Stédile aponta limites e avanços do Governo na política agrária

Para o líder do MST, em entrevista a veículos da imprensa alternativa, a fome e a desigualdade ainda não foram tratadas “com a seriedade” que precisam.

O dirigente e um dos fundadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, foi entrevistado por jornalistas dos meios independentes nesta segunda-feira (28). O encontro foi promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé em parceria com o MST e foi transmitido ao vivo no Canal da TV Vermelho, entre outros parceiros.

Stédile prestou depoimento, no último dia 15, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a organização com objetivos de tentar criminalizá-la, agitar a base bolsonarista e, em última instância, atingir o governo Lula. Seu depoimento teve enorme impacto ajudando a acelerar o encerramento da farsa inquisitória.

A entrevista coletiva teve a apresentação de Altamiro Borges e contou na bancada de entrevistadores com César Xavier do Portal Vermelho.

Assista à íntegra da entrevista e leia o resumo abaixo:

A entrevista com João Pedro Stédile começou abordando uma avaliação crítica do governo Lula 3, com ênfase em política internacional, reforma agrária e comunicação. A entrevista revela a postura crítica e comprometida de Stédile com a justiça social e a reforma agrária, enquanto destaca a importância de uma política internacional ativa e a necessidade de um enfoque mais assertivo e abrangente por parte do governo para resolver problemas prementes e promover a justiça social.

Stédile apresenta suas opiniões de forma franca e crítica, com destaque para os seguintes temas:

Política Internacional:

Stédile começa a entrevista exaltando a política internacional do governo Lula. Ele atribui uma nota alta ao governo Lula 3 em política internacional, destacando a habilidade do presidente Lula em estabelecer relações e tomar iniciativas no cenário global. Ele elogia a capacidade do governo em promover a paz e o convívio entre nações, ressaltando o reconhecimento internacional do Brasil como uma nação plural.

“Bem, o governo Lula, na minha opinião, ele tira 10 com louvor na política internacional.” Ele atribui isso à iniciativa da política externa e ao reconhecimento global da capacidade do Brasil em promover a paz.

Política Interna e Reforma Agrária:

Stédile menciona críticas em relação à política interna do governo Lula. Ele comenta sobre a situação da Ministra da Saúde e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), enfatizando que o MDA foi reativado após ser fechado no governo anterior. Ele destaca a importância do INCRA para a reforma agrária, mencionando que o órgão estava funcionando mais como um balcão de negócios para fazendeiros do que para promover a reforma agrária.

“Nós temos que ter uma voz crítica para poder ajudar o governo a avançar.”

O entrevistado reconhece que o governo enfrenta desafios em lidar com passivos deixados pelo governo anterior em relação à reforma agrária. Ele enfatiza a necessidade dos movimentos populares, como o MST e a CONTAG, em exercer uma voz crítica construtiva para impulsionar o governo a tomar medidas mais eficazes na área da reforma agrária.

Combate à Fome e Desigualdade Social:

Stédile destaca a urgência em combater a fome no Brasil, enfatizando que o governo não tem abordado essa questão com a seriedade necessária. Ele critica o orçamento insuficiente destinado ao Programa de Compra Antecipada de Alimentos (PA), mesmo que haja uma alta demanda por alimentos e uma grande quantidade de projetos apresentados por cooperativas e associações.

Ele também ressalta a importância de investir em áreas de quilombolas e territórios indígenas para reparar injustiças históricas e combater a desigualdade social. Ele compartilha uma conversa com o presidente Lula, na qual Lula se compromete a dedicar recursos para reparar a dívida histórica com os povos indígenas.

Ele critica a abordagem do governo em relação à fome, mencionando o Programa de Compra Antecipada de Alimentos (PA): “O problema da fome ainda não foi encarado com a seriedade que precisa.”

Stédile também aborda as áreas de quilombolas e territórios indígenas, enfatizando a urgência de investimentos: “Aí tem que botar dinheiro, que senão não tem como você reparar fazendeiros, fazer a desintrusão.”

Ações Futuras:

Stédile destaca a necessidade de ações mais contundentes por parte do governo em relação ao combate à fome e à desigualdade social. Ele enfatiza que o plano de emergência deve ser atendido de forma rápida e eficaz, e que ações mais estruturantes devem ser implementadas no médio prazo para fortalecer a produção de alimentos e reduzir a desigualdade.

