Em Israel, a questão democrática vai muito além da reforma judicial

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Depois de mais de um mês de protestos diários e forte repressão contra os manifestantes, o parlamento israelense (Knesset), dominado pela direita e pela extrema-direita, aprovou, nesta segunda-feira (24) um projeto que, na prática, enfraquece a Suprema Corte de justiça, onde o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, enfrenta três processos por corrupção, fraude e abuso de poder. As forças repressoras sionistas agiram energicamente, e quase 60 pessoas foram presas e pelo menos 20 ficaram feridas. Ontem foi aprovada apenas a primeira parte da reforma, fatiada em várias votações e que ao final extinguirá, na prática, a independência do poder judiciário. No entanto, a questão democrática israelense vai muito além de uma suposta independência entre os poderes. Israel é, em si mesmo, um Estado racista e, portanto, reacionário e antidemocrático. Como existir um Estado democrático que se define como “Estado-nação do povo judeu”? Ou seja, qualquer israelense não-judeu será um cidadão de segunda classe, como são os árabes-israelenses. Mais grave do que isso. Como chamar de democrático um Estado que oprime outra nacionalidade, rouba suas terras, destrói lares de gerações, prende e assassina os filhos de um povo ancestral? Um Estado deste tipo, necessariamente, será neofacista em sua essência. O historiador judeu Illan Pappé chegou a comparar o que acontece com os palestinos atualmente com o que aconteceu com os próprios judeus durante o nazismo. Criticado, respondeu que fez uma comparação “evidentemente forçada” para justamente provocar uma reação a um tema silenciado e na sequência de sua resposta ele tocou no ponto nevrálgico: “Claro que não há câmaras de gás para exterminar os palestinos, mas a situação na qual se encontra o povo palestino é uma situação típica de um campo de concentração (…) isto não é um conflito. Poderíamos chamá-lo de conflito se se tratasse de dois países, com uma fronteira, e dois Estados, cada um com o seu exército. Trata-se de uma coisa completamente distinta: Apartheid.

Israel: Não é possível um apartheid “democrático”

Carro com policiais ataca manifestação em Israel

APARTHEID, é preciso escrever em caixa alta esta palavra sempre que se referir a Israel. Pappé chamou a coisa pelo nome. Como fez também o diretor executivo da organização de direitos humanos israelense B’Tselem, Hagai El-Ad, judeu formado pela Universidade Hebraica de Jerusalém: “Israel não é uma democracia que tem uma ocupação temporária ligada a si: é um regime entre o rio Jordão e o Mar Mediterrâneo, e devemos olhar para o quadro completo e ver o que ele realmente é: apartheid. Este olhar sóbrio para a realidade não precisa levar ao desespero, muito pelo contrário. É um apelo à mudança. Afinal, as pessoas criaram esse regime e podem mudá-lo”. Os protestos contra a reforma continuam e reúnem o que existe de mais avançado em Israel, incluindo os comunistas. Surpreende a extensão do movimento contra a reforma que chega a alcançar pontos sensíveis para o regime sionista, como é o caso de milhares de jovens que estão abandonando o serviço militar ou anunciam que não atenderão à convocação para servir. Segundo o PC de Israel, que em todos os protestos leva a bandeira palestina e faixas contra a ocupação, o movimento de “boicote dos reservistas” é “sem precedentes em escala (…) o exército israelense está lutando para conter uma crescente enxurrada de tropas de reserva que abandonam o serviço voluntário em protesto contra a reforma e as autoridades de defesa alertaram que ‘o fenômeno pode afetar a preparação militar nacional’”. Que o exemplo dos comunistas israelenses frutifique, e ao lado da luta contra a reforma sejam apresentadas as exigências pelo fim do apartheid contra o povo palestino, com a libertação de todos os presos políticos, o direito de retorno dos refugiados e o imediato estabelecimento do Estado Palestino, nas fronteiras de 1967, tendo Jerusalém Oriental como capital. Apenas desta forma será possível fazer com que Israel supere seu obstáculo atávico para a construção de um Estado verdadeiramente democrático, pois como diria Friedrich Engels, “não pode ser livre um povo que oprime outros povos”.

