Violência na Amazônia liga garimpo ilegal e facções

Treze mortes ocorreram desde sábado em terras indígenas; atuação de grupos indica conexão do garimpo ilegal com organizações criminosas

Yanomami ferido a tiros dia 29 é socorrido. Foto: Júnior Hekurari/Divulgação

A escalada de violência registrada nos últimos dias em áreas da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, com a morte de 13 pessoas, escancarou uma situação que há tempos vem se desenhando na região: a relação entre o garimpo ilegal, fortalecido nos últimos anos sob o governo de Jair Bolsonaro, e organizações criminosas que atuam em âmbito nacional, com ramificações para além das fronteiras brasileiras. 

Nesta segunda-feira (1º), oito corpos, identificados como sendo de garimpeiros, foram encontrados por agentes da Polícia Federal em Uxiu, na TI Yanomami. No sábado (29), um agente de saúde indígena foi morto e outros dois Yanomami ficaram feridos após serem atacados a bala na mesma localidade.

No dia seguinte, domingo (30), quatro garimpeiros foram mortos após reagirem à incursão de agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Ibama num ponto de garimpo conhecido como Ouro Mil, dentro da terra indígena. No local, foram apreendidos um fuzil, três pistolas, sete espingardas e duas miras holográficas, além de munição de diversos calibres, carregadores e outros equipamentos bélicos.

Após as primeiras ocorrências, uma comitiva do governo federal foi ao local, na segunda-feira (1º), para avaliar a situação e tomar medidas para fortalecer o combate à atividade na região. Desde o início do mandato, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem atuado na região com medidas de saúde e de combate à desnutrição, bem como em ações ambientais de combate ao desmatamento e de segurança pública para retirar os invasores das TIs. 

Leia também: Após ataques, governo reforça ações contra garimpo ilegal em terra Yanomami

As ações visam estancar uma situação que piorou sensivelmente nos últimos anos, sobretudo no governo de Jair Bolsonaro (PL). Em 2022, último ano de sua gestão, o garimpo ilegal cresceu 54% na TI Yanomami, segundo levantamento feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Hutukara Associação Yanomami. Nas gestões de Michel Temer (MDB) e Bolsonaro, a atividade explodiu: entre 2016 e 2022, o garimpo aumentou 787% nas terras indígenas, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 

Ao mesmo tempo, de acordo com o órgão, o desmatamento subiu 60% durante o governo Bolsonaro, assim como se agravaram a miséria e a fome entre os indígenas, o que levou a uma grave crise humanitária enfrentada logo nos primeiros dias do governo Lula. 

Garimpo e crime organizado

A dura realidade dessa região mostra que o desenvolvimento da extração mineral ilegal em terras indígenas está diretamente ligada à expansão das atividades de facções criminosas bem estruturadas. 

“Nosso serviço de inteligência tem encontrado indícios muito fortes de que alguns pontos de garimpo são mantidos com o apoio de organizações criminosas. Isso está sendo investigado. Uma das pessoas que morreu na operação de domingo [30] tinha envolvimento muito forte com uma das organizações criminosas”, explicou à Agência Brasil o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. 

A afirmação vai ao encontro de avaliação feita pelo sociólogo Rodrigo Chagas, pesquisador da Universidade Federal de Roraima e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que vem se debruçando sobre a questão. Ao UOL, ele disse que a facção paulista PCC estaria controlando a estrutura logística do garimpo para o escoamento de drogas para outros países e estados. E os avisões usados no transporte de ouro no garimpo também estariam levando drogas. 

Leia também: Relatório mostra avanço do garimpo ilegal e omissões de Bolsonaro 

Além do PCC, que teria maior domínio sobre as atividades em Boa Vista,  também estariam atuando na região o Comando Vermelho e facções da Venezuela. “É um problema internacional muito complexo. A defesa da Terra Indígena Yanomami é a garantia, um escudo para que não entre o narcotráfico”, declarou Chagas. 

A publicação “Cartografias das Violências na Região Amazônica”, do FBSP, lançada no final de 2021, já apontava que “a intensa presença de facções do crime organizado e de disputas entre elas pelas rotas nacionais e transnacionais de drogas que cruzam a região contribui com a elevação das taxas de homicídios/mortes violentas intencionais de seus estados, os colocando acima da média nacional”.

De acordo com o relatório,  em 2020, os estados da Amazônia Legal apresentaram taxa de violência letal mais alta, 29,6 a cada 100 mil habitantes, do que a média nacional, que é de 23,9.

A análise feita em 2021 explica, ainda, que “os déficits de governança e estrutura do aparato de segurança pública, sobretudo na capacidade de investigação criminal dos ilícitos/delitos cometidos na região, e justiça deixam a região refém das alianças e conflitos próprios da dinâmica do crime organizado e das suas sobreposições e trocas com crimes ambientais (desmatamento e garimpo ilegais, grilagem de terras, etc.)”. 

À BBC Brasil, o professor da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Aiala Colares Couto, um dos autores do estudo do FBSP, explicou: “percebemos que há uma aproximação do tráfico com o mercado de extração ilegal de madeira, com a grilagem de terras e com o garimpo em terras indígenas, sobretudo em Roraima. Entendi que essa relação dinâmica da economia do tráfico contribui para o avanço dos crimes ambientais, como desmatamento, poluição e redução da biodiversidade”. 

Ele acrescentou ainda que “essa conexão também contribui para o avanço da força política do próprio narcotráfico, que compreendeu que essas redes ilegais são importantes para ampliar seus recursos ilícitos e a lavagem de dinheiro”. 

Em visita a Roraima, ao falar sobre as ações que o governo federal vem empreendendo para a desintrusão das terras indígenas pelo garimpo ilegal, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, salientou: “A nossa preocupação é que tudo aconteça da forma mais pacífica possível. A gente não está, de forma alguma, incentivando esse conflito, não queremos derramamento de sangue. É por isso que a gente vem aqui, mais uma vez, para trazer essa presença do Estado brasileiro e reforçar a operação de libertação dentro do território yanomami”. 

Com agências