Líder sindical propõe união para derrotar a direita no Equador
Marcela Arellano, da Federação Unitária dos Trabalhadores, defende frente ampla contra o retrocesso, representado pelo candidato da direita
Publicado 22/08/2023 18:11 | Editado 24/08/2023 12:07
Defensora da candidatura de Yaku Pérez no primeiro turno das eleições presidenciais, a líder da Federação Unitária dos Trabalhadores (FUT) e presidente da Confederação Equatoriana de Organizações Sindicais Livres (CEOSL), Marcela Arellano, afirma que o momento é de unir forças para derrotar o multimilionário Daniel Noboa, “elemento que é de extrema-direita e significa a privatização do Estado”.
Representada por Luisa González, a Revolução Cidadã, assinala Marcela, “precisará explicitar com ênfase na campanha até 15 de outubro o seu compromisso com um projeto de desenvolvimento nacional que fortaleça o setor produtivo”.
Na construção desta frente ampla contra o retrocesso, propõe a presidente da CEOSL, é preciso garantir um Estado a serviço do povo, sob sua direção, com serviços públicos de qualidade eficientes na saúde, educação e segurança. “Para nós, água e energia são questões centrais e vitais para o desenvolvimento do Equador. Outro ponto é a defesa do Instituto Equatoriano de Seguridade Social (IESS), que precisa ser fortalecido e ampliado”, sublinha a dirigente da frente de luta que congrega três centrais sindicais (CEOSL, CTE e UGTE), além da Confederação de Organizações Classistas Unitária de Trabalhadores (Cedocut) e três das principais entidades nacionais dos educadores, servidores provinciais e municipais.
Confira a entrevista com Marcela Arellano.
O Equador terá um segundo turno em 15 de outubro colocando frente a frente dois projetos. Como analisas o cenário?
Marcela Arellano – Nosso país vive um momento muito conflitivo devido a dois elementos. Um deles é a pobreza, a precariedade que se estende em vários setores e que aumentou após a pandemia. Estamos vivendo um momento de crise política, de crise econômica, e o resultado são essas eleições antecipadas. Nesse momento eleitoral, o que temos observado é o aumento da violência, que obrigou as pessoas a votarem em alternativas que não estavam previstas. O cenário eleitoral muda e passam ao segundo turno duas forças políticas totalmente opostas: uma que representa o que se chama de Revolução Cidadã e a outra, de extrema-direita, a oligarquia.
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Daniel Noboa é um político que ninguém havia visto, um personagem totalmente jovem no cenário eleitoral do país. No entanto, apesar da sua pouca idade, 35 anos, não é um representante da nova política. Ele representa os grupos econômicos tradicionais, está ligado às oligarquias agroindustriais, setor com o qual o movimento sindical vem tendo fortes enfrentamentos. Seu pai, Álvaro Noboa [que perdeu cinco vezes a disputa à presidência da República], é dono de grandes plantações de banana e de muitas empresas onde nunca houve oportunidade de desenvolvermos o sindicalismo. Nós tivemos confrontos muito graves nas empresas que seu pai dirige. O mais sério foi a greve na fazenda Clementina, onde houve assassinatos de lideranças sindicais e uma descomunal repressão.
Precisamente no setor bananeiro, onde o Grupo Noboa atua, não temos conseguido sindicalizar os trabalhadores. Portanto, há uma grande preocupação de que, com a eleição deste sujeito, o país avance rumo a uma política anti-trabalhista e antissindical, da mesma forma como adotou seu pai e os grupos ligados a ele, essa “nova” expressão política da oligarquia equatoriana.
Estamos profundamente preocupados e consideramos que os direitos trabalhistas e sindicais no Equador estão em perigo com uma possível chegada de Noboa à Presidência da República. Consideramos que esse personagem representa um risco não apenas para os direitos trabalhistas e sindicais, mas para a democracia no país, para garantir um Instituto Equatoriano de Seguridade Social (IESS) que favoreça a Previdência dos trabalhadores.
Neste momento estamos em disputa. O governo quer nos negar a representação que os filiados e aposentados têm no IEES. Esse instituto foi tomado por Lasso, e agora existe uma proposta de uma comissão organizada por ele, que é muito próxima do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, que propõe o aumento da idade de contribuição, a diminuição das contribuições dos aposentados e a abertura de contas individuais. Em suma, quer sua transferência para as seguradoras privadas dos fundos de pensão.
