Investigação desnuda golpismo bolsonarista e pode chegar a ex-presidente

Segundo apurações da PF, uso da PRF em redutos de Lula para tentar reduzir sua votação no segundo turno pode ter sido planejada pelo governo Bolsonaro e não uma ação isolada

Bolsonaro, Torres e Vasques. Foto: Anderson Riedel/PR

Revelações trazidas por diferentes frentes de investigação vão desnudando os planos golpistas do bolsonarismo para muito além da mera retórica, aproximando cada vez mais as iniciativas de auxiliares ao ex-presidente Jair Bolsonaro. A ação da Polícia Rodoviária Federal no segundo turno das eleições é um desses casos — afinal, difícil acreditar que todo o esquema montado para dificultar a chegada de eleitores às urnas em locais onde Lula era franco favorito tenha sido feito sem o conhecimento ou à revelia daquele que seria o principal beneficiado. 

A prisão, na quarta-feira (8), do ex-diretor da PRF, o bolsonarista Silvinei Vasques — que, a despeito do cargo que ocupava fez campanha pela reeleição de Bolsonaro via redes sociais e exibiu camiseta do Flamengo com o número 22, recebida de seu chefe, o então ministro da Justiça, Anderson Torres — reforça fatos graves que mostram o uso criminoso da máquina pública para beneficiar um dos candidatos à presidência da República. Segundo a Polícia Federal, a apuração aponta para os crimes de prevaricação, violência política e restrição ao exercício do voto.

O andamento das investigações vai fechando o cerco ao bolsonarismo. Mais do que bravatas, ao que tudo indica o ex-presidente e seus subordinados conspiravam para se manter no poder, jogando todas as fichas disponíveis para lograr esse objetivo, mesmo que, para isso, fosse necessário passar por cima da Constituição e das instituições.

Nesta quinta-feira (10), em cerimônia no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou: “Tentaram corromper a PRF para não deixar pobre votar. Eles não contavam que Deus era maior que tudo isso, não contaram que íamos ganhar a eleição”. 

Bolsonarismo nu

No caso em questão, a prisão de Silvinei Vasques aumenta a pressão sobre o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, pelo qual era chefiado e, claro, acende a luz vermelha para o ex-presidente. Segundo informado pelo jornal O Estado de S.Paulo, ao prestar depoimento à Polícia Federal, poderá ser feita a Vasques uma proposta de acordo de delação premiada, a fim de esclarecer quem são os envolvidos e de onde vieram as ordens para que as operações fossem feitas. 

Vale lembrar que conforme apurado até o momento, no segundo turno das eleições, o efetivo e as operações da PRF se concentraram em redutos de Lula. Dados da própria PRF divulgadas por O Globo mostram que 2.887 veículos foram parados em blitze no Nordeste no dia do 30 de outubro. O número representa 31,6% do total das abordagens no país (9.133), sendo que a região concentra 17,6% da frota nacional de automóveis. No Sudeste, onde estão 47,8% dos veículos, apenas 2.543 foram parados — o que representou 27,8% das abordagens.

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Além disso, segundo o jornal, “foram escalados 795 policiais rodoviários federais para atuar no Nordeste, contra 528 no Sudeste, 418 no Sul, 381 no Centro-Oeste e 230 no Norte. O número de ônibus fiscalizados também foi maior: 2.185 no Nordeste, contra 310 no Norte, 571 no Sudeste, 632 no Sul e 893 no Centro-Oeste. Já o total de ônibus retidos no Nordeste, 48, foi superior à soma das outras regiões: 26”. 

A esses dados, soma-se outra evidência do “estranho” interesse da PRF nos locais onde Lula teve mais votos: o mapa encontrado no celular da delegada Marília de Alencar, então diretora de Inteligência do Ministério da Justiça, que traz informações sobre locais onde Lula teve 75% ou mais de votos no primeiro turno. Tal documento, que foi periciado, pode ter sido o guia para as operações. Segundo a delegada, tais informações teriam sido demandadas por Torres e foram apresentadas a ele em uma reunião no dia 17 de outubro. 

Dois dias depois, em 19 de outubro, teriam ocorrido, segundo a PF, duas novas reuniões focadas no reforço aos bloqueios em estradas de áreas com prevalência de votos para Lula. Um desses encontros— com Torres, Vasques, e outros representantes da PRF, Ministério da Justiça e PF — é apontado como possível prova de que as operações não foram fruto de uma decisão solitária do ex-diretor da PRF, mas sim uma decisão do governo Bolsonaro, conforme apuração de Malu Gaspar. 

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“Para os investigadores que trabalharam na operação da PF desencadeada hoje, destrinchar o que aconteceu nessa reunião é a próxima prioridade para envolver não só o ex-ministro da Justiça Anderson Torres como também o ex-presidente da República na coordenação e no planejamento dos bloqueios nas estradas”, escreveu a jornalista. 

Em meio a esse cenário de evidências e das tentativas dos envolvidos de quererem fazer crer que essas operações não tiveram motivação eleitoral, é importante recordar que em depoimento à CPI que apura os atos golpistas de 8 de janeiro, Vasques faltou com a verdade ao afirmar que “o Nordeste e o Norte foram os locais em que a Polícia Rodoviária Federal menos realizou fiscalização [no segundo turno das eleições de 2022]. Onde mais se fiscalizou foi no Sudeste, Sul e Centro-Oeste”. Os números acima mencionados desmontam essa tese. Além disso, declarou que a PRF havia realizado fiscalização em 694 pontos pelo Brasil, 228 no Nordeste. Mas números da Controladoria Geral da União (CGU) apontam que foram 911 ao todo e 290 naquela região. 

Não é de hoje que Bolsonaro e seus asseclas estão na mira da Justiça por tentar toda sorte de estratégia para corroer a democracia brasileira e se manter no poder — a inelegibilidade do ex-presidente decorre, aliás, de uma dessas tentativas. A linha de investigação da PF, agora, pode demonstrar que as operações de 30 de outubro foram mais um elemento no leque de opções do golpismo bolsonarista.