Premiação traz à tona debate sobre reconhecimento de mulheres cientistas

Honraria foi concedida por estudos que permitiram a criação de vacinas contra Covid-19; prêmio destaca rara homenagem a cientistas mulheres e levanta discussões sobre equidade no meio científico.

Katalin Karikó e Drew Weissman são os laureados de 2023 com o Prémio Nobel da Medicina, pelas descobertas relativas a modificações de bases nucleósidas que permitiram o desenvolvimento de vacinas eficazes de mRNA contra a covid-19 Foto:Reuters

Nesta segunda-feira (2), a cientista bioquímica húngara Katalin Karikó foi anunciada como uma das vencedoras do Prêmio Nobel de Medicina de 2023, ao lado do pesquisador americano Drew Weissman. A premiação destaca o trabalho revolucionário sobre o RNA mensageiro (RNAm), que foi fundamental para o desenvolvimento das vacinas eficazes contra a Covid-19.

O comitê do Nobel destacou que os laureados foram premiados “por suas descobertas sobre as modificações das bases de núcleos que permitiram o desenvolvimento de vacinas de RNAm eficazes contra a covid-19”.

“Os vencedores contribuíram para o desenvolvimento a um ritmo sem precedentes de uma vacina durante uma das maiores ameaças para a saúde da humanidade nos tempos modernos”, acrescentou.

A premiação do Nobel é vista como o ápice das conquistas científicas, celebrando avanços transformadores que muitas vezes levam décadas para serem realizados. No entanto, as regras impostas por Alfred Nobel em 1895, que permitem honrar apenas até três pessoas por prémio, apresentam desafios, especialmente num cenário científico cada vez mais colaborativo.

A natureza colaborativa da pesquisa científica moderna, onde equipes interdisciplinares muitas vezes trabalham em paralelo, levanta questões sobre a seleção dos laureados e a visibilidade dos grupos coletivos. Um exemplo é o Nobel de Física de 2017, que descobriu a detecção de ondas gravitacionais. Embora quase mil autores tenham contribuído para os principais artigos dessa descoberta, apenas três foram laureados.

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Esse desafio de seleção evidencia a necessidade de revisão nas regras dos prêmios científicos de destaque, como o Nobel. David Pendlebury, chefe de análise de pesquisa do Instituto de Informação Científica da Clarivate, destaca que a ciência contemporânea é frequentemente realizada por grandes grupos e redes colaborativas internacionais, o que a torna uma “ciência de equipe”. A “regra de três” pode limitar o reconhecimento de equipes inteiras que enfrentam problemas complexos juntas.

Além dessa questão estrutural, outra lacuna crítica é a falta de diversidade entre os premiados. Embora tenhamos visto um aumento no reconhecimento de mulheres ao longo dos anos, ainda há uma representatividade baixa. Apenas cerca de 6% dos laureados desde 1901 são mulheres. Entre elas, destaca-se a renomada cientista Marie Curie, que ganhou duas vezes o Nobel, nas áreas de Física e Química.

A comunidade científica debate a existência de preconceito sistêmico na ciência, destacando que as mulheres enfrentam desafios para receber reconhecimento e destaque como autoras principais em artigos científicos.

“Há várias mulheres que fizeram contribuições de nível Nobel para a ciência, contribuições pelas quais colegas homens foram premiados, mas elas não foram”, disse Naomi Oreskes, professora Henry Charles Lea de história da ciência e professora afiliada de ciências da Terra e planetárias na Universidade de Harvard. “Estes exemplos provam que mesmo quando havia mulheres qualificadas, elas eram sistematicamente preteridas”.

O renomado cosmólogo e físico britânico Martin Rees, ex-presidente da Royal Society, enfatiza a natureza crescente colaborativa da pesquisa científica, tornando a escolha dos laureados um desafio para os comitês do Nobel. A regra que permite premiar no máximo três pessoas por prêmio também é considerada uma limitação para ele.

Além disso, a falta de transparência no processo de seleção do Nobel também foi apontada por Rees como um obstáculo. A lista restrita do Nobel é mantida em sigilo, assim como os indicados, e os detalhes do processo de seleção ficam fechados ao público por 50 anos.

David Pendlebury, chefe de análise de pesquisa do Instituto de Informação Científica da Clarivate, observou que a falta de diversidade no palco do Nobel reflete um problema estrutural no sistema educacional, que historicamente não gerou candidaturas em número suficiente ao longo dos anos. No entanto, à medida que a presença feminina nas universidades e na ciência aumenta, espera-se que os futuros prémios Nobel sejam mais representativos. Nas últimas quatro décadas, quase 71% das láureas em ciências foram concedidas às mulheres, refletindo uma mudança significativa nesse cenário.

A premiação de Katalin Karikó é um passo importante para a confiança nas contribuições exclusivas das cientistas mulheres na vanguarda da pesquisa biomédica e fortalece o chamado por maior diversidade e igualdade na comunidade científica global.

O Prêmio Nobel de fisiologia ou medicina foi anunciado na segunda-feira (2), será seguido pelo prêmio de física na terça-feira (3) e o Prêmio Nobel de química na quarta-feira (4). O Prêmio Nobel da Literatura e o Prêmio Nobel da Paz serão anunciados na quinta (5) e sexta-feira (6), respetivamente.

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com informações da CNN e Folha de S. Paulo

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