Consideramos que a chegada do Noboa também coloca em risco a Previdência Social. Na verdade, os grupos econômicos que representa têm impulsionado fortemente uma agenda neoliberal. Isso implica uma reforma do Estado que tende à privatização das empresas públicas com a transferência dos serviços públicos para mãos privadas. Portanto, a mercantilização dos serviços públicos que deixariam de ser um direito e passariam a ser mercadoria.
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Dado o caso das privatizações, o “ajuste estrutural” significaria um Estado diminuído, pequeno, sem condições de garantir acesso à saúde e educação. Reafirmo que a preocupação do movimento sindical não tem a ver apenas com os direitos trabalhistas, com os direitos sindicais, mas com a estrutura do Estado e com a implementação de uma agenda neoliberal que tem prejudicado o país e colocado em risco todos os direitos.
Noboa representa esses grupos oligárquicos, por isso, apesar de ser um “político” novo, representa a típica agenda neoliberal desgastada no Equador.
Pelos estreitos vínculos com Lasso, seria a continuidade da mesmíssima política do atual presidente?
Marcela Arellano – Nossa compreensão é que Daniel Noboa poderia fazer algo ainda mais sério. Lasso não conseguiu consolidar a oligarquia e os interesses dos banqueiros e me parece que Noboa tem a possibilidade de aglutinar, além do poder econômico, os conglomerados midiáticos.
Eles o posicionaram como um novo ator, como um ator limpo, alguém que pode tirar o Equador da crise. Isso mostra que os grupos econômicos estão por detrás de Noboa. Portanto, é muito mais grave do que o governo Lasso, que não tinha capacidade de unir esses setores econômicos e políticos mais reacionários.
Noboa representaria a busca de uma elite entreguista pela privatização do Estado e a desnacionalização?
Marcela Arellano -Exato. É uma continuidade dos governos neoliberais dos anos 90 e do projeto político de Lasso. E há um papel da mídia nisso tudo, na construção desse discurso em defesa da submissão ao capital financeiro internacional, de “acordos” com o FMI, e da aproximação com os interesses geopolíticos dos Estados Unidos.
A mídia propagandeia o discurso de submissão a esses atores estrangeiros. Qual a capacidade da sociedade equatoriana organizada para se contrapor ao discurso de capitulação?
Marcela Arellano -A direita tem uma série de quadros políticos e ideológicos bem preparados, que defendem o neoliberalismo, a flexibilização trabalhista, a privatização e o Estado diminuído, que estão em todos os meios de comunicação.
Nesta última semana e no silêncio eleitoral, a Comissão para a reforma do Instituto Equatoriano de Seguridade Social esteve em vários meios de comunicação e promovendo – sem qualquer contraposição, num discurso monocórdico – sua cartilha de caráter regressivo, de redução de direitos.
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Diante disso, consideramos que os meios de comunicação jogam um papel importantíssimo neste momento eleitoral na defesa de um Estado a serviço dos interesses dos bancos, das seguradoras, do capital agroindustrial, dos que propõe uma reforma trabalhista para acabar com os direitos trabalhadores. Há uma séria preocupação do movimento sindical frente à necessidade de garantirmos direitos e um Estado a serviço do povo.
Os movimentos social, sindical, indígena e popular devem ter uma estratégia de comunicação clara neste momento em defesa dos direitos, devem ter seus próprios canais. Isso nos permitirá chegar à maioria da população, a fim de garantir que a agenda que propomos seja de um Estado a serviço povo, de fortalecimento do aparato produtivo, garantindo os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, assegurando que a violência que estamos vivendo, que os níveis de insegurança, não apavorem nosso povo nem afetem a ação sindical e as organizações sociais.
A mídia das organizações sociais e a mídia comunitária tem que garantir esse objetivo. Para isso, é necessária uma estratégia de comunicação das entidades, uma plataforma unitária de luta, e é preciso nos posicionarmos nesse cenário eleitoral com alternativas à crise e ao problema de insegurança.
