Inflação negativa mostra que juro alto do BC não tem base técnica sólida

A expectativa de economistas é que o BC cortará Selic em agosto, pois a deflação aumenta pressão por queda de juros

A queda no índice oficial de inflação em junho, anunciada nesta terça-feira (11) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é vista como um elemento de pressão para o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) iniciar um ciclo de cortes da taxa básica de juros, a Selic. A taxa atual em 13,75% ao ano, pode começar a cair porque não está lastreada na realidade dos preços e do mercado de consumo. 

Economistas consultados pelo Portal Vermelho, avaliam que as atuais taxas estratosféricas dos juros básicos são fruto de uma posição política do Banco Central, que tem sido confrontada pelo governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Para muitos, principalmente no governo, os juros já deveria ter caído. Desta forma, os alardeados critérios técnicos defendidos pelo Copom não fariam frente à realidade.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em -0,08% no mês passado. Foi o menor índice para um mês de junho desde 2017 e bem mais forte que o esperado. Os grupos alimentação, bebidas e transportes, foram os que mais ajudaram a puxar os preços para baixo no mês passado.

Gustavo Monteiro

Segundo o economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Gustavo Monteiro, há uma expectativa geral de que este resultado leve à redução da Selic. Mas a “boa pergunta”, segundo ele, é o que falta para o BC fazer isso, se a inflação vem caindo, há meses, e há toda uma pressão do governo para que os juros sejam mais viáveis para alavancar o investimento na economia.

A inflação está em uma trajetória decrescente desde fevereiro, e o acumulado em 12 meses está em 3,16%, bem no centro da meta de inflação. Como a taxa Selic é para se atingir esta meta, passou da hora de reduzir os juros.

“Tem uma questão de expectativa de maior inflação no segundo semestre”, diz Monteiro. Como houve um aumento no preço dos serviços, que é um setor relevante dentro da composição da inflação, este é o único ponto negativo que se pode verificar nesse IPCA de junho. Estima-se também que a gasolina deve ficar mais cara em julho, por causa da volta de tributos federais.

No entanto, todos os índices mais importantes revelam a consistência da queda, admitida pelo mercado. O índice de difusão, que mede o percentual de produtos e serviços que registraram aumento de preços tem apresentado queda de 50%. Isso mostra que menos produtos e serviços subiram de preço. O núcleo da inflação, que tem a tarefa de medir a verdadeira tendência da inflação, está mostrando desacelerações. Além disso, o comportamento dos preços dos alimentos mostra perda de fôlego da inflação. Esse processo de desinflação que começa nos alimentos favorece a condição da própria política monetária.

“Ruído político”

Para Monteiro, “parece que o problema maior é o ruído político”. “Tem uma desconfiança do mercado com o governo Lula, ao mesmo tempo em que as críticas do presidente talvez tenham colaborado para o BC marcar sua independência”, analisa ele. 

Para além do desconforto ideológico do mercado com o governo Lula, fica difícil defender a teimosia do presidente do BC, Roberto Campos Mello, em manter taxas tão altas e recessivas de juros. “Reforço que há um consenso de que o BC (na figura do Campos Neto) está exagerando ao manter a Selic tão alta por tanto tempo. Não tem como achar que é só uma análise técnica do BC”, enfatiza o economista. 

Marcelo Fernandes

Opinião semelhante tem o economista da UFRRJ, Marcelo Fernandes, que também é presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro. Para ele, o que explica a demora para começar a rota de redução de juros diante da deflação “é uma questão mais política, que econômica”. “É um ministro do Bolsonaro que está dentro do governo Lula”, define ele. Fernandes opina que o Banco Central está, deliberadamente, puxando a economia para baixo.

O economista refere-se ao fato do governo Bolsonaro ter conseguido a aprovação da autonomia do Banco Central em 2021, que, até então, era subordinado ao Ministério da Fazenda. Para ele, o BC tem um peso maior que a maioria dos Ministérios e está sendo comandado por um economista indicado pelo Bolsonaro.

“Mas já é dado como certo no mercado e o Banco Central ja deu sinais em relação a isso, de uma queda de 0,25 pontos na próxima reunião do Copom, em agosto. Muito Provavelmente, com 99,99% de certeza, que ele vai reduzir a taxa de juros em 0,25% em agosto”, afirmou o economista.

Clemente Ganz Lúcio

O sociólogo e consultor sindical, Clemente Ganz Lúcio, crê que todos os vetores que podem justificar uma queda acentuada da taxa de juros estão se confirmando. “Isso aumenta a pressão sobre a direção do Banco Central para mudar a política monetária, e começar, em agosto, uma redução da taxa de juros”, afirma, otimista.

Ele acredita que este cenário vem se desenhando. “A se confirmar essa tendência, teremos possibilidade de ter uma redução continuada da taxa de juros, até uma taxa bem menor do que aquela que vem sendo praticada no Brasil de hoje”, avalia, alinhado com setores do mercado que sugerem que o Brasil deve fechar o ano com uma taxa Selic em torno de 12%, que é muito alta ainda, mas a tendência é o início de um processo de flexibilização e, lá no final de 2024, quem sabe, uma Selic perto de 9%. 

O fator Governo Lula

Variação mensal do IPCA

A queda na inflação não é resultado apenas do clima sobre a lavoura. Existe um esforço do governo Lula para que isso ocorra. A mudança na política de preços de combustíveis, desde que o governo assumiu o controle sobre a Petrobras, tem impacto irradiador sobre toda a economia. Mas há outras medidas pontuais, também, que afetam a renda e o poder de consumo da população, além da produção de alimentos.

Por outro lado, o Banco Central não pode alegar que os juros altos tem algum efeito sobre essa deflação observada. Há economistas que consideram que a política monetária tem pouca influência, porque a deflação está muito concentrada em itens do IPCA que respondem pouco à taxa de juros. Alimentos têm preço formado em mercado, e transportes são preços administrados.

O Copom faz reuniões a cada 45 dias, em que decide a taxa básica de juros. Atualmente, a Selic está em 13,75%, sob a justificativa de que é preciso combater a inflação. Ao fim da reunião mais recente, 21 de junho, o Copom emitiu um comunicado para explicar a decisão: “O comitê avalia que a conjuntura demanda paciência e serenidade na condução da política monetária e relembra que os passos futuros da política monetária dependerão da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”, ressalta a nota.

O juro alto é uma forma de controlar a inflação, pois desestimula o consumo e deixa o crédito mais caro. Porém, é mais recessivo, afetando o crescimento da economia e a geração de empregos. Por isso, governo, empresários e centrais sindicais têm pressionado pela queda da Selic.

A próxima reunião do Copom será nos dias 1º e 2 de agosto com uma novidade importante para o governo. Uma mudança na formação do comitê aumenta a pressão pela queda da Selic. O Senado aprovou, no começo do mês, os nomes de dois novos diretores indicados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Com isso, a diretoria não é mais formada apenas por indicações do governo Bolsonaro.

Conforme a inflação caminhar para o centro da meta, fica inviável para o Copom fazer uma defesa técnica da alta de juros. A meta para a inflação deste ano é de 3,25%, com variação de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Já para 2024 e 2025, o alvo do governo é um IPCA em 3%, com o mesmo intervalo de variação.

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