Filme “Massacre no Estádio” e a busca por justiça para Víctor Jara

Filme disponível no Netflix mostra a brutalidade da ditadura de Pinochet e os quase 50 anos de impunidade para o assassinato do músico chileno

O golpe militar no Chile completa 50 anos nesta segunda-feira, 11 de setembro. Cinco dias depois dos militares usurparem o poder democrático, ocorre a triste memória da morte do músico Víctor Jara. Uma morte absurda impune até as vésperas deste cinquentenário. Durante todo esse tempo, um de seus assassinos curtia as praias da Flórida como se nada tivesse ocorrido, sob a proteção do greencard. 

Sua história é contada no documentário Remastered: Massacre no Estádio, que pode ser visto na Netflix. Com pouco mais de uma hora, o título do filme é uma referência ao estádio onde milhares de pessoas, entre elas o cantor, foram detidas após o golpe. Com tom investigativo, o filme dirigido por Bent-Jorgen Perlmutt mostra, entre outras coisas, como as canções políticas e humanistas de Vitor Jara incomodavam os militares que planejavam tomar o poder no Chile. 

Confira o especial sobre 50 anos do golpe no Chile:
Um gol inesquecível contra Pinochet
50 anos do golpe no Chile – Memórias e reflexões de um exilado
O governo Allende e os 50 anos do golpe: do sonho à tragédia
Há cinquenta anos, em Santiago do Chile

Jara foi um dos símbolos da luta contra a ditadura de Pinochet. O novo regime caracterizou-se pela intensa repressão e censura, e por causar a morte de mais de 3 mil pessoas, a tortura de aproximadamente 40 mil e o exílio de milhares de cidadãos chilenos. Uma das mais brutais do continente. 

Professor, diretor de teatro, poeta e cantor, tornou-se o maior nome da canção de protesto em seu país. Amigo de Salvador Allende, o artista foi brutalmente assassinado pelo regime chileno. Em seu estilo de menestrel das massas, ele tinha forte consciência da realidade social, não apenas de seu país, e se comunicava de forma direta com toda a juventude. Assassinado a tiros dentro do estádio, seu corpo foi lançado em uma favela em Santiago.  

A justiça chilena condenou 7 militares aposentados pelo sequestro e assassinato do artista. A pena estabelecida pelo Tribunal Supremo do Chile foi de 25 anos de reclusão. Um dos militares, Hernan Chacon, se suicidou quando a Brigada de Direitos Humanos da Polícia de Investigações Chilena foi buscá-lo em casa para que cumprisse a pena na penitenciária.  

O documentário “Massacre no Estádio”, estreou em 2019, no streaming. Embora haja versões sobre a morte, o fato é que Víctor, assim como outras pessoas presas no Estádio do Chile, hoje Estádio Víctor Jara, foi torturado e morto covardemente por ser considerado ameaça ao projeto ditatorial que dominou o Chile de 1973 até 1990.  A produção conta a história do cantor, de sua prisão na Universidade de Santiago, onde trabalhava no departamento de comunicação e extensão, e as implicações na busca por justiça, em imagens e depoimentos de companheiros, sobreviventes, artistas e outras testemunhas. 

O filme contrapõe versões e apresenta o possível executor de Víctor Jara: o ex-oficial do exército Pedro Barrientos, apontado como assassino por ex-companheiro de farda presente no massacre. Barrientos, com o fim da ditatura chilena, mudou-se para os Estados Unidos e obteve nacionalidade norte-americana. Foi julgado como culpado, porém nunca foi preso e, de acordo com o documentário, vivia no estado da Flórida. A produção também expõe o envolvimento dos EUA no golpe militar chileno para derrubada de Salvador Allende, considerado o primeiro presidente socialista eleito democraticamente no mundo. Afinal, “não queriam uma nova Cuba na América do Sul”. 

Sim, o filme emociona por mostrar o poder da música de Víctor e a mobilização da classe artística em torno da luta por sua memória. O filme é uma oportunidade para ouvir suas belas composições. As canções de Jara dessa época expressavam a vontade popular, além de terem sido trilhas sonoras para a luta do povo chileno durante manifestações na campanha à presidência. “No hai revolución sin canciones”, destacava uma das propagandas de Allende. 

“Não foi a minha tragédia, foi uma tragédia coletiva. Eu sou uma das que tiveram sorte de ver o marido morto”, disse Joan Jara, esposa de Víctor. O filme revela a dimensão da tragédia coletiva ao mostrar que há poucas famílias no Chile capazes de dizer que não foram afetadas de forma violenta pelo regime de Pinochet. 

Hoje, são poucos e fazem muita falta artistas como Víctor em palcos capazes de explodir em lasers, luzes, fumaça e pirotecnia para esconder o vazio existencial dos shows. Jara foi raro e imprescindível, pois a sua música continua sendo “mais perigosa que 100 metralhadoras!” 

Autor