Me disseste que o Equador tem historicamente muitos planos de integração para a América Latina. Até falaste do Canal Interoceânico com o Brasil, reduzindo a dependência do canal do Panamá. Como vês isso?
Marcela Arellano – A integração latino-americana é uma aspiração antiga do movimento social equatoriano, uma alternativa que permita nosso desenvolvimento econômico, com soberania. Garantir uma nova matriz produtiva para o Equador como gerador de serviços de eletricidade e de transporte. Vejo que este é o horizonte, mas agora na América Latina e no mundo temos uma nova ameaça que é o crime organizado.
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Neste quadro, precisamente, a integração também pode ser uma saída, uma vez que possibilitará uma resposta mais articulada do Equador com o conjunto dos nossos países. Acredito que não dá para sair da violência em que estamos mergulhados se não tivermos níveis básicos de segurança.
Afinal, isso também é um problema para os países produtores e consumidores do narcotráfico. É preciso obrigar os países que consomem a deixar de consumir. Sim, porque parte dos problemas que temos é justamente isso. Os níveis de violência estão aumentando em nossos países. É preciso garantir que os países consumidores de drogas não tenham mais suprimentos suficientes. Simplesmente não se fala disso, se ignora, mas é a verdade.
Qual seria o eixo para derrotar Noboa?
Marcela Arellano -Acredito que o programa central da frente tem que ser a defesa do Estado. Precisamos garantir um Estado a serviço do povo, sob sua direção, com serviços públicos de qualidade eficientes na saúde, educação e segurança. Para nós, água e energia são questões centrais e vitais para o desenvolvimento do Equador. Outro ponto é a defesa do Instituto Equatoriano de Seguridade Social (IESS), que precisa ser fortalecido e ampliado.
Precisamos de mais segurados que contribuam, mas que também recebam serviços do IESS, particularmente garantir aposentadorias, assegurar pensões, saúde, seguro-desemprego e contra acidentes de trabalho. A maioria dos trabalhadores que não tem crédito tiveram suas casas construídas com empréstimos do Banco do IESS. Ou seja, é uma segurança quase completa. É nisso que querem colocar a mão.
Então esse instituto para nós é estratégico. Precisamos cuidar dele e fazer com que seja fortalecido, porque é também um instituto que permite ao Estado reduzir as suas despesas, os seus custos. Não é preciso cuidar dos trabalhadores em matéria de saúde nem de pensões, porque nós próprios poupamos para receber pelo que contribuímos. Portanto, devemos preservar o IESS.
Outros pontos que aparecem neste cenário político eleitoral é o de enfrentamento à violência e o cuidado com a natureza.
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Além disso, um elemento para o diálogo e acordo entre as organizações do setor popular e, esperançosamente, também entre os empresários, é a possibilidade que o Equador assumiu: a não exploração do Parque Nacional do Yasuní [aprovada por quase 60% dos eleitores em referendo histórico no domingo (20)] e a saída da mineração do Chocó Andino – reconhecida pela Unesco como Reserva de Biosfera da Humanidade (referendada por quase 70% dos votantes].
Então, foi dado o alerta que é preciso ter cuidado. Isso implica cuidarmos da natureza, cuidarmos da água. E que devemos buscar alternativas ao extrativismo petroleiro e de mineração.
Esse próximo ano e meio será de diálogo intenso dos setores populares para montar uma agenda política e construir uma proposta que possa ser apresentada ao Equador como alternativa política e eleitoral possível.
Para nós, mulheres, também é preciso haver uma agenda que valorize o trabalho das cuidadoras [dos que atualmente não são remunerados, mas que cuidam de crianças e de idosos nos lares e se dedicam à preservação da natureza]. O trabalho reprodutivo é essencial, mas nenhum candidato abordou o tema. E há necessidade de aposentadorias para o trabalho doméstico não remunerado, o reconhecimento e valorização do cuidador.
Acho que esse é outro elemento que pode nos unir e permitir o diálogo e a eliminação da violência no ambiente de trabalho. É preciso garantir o reconhecimento social, o reconhecimento econômico do trabalho de cuidado. Acredito que estes são os grandes eixos que podem unir o movimento sindical, o movimento de mulheres, o movimento ambiental e o movimento popular no Equador.
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