Num segundo momento da entrevista, o líder sem-terra aborda duas questões distintas: o julgamento do “Marco Temporal” pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e os desdobramentos da CPI do MST. Stédile compartilha suas opiniões com profundidade e detalhes, utilizando as seguintes frases:

Sobre o “Marco Temporal” e a decisão do STF:

Stédile expressa esperança no veredito do STF sobre o “Marco Temporal”, que pode dificultar a criação de novas reservas indígenas. Ele critica a tese conservadora, afirmando: “Seria uma vergonha para todo o povo brasileiro se a corte tomasse alguma decisão contra os povos indígenas.” Ele denuncia o histórico de violência contra os povos indígenas, como o caso dos Xokleng, e espera que o tribunal não tome uma decisão contrária a eles. Stédile indica que já existem votos favoráveis e aposta em setembro como possível data para uma decisão em favor dos indígenas.

Sobre a atuação do ministro Cristiano Zanin:

Stédile responde a uma pergunta sobre o ministro Zanin, indicado por Lula, que tem adotado posições conservadoras em votações. Ele espera que Zanin honre a confiança de Lula e proteja os interesses do povo brasileiro. Stédile destaca que territórios indígenas não são propriedade dos povos indígenas, mas sim da nação como um todo, para serem zelados em nome do povo brasileiro e da natureza.

Sobre a CPI do MST:

Stédile comenta sobre o fim iminente da CPI do MST, que deve apresentar seu relatório final em breve. Ele aborda propostas de requerimentos para quebrar sigilos financeiros, bancários e telecomunicacionais, lançadas por parlamentares como Kim Kataguiri e Ricardo Salles. Ele argumenta que tais propostas não têm justificativa, uma vez que não há provas de crimes ou desvios de recursos. Stédile vê as ações como tentativas de difamação e especulação política. Ele espera que a maioria na CPI, agora favorável ao governo, rejeite essas propostas e sugere que um relatório condizente com a realidade agrária e a necessidade de reforma agrária seja aprovado.

No fim do bloco, o líder do MST aborda a ascensão do bolsonarismo, o impacto nas organizações sociais, o futuro político do movimento e a polarização na sociedade brasileira. Sobre o bolsonarismo e a possibilidade de sobrevivência:

Stédile inicia destacando como o MST foi alvo do bolsonarismo ao longo dos quatro anos de governo de Bolsonaro, junto com outros movimentos sociais como indígenas e quilombolas. Ele reflete sobre se o bolsonarismo consegue sobreviver às denúncias enfrentadas por seu líder, questionando se a extrema-direita continua sendo uma força a ser considerada mesmo sem Bolsonaro no poder. Ele sugere que a influência dessa ideologia deve perdurar no país por muitos anos.

Análise da crise e do surgimento do bolsonarismo:

Stédile atribui a crise do capitalismo, a partir de 2014, como um catalisador para o surgimento do bolsonarismo. Ele descreve como a burguesia brasileira responsabilizou a ex-presidente Dilma Rousseff pela crise, culminando no golpe que levou ao governo de Michel Temer. Stédile critica as reformas impostas pelo governo Temer, que prejudicaram milhões de trabalhadores. Ele observa que, em 2018, a burguesia investiu na eleição de Bolsonaro como uma tentativa de proteger seus interesses e que muitos apoiadores de Bolsonaro eram, na verdade, influenciados pelo poder econômico e midiático da burguesia.

Sobre a influência do bolsonarismo na sociedade:

Stédile argumenta que a expressão “bolsonarismo” não representa uma ideologia coesa, mas sim uma representação dos interesses da burguesia brasileira. Ele afirma que sempre houve uma parcela de extrema-direita na sociedade, cerca de 10% a 15% da população, que se manifesta de diversas formas ao longo da história. Ele destaca que Bolsonaro é visto como um agente da burguesia, não como um líder com força própria. Stédile aponta que uma parte da burguesia já abandonou Bolsonaro devido à crise não resolvida e migrou para apoiar Lula, evidenciando como o apoio político é influenciado por interesses econômicos.

Perspectivas futuras e desafios:

Stédile expressa otimismo em relação ao futuro político do Brasil. Ele acredita que, com o retorno da democracia e a mobilização popular, é possível reduzir a influência antidemocrática da extrema-direita. Ele espera que a maioria do povo brasileiro, que não se alinha com essa ideologia, consiga reforçar a democracia e combater a polarização, buscando eliminar a força do extremismo em longo prazo.