Contraofensiva ucraniana: Admissão do fracasso e os possíveis cenários

Embora de forma cautelosa, a mídia atlantista começa a admitir que a contraofensiva ucraniana falhou em seus objetivos, colocando o presidente dos EUA, Joe Biden, principal financiador e defensor da continuidade do conflito, em uma encruzilhada. Um dos mais prestigiados jornais estadunidenses, The Wall Street Journal, publicou, na edição desta segunda-feira uma matéria de Daniel Michaels, intitulada: “A falta de armas na Ucrânia diminui a esperança de avanço da guerra”. Segue um trecho do texto em tradução livre: “Quando a Ucrânia lançou sua grande contraofensiva nesta primavera, oficiais militares ocidentais sabiam que Kiev não tinha todo o treinamento ou armas – de projéteis a aviões de guerra – necessários para desalojar as forças russas. Mas eles esperavam que a coragem e a desenvoltura ucranianas superassem essas limitações. Não superaram. Campos minados profundos e mortais, extensas fortificações e poder aéreo russo combinaram-se para bloquear amplamente avanços significativos das tropas ucranianas. Em vez disso, a campanha corre o risco de cair em um impasse com o potencial de desperdiçar vidas e equipamentos sem provocar uma grande mudança no cenário. À medida que diminui a probabilidade de qualquer avanço em grande escala dos ucranianos este ano, surge a perspectiva inquietante para Washington e seus aliados de uma guerra mais longa – uma que exigiria uma nova e enorme infusão de armamentos sofisticados e mais treinamento para dar a Kiev uma chance de vitória. O cálculo político para o governo Biden é complicado. O presidente Biden está concorrendo à reeleição no outono de 2024 e muitos em Washington acreditam que as preocupações na Casa Branca sobre o impacto da guerra na campanha estão levando a uma cautela crescente sobre a quantidade de apoio a oferecer a Kiev”.

Contraofensiva ucraniana: Admissão do fracasso e os possíveis cenários II

Um soldado ucraniano em um local não revelado na região de Donetsk / Foto: OLEG PETRASYUK – ZUMA PRESS

Com a derrota da contraofensiva ucraniana sendo uma realidade cada vez mais irrefutável, o cenário pode se desenvolver de duas maneiras. 1ª) EUA / OTAN insistem no prolongamento do conflito, o que exigirá canalizar ainda mais recursos para a Ucrânia e quase certamente agravar a crise econômica internacional, arriscando além disso que a escalada leve a um conflito direto entre os países da OTAN e a Federação Russa, com consequências imprevisíveis. 2ª) EUA / OTAN incentivam nos bastidores que Zelensky inicie negociações de paz sem pré-condições e tentam, no campo político/diplomático, administrar e minimizar a perda de prestígio que este recuo significará. O segundo cenário é o mais favorável à paz, entre outros motivos porque afasta do horizonte imediato o perigo de uma conflagração direta entre potências nucleares, mas, caso se confirme, não significa que o mundo não continuará turbulento e instável, pois o imperialismo jamais desistirá de seus objetivos estratégicos. Porém, esta segunda hipótese, exige que se resolva, do ponto de vista atlantista, um interessante problema de comunicação.

Contraofensiva ucraniana: Admissão do fracasso e um problema de comunicação

Há mais de um ano o aparelho midiático hegemônico vem garantindo que a Rússia estava derrotada militarmente e que a vitória ucraniana era questão de tempo. Para se adaptar à realidade sem perder o prestígio deve-se conduzir uma operação comunicacional cuidadosa. É preciso que a nova abordagem flua da forma mais “natural” possível, como um filete de água de uma nascente que vai aos poucos tornando-se um rio caudaloso. Assim, no dia 5 de junho, o New York Times publica uma reportagem “revelando” a presença ostensiva do neonazismo entre as fileiras ucranianas. Agora, o Wall Street Journal “descobre”, que virtudes como “coragem e desenvoltura ucranianas” não são suficientes para vencer um exército maior e mais bem equipado como o exército russo, que além de tudo é historicamente conhecido por sua “coragem e desenvoltura”. O cidadão que se informa apenas pela mídia hegemônica (a grande maioria), começa a ficar um tanto confuso pelo novo e inesperado rumo do conflito. Contudo, creio que em breve surgirão, pipocando aqui e ali, reportagens revelando o grau de corrupção da elite ucraniana, que desvia dinheiro para paraísos fiscais e armas para o Mercado paralelo. A corrupção, aliada à questão da presença neonazista e aos custos sociais e econômicos da guerra, aspectos que aos poucos serão cada vez mais realçados pela mídia hegemônica, conduzirão “naturalmente” à conclusão de que a Ucrânia, mesmo com o apoio desinteressado de ingênuos democratas que não sabiam antes destes detalhes, nunca teria chance de vencer, sendo deste modo necessário parar com a sangria de recursos. E Zelensky nisso tudo? Caso o segundo cenário de fato se imponha, o destino de Vladimir Zelensky estará ligado diretamente a sua capacidade de se comportar como a obediente marionete que tem sido até agora, o que lhe garantirá no mínimo um exílio confortável ou mesmo algum futuro político, ou, se optar por não obedecer a seus amos, será descartado com facilidade pelo imperialismo que já mostrou que não tem a mínima paciência com ex-agentes que se tornam um peso morto.

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