web’, essas redes que estimulam a violência, o armamento”, disse Santana, em coletiva após a reunião. Ele destacou ainda que é preciso “discutir uma regulamentação das plataformas digitais hoje no Brasil, este é um debate que nós precisamos fazer”. 

No que diz respeito às ações mais urgentes ressaltadas por Santana e já anunciadas nesta quarta-feira (5) estão o repasse inicial de R$ 150 milhões aos estados e municípios, por meio do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), para apoio às polícias militares e guardas municiais, via Ministério da Justiça e Segurança Pública.  

Além disso, será constituído um grupo emergencial de monitoramento virtual, com 50 policiais atuando exclusivamente contra ameaças feitas em redes sociais. “Com isso, temos uma dimensão emergencial, de fortalecer o trabalho dos estados e municípios no que se refere às rondas escolares e, ao mesmo tempo, de fortalecer o trabalho do Sistema Nacional de Segurança Pública no que se refere a postagens virtuais que, infelizmente, estão se alastrando. São medidas práticas”, explicou ontem o ministro Flávio Dino. 

Ações futuras

Quanto às medidas de médio e longo prazo, o governo federal levará em conta as questões que serão trazidas pelo GT, mas já há o indicativo de uma série de ações que poderão ser tomadas em breve. Entre elas estão o fortalecimento de políticas psicossociais para lidar com problemas de saúde mental nas escolas públicas e privadas e o estímulo a programas que promovam a cultura de paz nessas instituições. 

Presente na coletiva, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, explicou que o tema da saúde mental vai estar na pauta de reunião do Conselho Nacional de Saúde na próxima semana. Ela também salientou que o MS vai fortalecer o programa Saúde na Escola, criado em 2003, “nessa visão mais abrangente de promoção e prevenção, e trabalhar com foco na juventude — e isso está presente em todos os ministérios que estão envolvidos nesse esforço”. Ela também destacou a importância de haver acolhimento para famílias e comunidade escolar. 

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Nísia ressaltou ainda que os atos de violência nas escolas “parecem manifestações individuais, mas sabemos que tem um laço social entre elas, temos que olhar para isso com medidas de promoção, prevenção, e também com as medidas de segurança”. E acrescentou: “a violência é considerada uma questão de saúde pública pela OMS (Organização Mundial de Saúde) desde a década de 1990, então, a violência é um tema do campo da saúde, mas ela muda as suas formas também e hoje temos fenômenos em que a comunicação, as redes, têm um componente fundamental, de maneira que precisamos promover outras ações que sejam positivas para a juventude e com a participação das nossas e os nossos jovens”.

O ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo, também se pronunciou após a reunião. Entre outros pontos, ele reforçou a importância do papel dos meios de comunicação no processo de combate ao discurso de ódio e à violência. “É importante também que a imprensa ajude com protocolos, como existem em outros países para esse tipo de situação, para que um cidadão desses não sirva de exemplo, como herói, para outras pessoas e grupos nas internet. O ambiente da internet tem contribuições boas para a sociedade, mas tem também suas mazelas e sabemos que tem grupos que se alimentam dessa situação”. 

Neste sentido, veículos de comunicação, como os do grupo Globo, reformularam suas normas para não mais mostrar o nome ou a foto dos autores desse tipo de crime, assim como vídeo das ações, bem como limitar o noticiário de atos subsequentes, para evitar o “efeito contágio” e a visibilidade pública que geralmente os criminosos almejam. 

Macêdo defendeu ainda que seja formada uma espécie de “brigada nacional em defesa da paz”,  envolvendo todos os entes federados e a sociedade. Também citou a possibilidade de criação de caravanas da juventude para a paz que percorrerão instituições de ensino pelo país.