Um novo bloco de perguntas começa com Stédile discutindo os desafios da reforma agrária no Brasil, o papel dos comunicadores e jornalistas, a influência da mídia na opinião pública e as possibilidades de avanço nesse contexto. 

Desigualdade e propriedade da terra:

Stédile destaca a profunda desigualdade na sociedade brasileira, resultado de sua história de escravidão e colonização capitalista. Ele aponta o Brasil como o segundo país com maior concentração de propriedade da terra no mundo, atrás apenas do Paraguai. O líder do MST também comenta sobre a mentalidade patrimonialista presente no país, onde a posse de terra é vista como status, independentemente do uso agrícola.

Papel da mídia e comunicadores:

Stédile ressalta o papel central da mídia, especialmente da Rede Globo, em legitimar ideias da classe dominante e perpetuar a desigualdade. Ele aponta que a mídia influencia a opinião pública, mesmo que muitos queiram negar sua influência. No entanto, ele valoriza os comunicadores críticos, ainda que tenham limitações de alcance.

Reforma agrária e questões ambientais:

Sobre a reforma agrária, Stédile apresenta duas perspectivas. No curto prazo, ele considera que a atuação do governo Lula deve focar em ações emergenciais, como resolver conflitos de terras, combater a fome e melhorar a situação das famílias acampadas. No entanto, em um horizonte mais longo, ele aponta para a importância de uma mudança estrutural nas relações com a terra. Stédile argumenta que a natureza pode ser uma aliada nesse processo, mencionando a necessidade de produzir alimentos em vez de commodities e a relevância de reflorestamento para combater a crise climática. Ele também propõe uma reforma agrária que leve a propriedade da terra mais próxima das cidades, incentivando a agricultura familiar e sustentável.

Desafios e ideias para a reforma agrária:

O líder do MST reconhece a complexidade da questão agrária no Brasil, mas oferece sugestões para avançar. Ele defende a distribuição de terras mais próximas das cidades, com lotes menores e voltados para a agricultura familiar. Essa abordagem permitiria a produção de alimentos saudáveis e a melhoria da qualidade de vida dos agricultores, sem a necessidade de viver isolados no interior. Stédile enfatiza a importância de mudanças estruturais e de conscientização para alcançar uma reforma agrária mais justa e eficaz.

Stédile voltou ao tema da recente CPI que tem como alvo o MST e sua atuação. A resposta destaca as complexidades e emoções envolvidas na participação de Stédile na CPI, mostrando como a ação teve impacto sobre a imagem e a luta do MST.

Ele aborda as ações de Ricardo Salles e o Tenente Coronel Zucco durante as diligências nos assentamentos, destacando a maneira como eles seguem um script fascista e buscam produzir factoides para suas bases. Stédile aponta que essas ações não têm impacto na base do MST, mas sim na base dos próprios bolsonaristas.

Criminalização do MST:

Stédile aponta que o objetivo claro da CPI era criminalizar o MST e outras lutas sociais. Ele argumenta que a oposição tentou proteger-se dos crimes que cometeu contra o meio ambiente e os povos indígenas ao instalar a CPI. Ele comenta que a CPI não encontrou apoio entre os parlamentares ruralistas, indicando a falta de coesão na base parlamentar do agronegócio.

A participação na CPI:

Stédile descreve a experiência de ter participado da CPI como emocionante e revigorante. Ele menciona a presença de várias entidades e grupos de apoio, incluindo religiosos, sindicatos, deputados e outros movimentos sociais. Ele destacou o apoio e os abraços recebidos como uma fonte de energia positiva que o ajudou a defender a causa do MST. O líder do MST destaca a solidariedade do povo brasileiro como a base da existência do movimento ao longo dos 40 anos de sua história.

Visibilidade positiva:

Stédile reconhece que a CPI trouxe visibilidade para as ações do MST, mas afirma que o foco da mídia estava mais nas ações dos parlamentares bolsonaristas do que nas ações do movimento. Ele menciona a transmissão ao vivo para as áreas de assentamento e acampamento, onde a base do MST pôde acompanhar o depoimento.

Impacto nas diligências e no governo:

Stédile comenta que as ações da CPI e as diligências dos parlamentares bolsonaristas não tiveram impacto substancial na base do MST, mas reconhece que a troca de deputados na CPI trouxe uma mudança no cenário e pode ter efeitos nos resultados finais. Ele critica o uso de dinheiro público para realizar as diligências, ressaltando que o movimento permanece comprometido com a paz e a defesa dos trabalhadores.

