Uso de aplicativos de transporte revela desigualdade de acesso

Desigualdades no uso do serviço individual mostram a importância de melhorar o acesso ao transporte coletivo nas periferias urbanas

Transporte por aplicativo revela dificuldade de acesso de populações das periferias, que precisam de políticas voltadas para o transporte público. Arquivo/Agência Brasil

Um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no Rio de Janeiro revelou que o uso de aplicativos de transporte como Uber e similares, embora aumente o acesso ao trabalho e a serviços públicos, também evidencia a desigualdade econômica entre as diferentes classes sociais. A pesquisa, que analisou dados de 152 milhões de viagens de Uber realizadas na cidade do Rio de Janeiro entre 8 de março e 20 de dezembro de 2019, aponta para uma série de conclusões importantes sobre a mobilidade urbana e social no país.

O estudo forneceu revelações valiosas sobre a mobilidade urbana no Brasil e como os serviços de ride-hailing (carona remunerada), como Uber, DiDi e 99, têm impactado os hábitos de deslocamento da população. O estudo, intitulado “Tendências e Desigualdades da Mobilidade Urbana no Brasil II: Características e Padrões de Consumo da Mobilidade por Aplicativo”, conduzido por Lucas Warwar e Rafael H. M. Pereira, lançou luz sobre a dinâmica social, econômica e geográfica desses serviços no país.

Segundo Rafael Moraes Pereira, da Coordenação Geral de Ciência de Dados e Tecnologia da Informação do Ipea, um dos autores do estudo, “os serviços de mobilidade por aplicativo têm um grande potencial para aumentar o acesso da população ao emprego e outros tipos de atividades econômicas e serviços públicos”. No entanto, a pesquisa revelou que o custo desses serviços pode ser uma barreira significativa para as pessoas de baixa e média renda.

O estudo destacou que viagens curtas de aplicativo proporcionam um nível de acessibilidade muito maior em comparação com viagens de mesma duração realizadas por transporte público. Por exemplo, considerando uma viagem de 30 minutos com custo de até R$ 24, a acessibilidade média por carro de aplicativo é até sete vezes maior do que por transporte público.

No caso de viagens mais longas de Uber combinadas com transporte público, a pesquisa identificou um aumento significativo no acesso a oportunidades de emprego. Por exemplo, uma viagem de 60 minutos de Uber complementada por transporte público aumenta a acessibilidade média de emprego em 61% quando a viagem custa R$ 18, e esse aumento sobe para 75% quando a viagem custa R$ 24.

Entretanto, a questão financeira se torna uma barreira importante para que o serviço de mobilidade por aplicativo beneficie também as pessoas de baixa e média renda. Além disso, o estudo apontou que, antes mesmo de terem dificuldades para pagar uma viagem de Uber, os moradores pertencentes aos 40% mais pobres do Rio de Janeiro já enfrentam obstáculos para custear o próprio transporte público, o que é semelhante em outras cidades do Brasil.

Distribuição geográfica e econômica

Os pesquisadores utilizaram dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017-2018, gerados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para analisar o perfil sociodemográfico dos usuários de mobilidade por aplicativo no Brasil. Os resultados revelaram que, em 2018, apenas 3,1% das pessoas acima de 15 anos de idade no Brasil usavam serviços de ride-hailing. Esses usuários realizavam, em média, cerca de oito viagens por mês, com um custo médio de R$ 22,50 por viagem.

Uma das descobertas mais marcantes foi a desigualdade social presente no uso desses serviços. O estudo mostrou que a taxa de adoção dos serviços de ride-hailing é significativamente maior entre a população de alta renda, com níveis mais elevados de escolaridade e faixas etárias mais jovens, especialmente entre os indivíduos de 15 a 34 anos. Além disso, o uso desses serviços é mais comum entre mulheres e pessoas brancas.

A pesquisa também destacou a concentração geográfica do uso de ride-hailing. Cerca de 60% dos usuários residem em uma das dez maiores regiões metropolitanas do Brasil. Dentro dessas áreas urbanas, o consumo desses serviços é mais frequente nas áreas centrais e densamente povoadas, revelando uma clara disparidade entre as regiões metropolitanas e as áreas periféricas.

A pesquisa também revelou diferenças significativas entre as cidades brasileiras. Porto Alegre, por exemplo, se destacou como a cidade com a mais elevada taxa de utilização de ride-hailing, enquanto São Paulo apresentou usuários com maior frequência de uso e o Rio de Janeiro teve o preço médio das viagens mais elevado.

Políticas públicas de mobilidade urbana

Para lidar com essas questões, o pesquisador do Ipea defendeu a necessidade de políticas públicas que promovam a maior integração dos sistemas de transporte público e o subsídio do poder público. Ele argumentou que o financiamento exclusivo com receitas das tarifas pagas pelos passageiros não é economicamente sustentável na maioria das cidades brasileiras e que o sistema de transporte público deve receber subsídios financiados por impostos e outras fontes.

Além disso, sugeriu a criação de centros comerciais em áreas periféricas, próximas a estações de trem, como forma de gerar oportunidades de emprego em regiões mais afastadas.

O estudo também ressaltou a importância de compartilhar dados sobre o uso de aplicativos de transporte com o objetivo de colaborar com políticas públicas de mobilidade urbana.

Embora os dados analisados sejam de 2019, o pesquisador acredita que muitos dos comportamentos identificados na pesquisa continuam relevantes nos anos seguintes, destacando que o teletrabalho, que ganhou destaque durante a pandemia, sempre foi restrito a pequenos grupos da população.

O estudo do Ipea fornece reflexões valiosos sobre como o uso de aplicativos de transporte pode impactar a mobilidade e evidenciar desigualdades econômicas no Brasil, destacando a importância de políticas públicas para abordar essas questões e tornar a mobilidade urbana mais equitativa. Também oferece uma visão abrangente do uso de ride-hailing no Brasil, revelando desafios e oportunidades para tornar a mobilidade urbana mais inclusiva e acessível a todos os estratos da sociedade.

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