Ao final, ele discute a CPI em andamento, a disputa ideológica entre diferentes modelos de agricultura e o legado da CPI para a sociedade brasileira. A fala reflete a visão de Stédile sobre a situação política, econômica e ambiental do Brasil, destacando suas opiniões sobre os diferentes modelos de agricultura e o papel do MST na promoção de uma agricultura mais sustentável e justa.

Avaliação da CPI:

Stédile observa que a CPI tem sido uma batalha ideológica, com a extrema-direita buscando confrontar a esquerda. Ele destaca que, independentemente do resultado final, o MST e os movimentos de esquerda ganharam a batalha ideológica.

Disputa entre Modelos de Agricultura:

Stédile identifica três modelos de agricultura em disputa: o latifúndio predador, o agronegócio e a agricultura familiar. Ele critica o latifúndio predador, caracterizado pela exploração insustentável dos recursos naturais. Ele também critica o agronegócio, que produz commodities utilizando monocultivos e agrotóxicos. No entanto, Stédile reconhece que uma parte do agronegócio está migrando para práticas mais sustentáveis.

Agricultura Familiar e Agroecologia:

Stédile destaca a importância da agricultura familiar moderna, que ele chama de “agricultura familiar inteligente”. Ele argumenta que essa forma de agricultura deve adotar práticas agroecológicas, usando sementes crioulas, produzindo alimentos saudáveis e preservando o meio ambiente. Ele menciona que o MST busca desenvolver parcerias com os chineses para a criação de fábricas de máquinas agrícolas voltadas para a agricultura familiar, além de investir na agroindústria e na industrialização de produtos.

Impacto na Indústria:

Stédile critica o desmantelamento da indústria de plataformas petrolíferas após a Operação Lava Jato, que deixou espaço para a exportação de gado vivo no porto de Rio Grande. Ele expressa sua frustração com essa situação, argumentando que o Brasil deveria estar exportando produtos industrializados de maior valor agregado em vez de gado em pé.

Finalmente, Stedile ainda faz um comentário sobre a comunicação no governo Lula, a necessidade de uma política mais ousada de comunicação e a importância dos meios populares de informação.

Ele reflete sobre a preocupação com a falta de acesso à informação e a importância da comunicação popular para preencher essa lacuna, educar o público sobre políticas públicas e eventos importantes, e oferecer uma alternativa aos grandes veículos de comunicação.

Comunicação no Governo Lula:

Ele analisa a comunicação do governo Lula, destacando que ainda há uma dívida em relação à forma como o governo se comunica com o público. Ele critica a falta de ousadia na comunicação e acredita que o governo deveria estar mais comprometido em garantir o acesso a informações em todo o país. Ele menciona a falta de instrumentos de comunicação em muitos municípios e defende a necessidade de investir em rádios comunitárias, internet de qualidade e outros meios populares.

Disputa com Grandes Veículos de Comunicação:

Stédile critica a estratégia de colocar dinheiro público em publicidade nos grandes veículos de comunicação, como a Globo. Ele argumenta que essa abordagem não é eficaz para alcançar a população e que esses veículos não têm interesse em veicular informações que possam beneficiar o governo. Ele destaca a importância de se investir em comunicação popular para levar informações relevantes e políticas públicas para o público em geral.

Falta de Informação sobre Políticas Públicas:

Stédile ressalta que, mesmo quando o governo implementa programas, muitas vezes o público não tem conhecimento sobre eles. Ele menciona o programa “Minha Casa Minha Vida” como exemplo e observa que as pessoas não sabem onde procurar para se inscrever. Ele critica a falta de comunicação eficaz sobre políticas públicas e ressalta a necessidade de os meios populares de comunicação preencherem essa lacuna.

Importância da Comunicação Popular:

Stédile enfatiza que os meios populares de comunicação são essenciais para informar o público sobre políticas públicas e acontecimentos relevantes, como os acordos internacionais do governo Lula em Joanesburgo. Ele destaca a importância de explicar ao público o significado desses eventos e como eles podem impactar positivamente a vida das pessoas. Ele faz um apelo por mais investimento na mídia popular, destacando a relevância desse tipo de comunicação, especialmente nas proximidades das eleições.

Autor